Excesso de mortalidade por COVID-19: necropolítica como indicação da análise descritiva do Amazonas

  • Author
  • William Pereira Santos
  • Co-authors
  • Tânia Aparecida de Araújo , Alcindo Antônio Ferla
  • Abstract
  • Introdução: O excesso de mortalidade indica o crescimento do número de mortes sobre o esperado em determinado período e lugar. Durante a pandemia, o excesso de mortalidade esteve associado à COVID-19 por ser a única grande diferença entre os anos da presença aguda dessa doença e os anos anteriores. A análise da mortalidade por COVID-19 com a aplicação do cálculo de excesso de óbitos é um indicador útil para avaliar as consequências da pandemia na saúde, no crescimento da mortalidade da população e na estrutura da mortalidade, bem como se torna uma ferramenta útil para medir a evolução da doença e, também, para observar a atuação do sistema de saúde durante o período de crise. Objetivos: Levantar e analisar total e o excesso de mortalidade no Brasil, Amazonas e em doze municípios e suas respectivas regiões de saúde amazonenses no alcance do projeto “Prevenção e controle da COVID-19: a transformação das práticas sociais da população em territórios de abrangência da Atenção Básica em Saúde no Estado do Amazonas” (Fiocruz-Amazonas), aprovado pelo CEP (CAAE nº 51941321.4.0000.5020 e Parecer nº 5.137.547). Metodologia: Estudo epidemiológico, quantitativo, de natureza descritiva sobre a mortalidade nos territórios supramencionados. Foram utilizados dados secundários sobre as principais causas de mortalidade no Brasil, na região Norte, estados da região Norte brasileira, doze municípios do estado do Amazonas e das nove regiões de saúde do estado às quais pertencem os municípios selecionados, no período de 2010 a 2021 (último ano com dados disponíveis). As causas e o total de mortes associadas a cada causa foram extraídos do sistema de informações do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS)/Tabnet/MS. Os dados relacionados à COVID-19 foram extraídos do Painel Coronavírus - Covid-19 (Brasil). Os dados relacionados à população foram obtidos do IBGE Cidades e Estados (Censo 2022). O levantamento desta pesquisa foi realizado entre 10 e 15 de dezembro de 2024. O excesso de mortalidade foi calculado pela diferença entre o total de óbitos observados (2020 e 2021) e a média dos óbitos observados levando-se em conta o período de 2015 a 2019. Esse resultado foi dividido pela média dos óbitos observados (período de 2015 a 2019) e, posteriormente, o resultado foi multiplicado por 100. O resultado é o excesso de mortalidade (para 2020 e 2021, no caso desta pesquisa). A média utilizada na fórmula é referente aos últimos anos antes da pandemia e considera todas as causas de mortalidade no período. Este resumo é parte de uma análise maior que consta na Dissertação do primeiro autor, aprovada em 2024. Desenvolvimento: Em 2020, o número absoluto de mortes no Brasil foi de 275.587, correspondendo a um crescimento relativo de 22%. Essa taxa foi maior na região Sudeste (38%), seguido por 32% no Nordeste, 12% no Norte, 10% no Centro-Oeste e 9% no Sul. A COVID-19 foi responsável pelo elevado aumento de adoecimentos e mortes em todos os lugares. De acordo com o “Painel Conass Covid-19” (CONASS), no Brasil, em 2020, foram confirmados 7.716.405 casos e 195.725 óbitos por COVID-19, em 2021 houve um salto para 14.573.707 casos e 423.349 óbitos. Em 2022 percebeu-se uma aproximação ao ano anterior com relação ao número de casos, sendo registrados 14.041.169, mas com redução de óbitos para 74.779. Em 2023 houve redução em ambos os levantamentos, sendo 1.775.352 casos e 14.168 óbitos. No Amazonas, os registros de excesso de mortalidade apontam para o aumento considerável de óbitos no estado. Em 2020, o excesso de mortalidade foi de 43%, passando para 65% em 2021, superando a região Norte, que registrou 32,6% em 2020 e 47,6% em 2021. Das nove regiões de saúde observadas, em sete delas foi constatado o aumento do excesso de mortalidade de 2020 para 2021, sendo Baixo Amazonas, Médio Amazonas, Regional Juruá, Rio Madeira, Rio Negro e Solimões, Triângulo, e Manaus, Entorno e Alto Rio Solimões. Alto Solimões e Regional Purus registraram menos óbitos em comparação ao esperado, passando de 52,4% (2020) para 50% (2021) e 29,6% (2020) para 29% (2021), respectivamente. Os municípios com menor excesso de mortalidade no Amazonas foram Carauari (16,4% em 2020 e 26% em 2021) e São Gabriel da Cachoeira (29,1% em 2020 e 26% em 2021). A menor mortalidade por COVID-19, comparada aos demais municípios, pode ser explicada pela distância entre esses municípios e os municípios da região metropolitana, onde há maior contingente populacional, facilitando a transmissão do novo coronavírus, bem como pela redução de mobilidade populacional entre os municípios devido à redução dos meios de transporte. Além disso, pode sugerir adesão das comunidades e serviços de saúde às recomendações sanitárias; utilização dos recursos próprios para enfrentamento à COVID-19, ainda que mais modestos; e oposição às medidas sem fundamento científico contra a doença. Dos doze municípios observados, foi identificado aumento do excesso de mortalidade de 2020 para 2021 em oito deles, sendo Parintins, Itacoatiara, Carauari, Manicoré, Manacapuru, Iranduba, Manaus e Presidente Figueiredo. Apesar do expressivo registro de óbitos, de 2020 para 2021, Tabatinga registrou redução de 14,4%, Tefé 7,3% e São Gabriel da Cachoeira 2,7% na taxa de excesso de mortalidade. Em Boca do Acre foi observada diminuição mais expressiva, de 25,1%, comparando a diferença entre os dois anos analisados. A maior expressão de excesso de mortalidade nos municípios pode ser justificada pela redução da capacidade dos sistemas de saúde responderem efetivamente à crise, devido ao histórico de subfinanciamento do SUS com consequente redução de recursos técnicos e profissionais, agravado durante a pandemia. Há destaque para a ação nefasta do governo federal, durante a COVID-19, com a tentativa de enfraquecer as recomendações das organizações sanitárias para controle da pandemia, bem como o próprio sistema de saúde. Com relação a atuação do sistema de saúde, o excesso de mortalidade também permite discutir sobre as particularidades territoriais e, assim, observar se as medidas de proteção, como isolamento, higiene pessoal e etiqueta respiratória, e condições de implantação do plano nacional de imunização (PNI) específico contra a COVID-19 foram incentivadas e, também, compatíveis às necessidades da região e das pessoas ou se (re)produziu iniquidades e preconceitos, gerando, consequentemente, adoecimentos e mortes. Conclusão: O excesso de mortalidade inclui as mortes associadas diretamente à COVID-19, ou seja, a doença, ou indiretamente, considerando o impacto da pandemia sobre o tratamento de doenças crônicas e sobre os próprios sistemas de saúde e na sociedade. A taxa de incremento dos óbitos, considerando a pandemia como condição explicativa de maior consistência, e a mudança na estrutura da mortalidade, com o crescimento expressivo de mortes por doenças infecciosas e parasitárias, demonstra a consistência da hipótese da COVID-19 como causa das mortes. Com relação à pandemia, a população esteve exposta não apenas aos efeitos diretos do novo coronavírus, ou seja, o adoecimento do corpo, mas, também, aos efeitos da negação da gravidade da doença e dos interesses próprios de políticos negligentes, que não interferiram de forma eficaz na redução da transmissão e, assim, também foram responsáveis pelo colapso do sistema sanitário. O panorama analisado descreve uma condição necropolítica na ação do estado brasileiro e a negligência com a vida de pessoas e grupos sociais. Esse efeito pode ser percebido na mortalidade observada neste estudo que colocou o Brasil como destaque negativo no enfrentamento à pandemia.

  • Keywords
  • Amazonas; COVID-19; Excesso de mortalidade
  • Subject Area
  • EIXO 3 – Gestão
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