A lei da migração que data do ano de 2017, considera imigrante, todos os indivíduos naturais de outro país ou apátridas, que residem ou trabalham no Brasil, seja de maneira temporária ou definitiva. As migrações internacionais para o território brasileiro sofreram alterações entre os anos de 2011 a 2020, incorrendo em aumento significativo de fluxos migratórios de mulheres, adolescentes e crianças. Além disso, se entre 2011 e 2015 predominavam os fluxos migratórios de bolivianos, entre 2015 e 2018 observou-se predomínio de haitianos e, a partir de 2019, de venezuelanos. Neste contexto, a região Sul do Brasil, destacou-se dentre as regiões do país que mais acolheram imigrantes haitianos e venezuelanos, com vistas a sua inserção no mercado de trabalho, de maneira especial no setor da agroindústria. Ambas as nacionalidades se configuram enquanto um tipo de migração forçada, a qual migra independentemente de suas escolhas e vontades, devido as situações calamitosas de seus países de origem. Além da situação precária do país de origem e das dificuldades enfrentadas no percurso migratório, quando acolhidos no Brasil, esses imigrantes são expostos a contextos de vida e trabalho precários, que os tornam suscetíveis ao adoecimento. Para avaliar essa suscetibilidade, uma maneira possível consiste na análise dos fatores individuais, sociais e programáticos presentes no contexto desses indivíduos, enquanto fatores que atuam tanto na proteção como na exposição ao adoecimento. A esta análise denomina-se vulnerabilidades em saúde. Considerando a Constituição Federal Brasileira, os imigrantes possuem direito de acesso universal ao sistema de saúde do Brasil, sendo a Atenção Primária de Saúde (APS) a principal porta de entrada deste sistema. A APS e mais especificamente o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS), são importantes estratégias para promover cuidado, prevenção e promoção em saúde dos imigrantes, com foco no território e nos Determinantes Sociais da Saúde. Objetivou-se analisar as vulnerabilidades no contexto dos imigrantes a partir da percepção de Agentes Comunitários de Saúde do Sul do Brasil. A pesquisa foi realizada com ACS de sete municípios localizados na região Sul do Brasil. Os ACS responderam a um questionário estruturado, contendo perguntas abertas e fechadas sobre as vulnerabilidades em saúde dos imigrantes de seu território, bem como ao instrumento PCATool Brasil, versão profissionais médicos e enfermeiros, adaptado para a realidade dos imigrantes. Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), utilizando-se de estatísticas descritivas. Participaram da pesquisa 210 ACS. Observou-se a predominância de imigrantes das nacionalidades venezuelanas (64,28%) e haitianas (52,28%). Os ACS em sua maioria informaram que em seu território de saúde, habitam imigrantes de diferentes fases do ciclo de vida (52,3%), não havendo predomínio de nenhum dos sexos (62,4%). Para percentual significativo de ACS (79,4%) os imigrantes se encontravam em condição migratória documentada. Verifica-se que os ACS tiveram dificuldades em reconhecer a real condição migratória dos imigrantes, considerando que a maior parte dos imigrantes da região são venezuelanos, nacionalidade esta que mais solicitou refúgio no país em 2021. Portanto, os ACS não conseguiram distinguir entre a condição de refugiado e imigrante. Os ACS ainda declararam que os imigrantes possuem condições de moradias precárias e insalubres (55,7%), renda precária (52,3%) e desemprego (38,6%), demonstrando condições de vulnerabilidade em saúde situada no eixo social. Com relação ao acesso dos imigrantes aos serviços de saúde da APS, 96,6% dos ACS informaram que realizam visitas domiciliares aos imigrantes, com uma frequência mensal em 79,0% dos casos. No entanto, 76,19% também apontaram que o idioma divergente entre ACS e imigrantes torna-se uma barreira na realização do trabalho de visita domiciliar. Verificou-se que, embora a maioria dos ACS realizem visitas domiciliares com a frequência mensal, estabelecida pela Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), a barreira do idioma limita o exercício do cuidado integral. O trabalho do ACS se ampara quase que exclusivamente no uso de tecnologias leves ou relacionais de cuidado, que incluem a comunicação e a relação para com os usuários. A barreira de idioma dificulta a comunicação entre eles, gerando incompreensão e consequentemente o não atendimento as demandas e necessidades de saúde dos imigrantes. Ainda, 93,4% dos ACS informaram não ter recebido formação para trabalhar com o público imigrante. A ausência de formação para o cuidado com os imigrantes pode acentuar as barreiras comunicacionais e culturais entre ACS e imigrantes, limitando o acesso aos serviços de saúde pelos últimos. Para 53,3% dos ACS, os demais profissionais da APS somente realizam visitas aos imigrantes quando estes se encontram em condição de incapacidade física para se deslocar até a Unidade Básica de Saúde (UBS). Tal resultado indica um cuidado em saúde amparado no paradigma biomédico, já que a visita domiciliar perde a sua função de aproximação com o ambiente social, que permite compreender o contexto dos imigrantes, para além do individual e biológico. Os ACS, em sua maioria, não perceberam problemas no acesso dos imigrantes ao sistema de saúde, informando que eles acessam os serviços de saúde e apresentam discursos positivos sobre o atendimento recebido (59,9%), bem como, que reforçam a qualidade do SUS em comparação aos sistemas de saúde de seus países de origem (46,7%). No entanto, apesar de os ACS apresentarem percepção de que os imigrantes da região têm garantido seu direito de acesso aos serviços da APS, observam-se barreiras na garantia do atendimento integral e equânime. O idioma tornou a aparecer enquanto aspecto que limita o atendimento em saúde dos imigrantes (81,0%). Além disso, os dados obtidos a partir do PCATool Brasil reforçam essas barreiras, uma vez que a maioria dos ACS (72,9%) apontou uma média de escore essencial da APS baixa. Da mesma forma 74,8% dos ACS apontaram uma média de escore geral da APS baixa. As médias de escore tanto essencial como geral baixas ou insatisfatórias, demonstram que tais serviços estão pouco orientados para os princípios da APS, tornando-se incapazes de promover atenção à saúde de maneira integral a comunidade, do ponto de vista biopsicossocial. Além disso, o acesso de primeiro contato, foi o atributo avaliado pelo instrumento, que mais registrou médias baixas (3,8), indicando que a APS não está atuando como porta de entrada principal do sistema de saúde para esta população. De todos os atributos avaliados, o único a receber média de escore satisfatório foi a integralidade serviços disponíveis (7,7). No entanto, ao analisar a média de escore da integralidade serviços prestados, novamente a média foi insatisfatória (5,7). Com isso, verifica-se que apesar da APS dispor de serviços das mais diversas ordens, apresenta limitações para executá-los na prática com os imigrantes. Considera-se a partir dos resultados obtidos a identificação de diversas vulnerabilidades em saúde no contexto dos imigrantes. Destacaram-se as vulnerabilidades situadas no eixo social, que revelam condições de moradia e renda precários e desemprego, bem como as vulnerabilidades em saúde do eixo programático, que se configuram pelo acesso limitado aos serviços de saúde, especialmente decorrentes das barreiras linguísticas e culturais que dificultam a comunicação e o cuidado. O acesso aos serviços de saúde da APS pelos imigrantes também se torna limitado, devido a uma orientação frágil dos serviços em relação aos princípios da Atenção Primária, comprometendo o cuidado em saúde de maneira integral e biopsicossocial.