Apresentação: A mulher está constantemente enfrentando desafios em relação à violência, no sentido de reconhecer suas diversas formas: psicológica, física,sexual, moral e patrimonial. A noção de violação contra a mulher vem ganhando forte repercussão nas políticas públicas devido ao seu nível preocupante do grau de agressões, levando em consideração que esse fenômeno social afeta as várias esferas que envolvem o contexto dessas mulheres e que acabam provocando conflitos internos. Partindo dessas questões, foi decidido investigar o aspecto incongruente desta situação, que diz respeito à manutenção desses relacionamentos por parte das mulheres que sofrem a violência. Principiamos nosso estudo, portanto, no seguinte problema: o que leva as mulheres a permanecerem nas relações em que são vítimas de violência psicológica por parte do parceiro? Não se trata, pois, nem de responsabilizá-las, nem tampouco de vitimizá-las por um discurso politizado, mas de investigar o fenômeno com a "dureza" de uma perspectiva psicanalítica. Portanto, esse estudo tem como objetivo investigar, considerar e identificar o que leva à permanência das mulheres nas relações nas quais são violentadas psicologicamente por seus parceiros.Desenvolvimento do trabalho: A pesquisa foi realizada com mulheres submetidas à violência psicológica por seus parceiros, ambas encaminhadas ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher na cidade de Fortaleza/CE. Houve inclusão, no estudo, de mulheres com baixas condições socioeconômicas e baixo grau de escolaridade, pois os dados do Juizado mostram que das mulheres que procuraram o órgão, 100% têm ensino fundamental incompleto. Em relação à renda, 32% têm rendas de 1 a 3 salários mínimos. Foram incluídas também mulheres, entre 18 e 60 anos, que vivenciam episódios de violência psicológica e que permanecem na relação com o parceiro, que residem junto a ele ou que têm com ele uma situação de união na cidade de Fortaleza. Foram excluídas as que não estavam dentro dos critérios de inclusão. A coleta foi realizada no período de Fevereiro de 2017 a Março de 2017, por meio de entrevistas semi-estruturadas, com enfoque na história de vida da mulher e com sustentação teórica psicanalítica. O roteiro das entrevistas contou com perguntas voltadas para a história de vida pautando-se na relação familiar, no contexto social, nos relacionamentos afetivos, no histórico de violência sofrida e na permanência na relação. Foram realizadas em média oito visitas, divididas da seguinte forma: busca ativa das mulheres e quatro encontros com as duas eleitas para compor o estudo. O intuito foi obter o máximo de dados para compor as discussões. A abordagem foi realizada no próprio Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em Fortaleza/CE, ao qual as mulheres são encaminhadas constantemente e participam de grupos reflexivos com a equipe multidisciplinar (Psicóloga e Assistente Social). O maior interesse no local da pesquisa é que há um enorme número de mulheres encaminhadas ao órgão, que têm como intuito retirar a denúncia feita, anteriormente, contra o parceiro. Inicialmente, houve um levantamento dos prontuários das usuárias. Em seguida, fizemos o acompanhamento dos atendimentos junto à equipe de referência, para conseguirmos realizar a primeira abordagem dessas mulheres a fim de selecioná-las de acordo com os critérios de inclusão. As entrevistas foram transcritas na íntegra e literalmente para posterior análise de dados. Aqui será apresentado o estudo de caso entitulado Luiza (nome fictício), que foi uma das mulheres que participou da entrevista. A análise do estudo se deu a partir de um diálogo entre a psicanálise e o campo social para discutir aspectos relevantes. Esse estudo também segue as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e foi submetido para apreciação do Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza no mês de maio do corrente ano. Cada participante assinou devidamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.Resultados: O estudo de caso apontou que Luiza, 42 anos, apesar de ter denunciado o ex-companheiro em 2016 e ter medidas protetivas, atribuiu a responsabilidade ao álcool, retirando a responsabilidade do ex-cônjuge. Sobre a história de vida de Luiza, lembra-se que foi criada pela mãe e avô, sendo abandonada pelo pai na segunda infância. Aponta-se que este avô fazia uso indiscriminado do álcool, o que gerava sempre tensões nas relações familiares. Outro ponto importante são os seus vários relacionamentos, da adolescência à vida adulta; porém, a legalização do relacionamento só ocorreu com Hélio (nome fictício), parceiro. O último fato se refere às perdas financeiras e sociais. Contudo, Luiza não consegue sair da relação. O tecido social de Luiza é atravessado por questões de vulnerabilidade desde a infância, o que gera um sintoma social que é a violência de gênero. Sobre tal questão, a psicanálise aponta sobre a posição de objeto ocupada pela mulher, tem lugar na fantasia do homem, e ela luta para não se tornar objeto de gozo do outro. A noção de objeto perdido está no centro da questão do gozo. Este é apreendido na dimensão da perda, ou seja, é porque há uma perda que há um gozo a repetir, uma diferença a recuperar, que é o mais-de-gozar, como sugerido por Lacan. A necessidade de resgatar o passado, resignificando o papel deste algoz é bastante clara na fala de Luiza, tanto que atribui atitudes positivas antes do álcool, como o fato de Hélio entregar todo o salário para as despesas de casa. Os efeitos da relação são extremamente devastadores em Luiza; ela perde várias coisas por conta do parceiro e mesmo assim aposta em sua mudança. A fantasia de recuperar a parceria, que outrora era tão prazerosa, é o que a mantém ainda insistente em apostar na mudança de posicionamento do parceiro, mesmo que ela continue perdendo clientes, vida social, familiar e a si própria. Esse pressuposto nos remete que existe a busca do sujeito por uma relação de completude, em que haja proporcionalidade entre os pares, um encaixe ideal. É isso o que mobiliza, em especial aqui, as mulheres, podendo levá-las a uma condição de submissão ao outro, na busca de ter o que não se tem. O desejo do outro é tão singular quanto o próprio, por isso, não há completude, e a ideia de suplementação entra como uma via de possibilidade de construção de uma suposta felicidade entre os parceiros. No caso de Luiza como em tantos outros sobre violência de gênero, produzem uma cultura da violência que atravessa e normatiza comportamentos que transgridem a mulher e que legitimam o uso da força para resolução de conflitos.Considerações finais: No caso de Luiza, observa-se que ela constantemente se coloca no papel de objeto de satisfação do outro em seu relacionamento, mesmo assumindo uma posição de desvalorização. Sua luta constante reside na busca pelo reconhecimento do seu valor por parte desse outro. Por fim, esta pesquisa enfatiza a importância de um trabalho conjunto com os equipamentos sócio-jurídicos e de saúde, visando construir estruturas de fortalecimento para enfrentar a violência, ao mesmo tempo em que se busca resignificar a condição de violência na qual a mulher está inserida.