Apresentação
O Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído por importantes princípios doutrinários, que incluem a universalidade do acesso, a equidade da atenção à saúde e a integralidade. Assim, o modo como ocorre o acesso da população aos serviços de saúde e como os usuários são recepcionados compreendem pontos importantes para implementação desses princípios e necessitam de constante aprimoramento para garantir uma eficaz atuação e organização da assistência em saúde.
Nesse contexto, visando proporcionar mudanças e inovações na organização dos serviços, nas ações de produção de saúde voltadas para a população e nas práticas gerenciais, institui-se pelo Ministério da Saúde, em 2003, a Política Nacional de Humanização (PNH). Conforme destacado no documento da referida política, a mesma apresenta-se enquanto proposta para requalificar a atenção à saúde em seus diferentes níveis, operando por meio do princípio da transversalidade, de modo a destacar a humanização do cuidado enquanto elemento constitutivo e norteador de todas as práticas assistenciais e gerenciais dos serviços de saúde no SUS.
No contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), a PNH fundamenta algumas ações específicas que enfatizam aspectos como o incentivo as práticas de promoção da saúde, o trabalho em equipe e a garantia de acesso e resolubilidade. Somado a isso, ressalta-se o acolhimento enquanto proposta essencial e uma das diretrizes da referida política, visando o aprimoramento das ações de saúde no contexto da APS e dos demais níveis de atenção.
Vale ainda destacar que o acolhimento apresenta-se como estratégia de humanização da assistência, ferramenta de construção de vínculo, qualificação da escuta, e garantia do acesso e resolutividade nos serviços. No entanto, identifica-se que, apesar dos notórios benefícios para a realidade de usuários, profissionais de saúde e gestores, a PNH e suas ferramentas ainda não são implementadas de forma adequada e efetiva nos serviços de saúde.
Desse modo, ressalta-se não somente a necessidade de ampliação do conhecimento sobre o tema, como também sua abordagem no cotidiano dos serviços de saúde e nos currículos dos programas de pós-graduação e graduação, de modo que esta possa contribuir para a compreensão e superação dos desafios relacionados a implementação da humanização do cuidado em diferentes realidades. Diante do exposto, é possível compreender a relevância da temática para a Saúde Coletiva e para garantia do direito à saúde, visto que pode também contribuir para o aprimoramento das políticas de saúde a das ações implementadas no SUS.
Assim, o estudo apresenta como objetivo relatar a experiência de aprendizados proporcionados por meio da abordagem sobre o acesso e acolhimento na APS conforme a perspectiva da humanização do cuidado no SUS, com base nos debates realizados ao longo de uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Desenvolvimento
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, elaborado com base nas leituras e discussões realizadas no decorrer das aulas da disciplina “Políticas e modelos de Gestão da Atenção Primária à Saúde”, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade Estadual do Ceará. O estudo foi desenvolvido no período de agosto a novembro de 2023.
As aulas da disciplina apresentavam como parte dos seus objetivos abordar sobre aspectos históricos e conceituais da APS, bem como proporcionar uma análise crítica sobre a implementação e atuação da Política de Atenção Básica à Saúde e suas implicações na gestão, financiamento e organização do processo de trabalho das equipes. Dessa forma, um dos temas abordados na disciplina correspondeu ao acesso e acolhimento na APS sob a perspectiva da PNH.
O debate sobre o tema ocorreu por meio de apresentações dialogadas, que originavam discussões e debates importantes para o aprofundamento teórico sobre as temáticas. Essa abordagem proporcionou a participação de toda a turma, incluindo docentes e discentes internos e externos ao programa. Além disso, a abordagem sobre os aspectos teóricos e conceituais relacionados ao acesso e acolhimento na APS, também possibilitaram o compartilhamento de experiências da turma enquanto profissionais e usuários dos serviços de saúde, de modo a compreender a aplicabilidade prática do tema na realidade do SUS, ressaltar as potencialidades identificadas e abordar sobre os desafios necessários para superar possíveis fragilidades.
Nesse contexto, o tópico a seguir destacará as principais reflexões e conhecimentos adquiridos por meio dos diálogos realizados nas aulas, com intuito de ressaltar a relevância de debates sobre o acesso e acolhimento na perspectiva da PNH em diferentes contextos da assistência e da formação em saúde.
Resultados
No decorrer das aulas foi possível discutir sobre diferentes aspectos teóricos, conceituais e práticos associados ao acolhimento na APS, de modo que na abordagem inicial da temática destacou-se sobre os marcos históricos referentes ao SUS e a APS, com ênfase na instituição da PNH e nos princípios que regem essa política. Em seguida, abordou-se sobre o conceito de acolhimento, bem como sobre suas características e implicações no acesso, na reorientação dos processos de trabalho e na qualidade dos serviços de saúde.
As discussões possibilitaram o compartilhamento de experiências no que se refere a aplicabilidade do acolhimento vivenciada por profissionais e usuários do SUS, de forma que também foi destacado sobre os contantes desafios para a implementação do acolhimento na prática profissional com base nos princípios e características da PNH.
Entre os principais desafios apontados, salientou-se fatores como a sobrecarga das equipes, o prolongado tempo de espera até o primeiro atendimento do usuário, e o despreparo ou baixa capacitação dos profissionais sobre a temática, que levam a um entendimento equivocado do significado de acolhimento, sendo este muitas vezes concebido pelos profissionais enquanto apenas a distribuição de senhas e classificação de risco para encaminhamento às consultas e especialidades. Assim, vale ressaltar a necessidade da compreensão do acolhimento que ultrapassa o modo de receber, e que apresenta-se como forma de garantir o uso oportuno dos serviços, o atendimento universal dos usuários, a busca da resolução dos problemas apresentados e a qualificação da relação entre profissionais e usuários.
Foi também identificada como fragilidade a resistência dos usuários, que ainda apresentam uma visão tecnicista da saúde, que exigem muitas vezes apenas o atendimento médico e a prescrição medicamentosa, em detrimento de outras formas de abordagem e atendimento. Somado a isso, a implementação do acolhimento também foi destacada como complexa à medida que aborda sobre situações de sofrimento e relações entre diferentes sujeitos, interesses e saberes. Diante disso, é essencial a abordagem sobre o tema pelas equipes de profissionais de saúde, gestores e usuários, por meio de rodas de conversas e capacitações, com intuito de ressignificar os processos de trabalho e potencializar habilidades resolutivas dos envolvidos no processo e na assistência à saúde.
Considerações finais
O debate sobre o acolhimento na APS com ênfase na humanização do cuidado possibilitou a compreensão teórica e prática sobre os benefícios de sua aplicabilidade nos serviços de saúde, na garantia dos princípios e diretrizes do SUS, bem como tornou possível a visualização dos desafios para sua implementação em diferentes contextos da assistência e gestão em saúde, de modo a levantar reflexões sobre possíveis estratégias de enfrentamento.
Assim, identifica-se o ambiente acadêmico não apenas como importante espaço para produção do conhecimento, mas como meio de divulgação e estabelecimento de mudança da realidade atual. Evidencia-se, portanto, a importância de abordar sobre a temática nos currículos de graduação e pós-graduação enquanto estratégia importante de aprimoramento e fortalecimento do SUS.