Dentro do sistema prisional, a tuberculose é um dos agravos que mais acomete a população privada de liberdade dentro do sistema prisional e desde que iniciamos nossos trabalhos em SET 2022, como equipe multiprofissional dentro do PNAISP ( Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional) na penitenciária Gabriel Ferreira de Castilho, a nossa inquietação era tentar reduzir ao máximo o número de internos contaminados pela doença. A tuberculose nas prisões é um grande problema de saúde pública no Rio de Janeiro, com taxas de incidência cerca de 35 vezes superior à do estado, onde a taxa de incidência é uma das mais altas do país. Neste sentido, são necessárias políticas mais efetivas e definição de estratégias para controlar essa doença, levando-se em consideração as características da população prisional e a realidade das cadeias, que se constitui como um grande desafio.
Este relato de experiência trata da implementação e dos resultados de uma estratégia direcionada ao controle e à redução da incidência de tuberculose na unidade prisional Gabriel Ferreira de Castilho. O objetivo principal foi minimizar a contaminação e disseminação da tuberculose entre os internos, por meio da identificação precoce de casos, educação em saúde, e intervenções focadas na prevenção e tratamento da doença dentro do sistema prisional.
Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo?
A partir das entrevistas guiadas para cadastramento de todos os privados de liberdade, foi possível realizar um diagnóstico situacional de toda a unidade prisional, com o quantitativo de internos que apresentavam algum tipo de agravo. Após essa etapa, com a participação do colaborador farmacêutico e da colaboradora psicóloga e a intermediação de um privado de liberdade, que faz parte do corpo de liderança entre o coletivo, identificamos um líder de cada galeria. Após reunião com essas lideranças, foi realizada educação em saúde com a temática tuberculose dentro das galerias, sendo possível disseminar conhecimento para essa população.
Após reunião de equipe, decidimos criar um movimento chamado “GABRIEL CASTILHO – SEM TUBERCULOSE”. Com apoio das lideranças de cada galeria, identificamos todos os pacientes que apresentavam tosse. No dia da ação, contamos com o apoio da equipe de saúde da SEAP (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária), com Enfermeiros do Sanatório Penal, com policiais penais e de toda equipe da unidade de saúde (técnico de enfermagem, enfermeira, psicóloga, médico clínico, médico psiquiatra, dentista, auxiliar de saúde bucal e farmacêutico). Foram coletadas pouco mais de 200 amostras de escarro, onde todos os exames foram cadastrados no sistema GAL, apresentando quase 50 resultados positivos.
Resultados:
Os resultados foram significativos, com a coleta de mais de 200 amostras de escarro e a identificação de quase 50 casos positivos de tuberculose. Este diagnóstico precoce permitiu a rápida intervenção no tratamento dos casos identificados. Além disso, a iniciativa promoveu uma maior conscientização sobre a doença entre os internos e a equipe prisional, contribuindo para a redução potencial de novos casos.
Após esse movimento, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) com apoio da SES (Secretaria Estadual de Saúde) e a coordenação de saúde da SEAP realizaram uma oficina de planejamento para enfrentamento da tuberculose no sistema prisional no município do Rio de Janeiro, objetivando elaborar ações para:
- Oportunizar o tempo de diagnóstico e início de tratamento;
- Aumentar a realização de baciloscopia de controle no 1° e 2° mês;
- Oferta de medicamentos;
- Monitorar as transferências de privados de liberdade com tuberculose intra e extramuros;
- Aprimorar a vigilância (epidemiológica e laboratorial);
- Aumentar o tratamento para ILTB em HIV+ com CD4< 350;
- Reduzir os casos de hospitalização e mortalidade por tuberculose.
Considerações finais:
A experiência vivenciada na Penitenciária Gabriel Ferreira de Castilho oferece um panorama importante sobre a eficácia de abordagens integradas e participativas no enfrentamento da tuberculose em ambientes prisionais. Este relato de experiência reforça a premissa de que políticas de saúde direcionadas e adaptadas à realidade dos indivíduos privados de liberdade, tal como preconiza a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Privados de Liberdade no Sistema Prisional, são vitais para assegurar o bem-estar e promover a qualidade de vida desta população considerada altamente vulnerável.
Observa-se que tal política não apenas representa um avanço na promoção de uma saúde integral e humanizada, mas também se alinha com os valores fundamentais de uma sociedade que aspira à justiça e inclusão. O papel da equipe multidisciplinar emergiu como um pilar central, evidenciando como a sinergia entre profissionais de diversas áreas — incluindo saúde, assistência social, e administração penitenciária — é crucial para transcender os tradicionais paradigmas de cuidado, abordando tanto as necessidades físicas quanto mentais dos detentos.
A colaboração estreita entre os profissionais de saúde, enfermeiros do Sanatório Penal, os próprios internos, e a administração penitenciária, amparada pelo suporte de políticas públicas robustas, foi determinante para o sucesso da intervenção. Este relato não apenas sublinha a importância de estratégias de diagnóstico precoce e educação em saúde, mas também destaca a necessidade de um acompanhamento contínuo e adequado, visando uma eficaz prevenção e controle da tuberculose dentro do sistema prisional.
Os resultados obtidos nesta penitenciária, sugere-se que o modelo implementado pode ser considerado um referencial replicável para outras unidades prisionais que enfrentam desafios similares. Destaca-se, ainda, a importância de uma contínua avaliação e adaptação das estratégias empregadas, tendo em vista as especificidades de cada contexto prisional e a dinâmica evolutiva da tuberculose e de outras doenças infecciosas em ambientes de confinamento.
Portanto, este relato contribui significativamente para a literatura existente, fornecendo evidências concretas da efetividade de abordagens multidisciplinares e integradas no manejo de doenças infecciosas em contextos prisionais. Ressalta-se a imperatividade de políticas de saúde públicas que abordem as particularidades desse grupo, enfatizando a saúde como um direito universal e inalienável, mesmo em contextos de privação de liberdade, reiterando o compromisso com a dignidade humana e os princípios de equidade e justiça social.