Apresentação: de acordo com a lei de migração brasileira, são considerados imigrantes todos os indivíduos naturais de outro país ou apátridas, que residem ou trabalham no Brasil, de maneira temporária ou definitiva. Na década de 2010, predominaram no território brasileiro os fluxos migratórios internacionais advindos da Bolívia, Haiti e Venezuela e a região Sul do Brasil tornou-se destaque no acolhimento e inserção laboral de haitianos e venezuelanos, atraídos pelos setores da agroindústria. As nacionalidades citadas são consideradas como um tipo de migração forçada, a qual migra independentemente de suas escolhas e vontades, impulsionada pelas situações calamitosas de seus países de origem. Além da situação precária do país de origem e das dificuldades enfrentadas no percurso migratório, quando acolhidos no Brasil, esses imigrantes são expostos a contextos de vida e trabalho precários e insalubres, que os tornam suscetíveis ao adoecimento. Uma maneira possível de avaliar essa suscetibilidade é por meio da análise dos aspectos individuais, sociais e programáticos presentes no contexto desses indivíduos, os quais podem atuar tanto como fatores de proteção como de exposição ao adoecimento. A esta análise denomina-se vulnerabilidades em saúde. Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), profissionais que atuam junto a Atenção Primária à Saúde (APS), possuem potencial para reconhecer essas vulnerabilidades em saúde presentes no contexto dos imigrantes, uma vez que sua atuação deve focar no território das comunidades acompanhadas. Objetivou-se analisar as vulnerabilidades em saúde no contexto dos imigrantes a partir da percepção de Agentes Comunitários de Saúde da região Sul do Brasil. Desenvolvimento: participaram do estudo 210 ACS de sete municípios localizados nos estados de Santa Catarina e do Paraná. Foi utilizado um questionário estruturado, contendo perguntas abertas e fechadas sobre as possíveis situações de vulnerabilidades em saúde dos imigrantes de seu território, bem como a uma adaptação da versão de 2020 do instrumento Primary Care Assessment Tool (PCATool) Brasil. Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), utilizando-se de estatísticas descritivas. Resultados: os ACS declararam que os imigrantes que residem em seus territórios de saúde, possuem condições de moradias precárias e insalubres (55,7%), renda precária (52,3%) e desemprego (38,6%), demonstrando condições de vulnerabilidade em saúde situadas no eixo social. Com relação ao acesso dos imigrantes aos serviços de saúde da APS, embora a maioria (96,6%) tenham informado cumprir com seu papel profissional de atuar no território, realizando visitas domiciliares aos imigrantes com frequência mensal, observou-se que o mesmo não ocorre com os demais membros da equipe multiprofissional da APS. Para 53,3% dos ACS, os demais profissionais da APS somente realizam visitas domiciliares aos imigrantes mediante a existência de condição de incapacidade física por parte desta população para se deslocar até a Unidade Básica de Saúde (UBS). Tal resultado indica um cuidado em saúde amparado no paradigma biomédico, já que a visita domiciliar perde a sua função de aproximação com o ambiente social, e, portanto, o foco da atuação da equipe da APS se restringe ao individual e biológico, em detrimento do contexto territorial e dos determinantes sociais de saúde. Destaca-se ainda, que em sua maioria, os ACS manifestaram a percepção de que o acesso dos imigrantes aos serviços de saúde da APS tem sido garantido com plenitude, uma vez que, entendem que os imigrantes são sempre atendidos pelos serviços de saúde quando os procuram e ainda, manifestam feedbacks positivos acerca de tais atendimentos (59,9%). Outro dado que corrobora isso, é que 46,7% dos ACS mencionaram que os imigrantes costumam apresentar discursos que enaltecem a qualidade do SUS em comparação aos sistemas de saúde de seus países de origem (46,7%). Contudo, os ACS apontaram barreiras que limitam a garantia do atendimento em saúde integral e equânime a esta população. Dentre estas barreiras, a que mais se destacou foi o idioma divergente entre os imigrantes e os profissionais da saúde (81,0%), o qual é responsável pelos ruídos e as dificuldades na comunicação entre eles. O idioma carrega consigo signos e símbolos que representam a cultura de cada povo e lugar, assim, a barreira do idioma também se torna uma barreira cultural. Desta forma, os profissionais da saúde não conseguem compreender as necessidades de saúde dos imigrantes, bem como, os imigrantes não conseguem compreender as condutas e orientações dos profissionais da saúde destinadas a eles, interferindo na qualidade do cuidado. Acredita-se que essas barreiras são acentuadas pela ausência de formações direcionadas aos profissionais da saúde, que os sensibilizem para um cuidado em saúde culturalmente e linguisticamente adaptado para a realidade dos imigrantes. Os dados obtidos a partir do instrumento PCATool Brasil reforçam essas barreiras, uma vez que a maioria dos ACS (72,9%) apontou uma média de escore essencial da APS considerada baixa, por ter obtido pontuação igual ou inferior a 6,6. Da mesma forma, a média de escore geral da APS foi considera baixa por 74,8% dos ACS. As médias de escore tanto essencial como geral insatisfatórias, demonstram que tais serviços apresentam baixa orientação para os princípios da APS, tornando-se incapazes de promover atenção à saúde de maneira integral a comunidade imigrante, do ponto de vista biopsicossocial. Além disso, na avaliação individual de cada atributo da APS, o acesso de primeiro contato foi o atributo avaliado pelo instrumento que mais registrou médias baixas (3,8), indicando que a APS não está atuando como porta de entrada principal do sistema de saúde para esta população. De todos os atributos avaliados, o único a receber média de escore satisfatório foi a integralidade serviços disponíveis (7,7). No entanto, ao analisar a média de escore da integralidade serviços prestados, novamente a média foi insatisfatória (5,7). Com isso, verifica-se que apesar da APS dispor de serviços das mais diversas ordens, apresenta limitações para executá-los na prática com os imigrantes. Assim, baseado nas limitações da APS para garantir o atendimento aos imigrantes, é possível refletir que o acesso não se relaciona exclusivamente ao recebimento ou não de atendimento, mas também no quanto este atendimento consegue ser resolutivo e adequado as necessidades das pessoas. Considerações finais: considera-se a partir destes resultados a identificação de diversas vulnerabilidades em saúde no contexto dos imigrantes. Destacam-se as vulnerabilidades situadas no eixo social, que revelam condições de moradia e renda precárias e desemprego, bem como as vulnerabilidades em saúde do eixo programático, que se configuram pelo acesso limitado aos serviços de saúde, especialmente decorrentes das barreiras linguísticas e culturais que dificultam a comunicação e o cuidado. O acesso aos serviços de saúde da APS pelos imigrantes também se torna limitado, devido a uma orientação frágil dos serviços em relação aos princípios da APS, comprometendo o cuidado em saúde de maneira integral e biopsicossocial. Tais resultados demonstram a necessidade de melhorar o acolhimento e a integração dos imigrantes na região, investindo na criação e na qualificação de políticas públicas de saúde para esta população de maneira específica. Reitera-se ainda, a necessidade de desenvolvimento de novas pesquisas que analisem as vulnerabilidades em saúde dos imigrantes, a partir de sua própria perspectiva.