PROPOSTAS E METAS PARA O SUS NO PLANEJAMENTO DOS ENTES FEDERADOS: HÁ COERÊNCIA COM UMA POLÍTICA INTERESTADUAL DE SAÚDE?

  • Author
  • Ítalo Ricardo Santos Aleluia
  • Co-authors
  • Maria Guadalupe Medina , Ana Luíza Queiroz Vilasbôas
  • Abstract
  •  

    As fronteiras interestaduais possuem importante complexidade para a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda não assumiram centralidade na agenda de planejamento dos entes federativos. Este resumo apresenta recorte de tese de doutorado que realizou a análise política de uma Região Interestadual de Saúde (RIS), em especial, a análise das propostas e metas para o SUS expressas nos instrumentos de gestão dos entes federados e sua possível coerência ou divergência com uma política interestadual de saúde. Trata-se de um estudo de análise política, com nível analítico centrado na RIS e que adotou elementos teórico-conceituais do Triângulo de Governo e da Teoria da Produção Social de Carlos Matus. O estudo foi realizado em RIS do Nordeste brasileiro, constituído por 53 municípios, dois estados e a União. Refere-se à fronteira interestadual entre as macrorregiões Norte da Bahia e do Vale do São Francisco, em Pernambuco, sendo 28 municípios baianos e 25 pernambucanos. Cada macrorregião contava com três regiões de saúde com Comissão Intergestora Regional implantada, suas sedes eram os municípios de Juazeiro-BA e Petrolina-PE. A população regional aproximada era de dois milhões de habitantes, distribuída em extensão territorial de 127.887,91 km². O território da pesquisa sediou a primeira experiência de projeto de rede interestadual de saúde, com envolvimento da União; com Central de Regulação Interestadual de Leitos (CRIL), gerida por dois estados; e com uma Comissão de Cogestão Interestadual de Saúde, com proposta de gestão tripartite. Apresenta-se a análise e os resultados da categoria ‘projeto de governo’, enquanto “ideias, propostas, objetivos e ações pensadas pelos atores que governam o SUS nas três esferas de gestão para a região investigada”. Realizou-se a análise documental dos planos de saúde para identificação das propostas de ações e das respectivas Programações Anuais de Saúde (PAS) para identificação das metas dos entes federados. Considerando a interdependência tripartite da gestão do SUS no território pesquisado, buscou-se analisar as informações por esfera administrativa. No âmbito federal, considerou-se propostas e metas que tivessem relação com fronteiras entre estados; no estadual, informações direcionadas às macrorregiões da RIS; e, no municipal, aprofundou-se a análise dos instrumentos de gestão dos municípios sede da RIS, por acumularem os recursos tecnológicos em saúde e concentrarem a maior capacidade de oferta de serviços de referência na fronteira interestadual. O período de análise documental foi entre 2008 e 2017, recorte correspondente às principais ações e decisões para implantação do projeto da Rede Interestadual de Saúde na Região. No total, foram analisados três planos e 10 programações municipais; quatro planos e 11 programações estaduais; três planos e quatro programações nacionais. O total de documentos considerou sua disponibilidade nos sites institucionais das secretariais de governo. As informações coletadas foram sistematizas em um quadro contendo categorizações sobre a natureza do documento (plano ou programação), período equivalente, o âmbito (municipal, estadual ou nacional), nome do ente, propostas estabelecidas, metas, diretriz/eixo do projeto de rede interestadual com a qual mantinha coerência e observações do pesquisador. A coerência das propostas e metas dos entes federativos com uma política interestadual de saúde considerou o cotejamento das informações documentais com as diretrizes do projeto político regional idealizado para o território da pesquisa, a saber: a) fortalecimento da atenção básica, b) redução da mortalidade materno-infantil, c) atenção às urgências e emergências e d) regulação integrada. Os dados sistematizados foram balizados com um recorte do plano analítico de dados da categoria ‘projeto de governo’, que adotou os seguintes critérios de análise: a) propostas dos entes federados, b) metas definidas pelos entes federados e c) correspondência das propostas e metas com as diretrizes/eixos do projeto de rede interestadual de saúde. Como limitação metodológica do estudo, ressalta-se a descontinuidade na disponibilidade de planos e relatórios de gestão, o que dificultou a linearidade temporal na análise dos documentos no período pesquisado. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Universidade Federal da Bahia (CAAE 74178617.4.0000.5030). Os documentos municipais apresentavam escassos propósitos alinhados com uma política de regionalização interestadual. Isto revelou como o processo de planejamento da proposta de rede interestadual foi tangencial à agenda política dos debates e proposições municipais. Dos quatro eixos estabelecidos no projeto político da Região estudada, havia coerência de propósitos para ambos os municípios sede da RIS, apenas no eixo “expansão e qualificação da atenção básica”, revelando que o conteúdo propositivo dos planos municipais de saúde apresentava um forte viés local. A análise dos planos estaduais evidenciou a inexistência de coerência entre as proposições dos estados fronteiriços e as diretrizes estabelecidas como projeto de uma Rede Interestadual de Saúde. Ratificou que as agendas de planejamento estadual operavam continuamente numa dinâmica de propósitos e interesses intraestaduais. No cenário nacional, não foi identificada qualquer coerência entre as proposições do ente federal com propósitos destinados a organização de ações e serviços para regiões interestaduais de saúde, ratificando que esses territórios não assumiram centralidade na política de regionalização do SUS. A posposições nacionais abarcavam o aprimoramento de mecanismos de gestão interfederativa, ainda sim, restrita aos Contratos Organizativos de Ação Pública (COAP). Na análise das PAS municipais, a coerência das metas com a regionalização se manteve centrada no eixo de fortalecimento da atenção básica. No âmbito estadual, os documentos analisados apontaram que as metas para o SUS davam pouca ênfase à regionalização interestadual de saúde. Na Bahia, algumas que se aproximavam indiretamente eram restritas a investimentos para ampliação de um anexo ao Hospital Regional de Juazeiro; ao apoio para implantação da CRIL; a qualificações regionais em atenção materno-infantil e em gestão de programações pactuadas. Em Pernambuco, as metas envolviam o cadastramento de novos leitos hospitalares; a ampliação de Serviço Móvel de Urgência; a implantação de centrais de regulação e leitos de retaguarda; articulações municipais para assinatura de COAP; oficinas itinerantes de qualificação da gestão regional e contratação de gerentes regionais de saúde. Nas metas nacionais, nenhuma evidência apontou coerência com uma política de interestadual de saúde na agenda federal. A principal meta nacional voltada para a gestão das regiões de saúde, restringiu-se à assinatura dos COAP. As divergências entre os propósitos municipais foram ilustrativas dos impasses ao processo de planejamento regional, constantemente atravessado por interesses locais. A disjunção dos propósitos dos entes federados em relação a uma política interestadual de saúde reflete a fragmentação de intencionalidades necessárias à construção de pactuações interfederativas, que visem articular o planejamento de sistemas municipais e estaduais de saúde fronteiriços. Desse modo, as proposições analisadas ratificam que a conformação de territórios regionais de saúde é um processo impredizível e modulado por disputas de projetos divergentes, com objetivos e metas de regionalização interestaduais ainda ausentes para a efetiva construção de políticas de saúde destinadas a RIS, podendo comprometer a governabilidade do SUS nesses territórios, onde há forte interdependência tripartite.

  • Keywords
  • Gestão; SUS; Planejamento regional; Federalismo
  • Subject Area
  • EIXO 3 – Gestão
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