O racismo é uma violência estrutural e latente no cotidiano de pessoas negras desde a infância, interfere diretamente no campo da saúde como um todo, e especificamente na saúde mental. Nesse sentido, na percepção social nacional, estrutura-se uma supervalorização de características da branquitude e desvalorização da subjetividade e cultura negra. Essa percepção é perpetuada pelas crianças em suas brincadeiras e nas maneiras de se relacionarem socialmente. Esse contexto impacta a saúde mental das crianças e adolescentes negros e negras, gerando sentimentos de inferioridade e uma imagem negativa sobre si. Dessa forma, outros estudos apontam adoecimentos psíquicos causados pelas práticas racistas no ambiente escolar, tais como problemas de socialização, aumento de ansiedade, depressão e até mesmo ideação e tentativa de suicídio. Portanto, essa pesquisa objetivou investigar a ocorrência de sofrimentos psíquicos em adolescentes, decorrentes do racismo, na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande Sul, a fim de analisar os principais danos, aspectos e características determinantes de acometimentos patológicos relacionados ao racismo e sua interferência na autoaceitação e constituição do sujeito, por meio da etnografia e posterior análise temática. A proposta inicial era realizar essa pesquisa com adolescentes negros e negras de uma escola pública e de outra escola privada, contudo não se obteve autorização das escolas privadas locais e seus responsáveis. Posteriormente, tentou-se realizar o estudo no Ensino Médio e Fundamental II, contudo os estudantes negros da fase do ensino médio que afirmaram que gostariam de participar da pesquisa, não receberam autorização dos responsáveis. Estes estudantes foram escutados e acolhidos pelas pesquisadoras, mas seus relatos não contaram como dados da pesquisa. No transcorrer dessa pesquisa, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Fronteira Sul (UFFS), identificamos uma negação ao abordar a problemática, com dificuldade de conexão dos processos educativos com de promoção de saúde psíquica diante da diversidade sociocultural, o que ainda está sendo mobilizada pelas cotas universitárias na região marcada pela colonização eurocentrada. Então, realizou-se grupo focal com questionário sociodemográfico com assentimento e consentimento das responsáveis de 6 adolescentes do Ensino Fundamental II com idade média de 14,5 anos, classe baixa, autodeclaradas negras ou pardas, do gênero feminino, a maioria solteiras, com média de dois anos de atraso escolar. Após o grupo focal, realizou-se transcrição e análise temática dos resultados, onde se evidenciou que as práticas racistas vividas pelas adolescentes, que impactaram os relacionamentos familiares e o rendimento escolar. Identificou-se que o racismo provocou efeitos negativos na saúde mental de todas as adolescentes que participaram desse estudo, com relatos de depressão, ansiedade, e inclusive um caso de ideação suicida. Essas estudantes foram encaminhadas para atendimentos especializados em saúde mental, e a escola abriu a possibilidade de uma agenda de formações e capacitações antirracistas para toda comunidade escolar. Foi realizada, dessa forma, a restituição das temáticas analisadas, no encontro com as adolescentes no grupo focal, com a comunidade escolar, de forma generalizada, sem expor as participantes. Foi debatido, durante a devolução da pesquisa, utilizando como instrumentos didáticos, slides e vídeos, sobre a realidade do(a) jovem negro(a) no Brasil relacionada a sua saúde mental, por meio de dados do Ministério da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, sobre suicídio, depressão, ansiedade, bem como questões sobre autoindentificação racial, as relações dentro das famílias inter-raciais e a importância da escola na construção de uma educação antirracista. Nessa pesquisa foi possível inferir que existem formas distintas e peculiares de perpetuação do racismo, que perpassa o individual, mas, também, a estrutura coletiva e social e que, por vezes, é propaganda não só na rua e em contextos coletivos como o espaço escolar, mas dentro do próprio seio familiar. Dessa forma, observou-se que as famílias, especialmente as inter-raciais, são estruturas formativas que viabilizam a solidificação do preconceito como algo natural e possibilitam a autopercepção individual depreciativa dos(as) adolescentes negros(as) na medida em que fortalecem as discriminações étnicas, já vivênciadas no ambiente externo, dentro de casa. Por outro lado, foi possível perceber também que, quando há uma perspectiva de mudança da realidade vivenciada, por meio da desconstrução de estereótipos e inibição dos preconceitos de cor, a família representa uma instituição fundamental na configuração de trajetórias de crianças e adolescente negros(as) capazes de enxergar suas potencialidades e se autoperceber como sujeitos repletos de virtudes. Assim sendo, é inegável a posição de destaque que a família ocupa na luta por uma formação antirracista e por uma sociedade livre de preconceitos. Foram evidenciados, também, fatos relevantes acerca da importância de se debater a questão racial relacionada à saúde mental de crianças e adolescentes no ambiente escolar. Nesse sentido, foi possível observar a importância que a escola apresenta na vida, e consolidação da autopercepção que as crianças e adolescentes têm sobre si, e de quanto um discurso vago e limitado referente a história e construção da cultura afro brasileira pode contribuir para a perpetuação de distinções e estereótipos errôneos sobre essa população na sociedade, e um apagamento cultural e histórico. Interferindo, desse modo, na saúde mental, promovendo a somatização de questões de saúde difíceis de serem superadas sem o apoio e sem a compreensão daqueles que estão à frente dos processos formativos. Dessa maneira, após todas as análises e demandas identificadas, emergiu a segunda parte desta pesquisa que, pautada em resultados anteriores, identificou a necessidade de trabalhar a temática com aqueles que estão cotidianamente lidando com o processo de instrumentação dos indivíduos: os/as professores/as. A relevância dessa pesquisa reside na possibilidade de (re)conhecer processos subjetivos decorrentes do racismo em adolescentes que estão em idade escolar. Nesse sentido, poderemos ter uma visão maior sobre como o racismo e as práticas racistas adoecem e prejudicam a saúde mental, além de reconhecer formas de enfrentamento no processo de promoção e prevenção em saúde mental. Existe uma necessidade de ampliar o debate sobre racismo e saúde mental, inclusive possibilitando novas formas comportamentais de lidar com as adversidades relacionadas ao racismo no contexto escolar, bem como avaliar a construção de instrumentos teórico-práticos de ensino voltados à formação antirracista e à inibição de perspectivas discriminatórias. Além disso, os(as) profissionais da área da saúde e da educação devem se movimentar no sentido da intersetorialidade, e de se instrumentalizar de mecanismos para enfrentar o racismo, promover saúde mental e saúde integral nos territórios, evitando os altos índices de evasão escolar, transtornos mentais, adoecimentos crônicos e suicídios de uma população brasileira que é na maioria negra, mas minoritária nos acessos em cuidado em saúde, renda, emprego e qualidade de vida.