Apresentação: A prevenção da transmissão vertical da infecção pelo HIV (Human Immunodeficiency Virus) vem sendo priorizada nas políticas públicas no Brasil e no mundo. O protocolo inclui a testagem durante o cuidado pré-natal, o uso profilático de medicamentos antirretrovirais, a substituição do aleitamento materno por fórmula láctea, dentre outras medidas. Muito embora de tecnologia simples, tais medidas apresentam potenciais impactos emocionais, familiares e sociais que podem interferir na adesão ao tratamento da mulher/mãe, bem como no acompanhamento que decorre até a definição do diagnóstico da criança. A assistência nesse contexto impõe uma perspectiva de humanização, com atuação profissional para além das orientações e intervenções clínicas, mas que promova também uma relação interpessoal baseada no acolhimento das vivências subjetivas da mulher/mãe. Este trabalho apresenta reflexões feitas a partir da experiência de cuidado às gestantes e puérperas com diagnóstico de infecção pelo HIV vinculadas a um Serviço de Atenção Especializada de referência para a microrregião de saúde do município de Ipatinga, leste de Minas Gerais. Desenvolvimento: As ações realizadas no serviço foram sistematizadas, de forma a dar enfoque às subjetividades e vivências das mulheres, favorecendo o espaço à expressão de sentimentos através da escuta atenta e acolhimento às demandas apresentadas. O plano de ação inclui a adscrição das gestantes já vinculadas e a inclusão daquelas que receberam o diagnóstico em outros serviços, durante o pré-natal ou no momento do parto, e que foram encaminhadas para acompanhamento especializado. As gestantes e puérperas são acompanhadas por toda a equipe multiprofissional através de consultas, acompanhamento da vacinação, realização de exames, dispensação de medicamentos e de fórmula láctea; visitas ao hospital/maternidade após o parto para acolhimento e orientações; discussões de caso e encaminhamentos a outros serviços da rede de saúde e intersetorial, quando necessário. São ofertados atendimentos psicológicos e multiprofissionais, individuais e familiares, para escuta, orientação, identificação de vulnerabilidades e de possibilidades de intervenção, por todo o período de acompanhamento. Os atendimentos podem ocorrer por demanda espontânea da própria mulher/mãe, do parceiro/pai ou outro familiar, ou ainda por direcionamento de profissionais que realizaram atendimento e identificaram as demandas subjetivas. Resultados: As demandas subjetivas da mulher/mãe que mais emergem são aquelas relacionadas aos medos diante da própria saúde e da possibilidade de transmissão da infecção para a criança; dúvidas e inseguranças diante dos protocolos de prevenção durante a gestação, no momento do parto e após o nascimento; frustrações e tristezas diante da impossibilidade de amamentação, compreendida como expressão precípua da maternidade. Angústias relacionadas ao próprio diagnóstico, tais como forte sentimento de culpa; decepções em relação à perda de confiança no parceiro e receios quanto à revelação do diagnóstico também emergem com frequência. Os atendimentos individuais e os que abrangem o parceiro/pai e outros familiares têm se mostrado como importante facilitador das subjetividades, na medida em que propõe uma perspectiva de protagonismo das vivências únicas de cada gestação e dos aspectos que a perpassam. As visitas após o parto também têm se apresentado como importante espaço para acolhimento e orientações, já em um contexto em que sentimentos próprios da maternidade tomam força diante da concretização do nascimento. Ainda que tenha sido proposta a realização de grupos educativos e/ou terapêuticos, esta modalidade de intervenção não apresentou boa aceitação pelas mulheres atendidas no serviço. Compreende-se que o estigma e os receios relacionados à exposição do diagnóstico, muitas vezes se impõem e inviabilizam algumas ações, o que implica em um não-ganho quanto ao potencial de construção coletiva das subjetividades e do compartilhamento de vivências. Importante também considerar os aspectos relacionados à equipe profissional que, muitas vezes, diante das intensas demandas de trabalho, acabam por priorizar os aspectos biomédicos da prevenção. Embora de primordial importância, esses aspectos, por si só, não abrangem a total complexidade que atravessa a gestação no contexto de HIV, sendo essencial considerar também as demandas subjetivas de forma a promover a humanização das mulheres/mães. Nota-se que as políticas públicas voltadas para a prevenção da transmissão vertical, em que as ações são focadas na criança, acabam por invisibilizar as mulheres/mães, incorrendo-se no risco de, em alguma medida, responsabilizá-las pela possibilidade de transmissão da infecção aos filhos, corroborando a uma angústia subjetiva já presente e às expectativas sociais relacionadas à maternidade. Outro aspecto a ser considerado se refere ao foco na indetectabilidade que, ao reduzir a experiência da prevenção e do tratamento aos protocolos biomédicos, pode desconsiderar as subjetividades e o exercício da autonomia diante da tomada de decisões da mulher quanto às expressões de sua sexualidade e da maternidade. Além disso, pode contribuir para a estigmatização que perpassa esse contexto, com culpabilização e atribuição de risco de disseminação. A postura do profissional diante de suas práticas deve ser atenta, sensível e crítica, de forma a evitar que tais estigmas sejam reproduzidos. Considerações finais: A atenção às demandas subjetivas diante da gestação e maternidade no contexto de HIV são importantes para que se estabeleça melhores condições para que a mulher/mãe vivencie esse momento. A escuta atenta e o favorecimento de um ambiente acolhedor que propicie o emergir das subjetividades e a externalização das angústias pode ser fator importante na saúde mental das mulheres, com impactos positivos na adesão ao seu tratamento e no acompanhamento da criança. Neste sentido, o vínculo estabelecido com a equipe tem potencial para proporcionar ambiente acolhedor à mulher quanto ao cuidado de si e da criança, sendo importante o olhar atento dos profissionais quanto às práticas de cuidado ofertado e às suas próprias subjetividades. As atuais possibilidades de prevenção permitem a vivência da sexualidade e da maternidade sem que isso represente um risco para si e aos outros e é importante que os profissionais estejam atentos para que não reproduzam - ou não contribuam para reproduzir - discursos e comportamentos estigmatizantes e discriminatórios. Nessa perspectiva, é relevante que os profissionais, diante da sua prática diária, se atentem à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres que vivem com HIV, prezando pelo acesso à informação, ao exercício da autonomia e à superação do estigma que perpassa a gestação nesse contexto. Priorizar a escuta aos aspectos subjetivos da mulher que se torna mãe no contexto de HIV é importante para o direcionamento de uma oferta de cuidado consonante à complexidade que emerge desse momento, e pode contribuir para promover a visibilidade, a garantia dos direitos e a autonomia dessas mulheres.