Apresentação e Justificativa
Cuidado Paliativo é uma abordagem com enfoque nas particularidades do indivíduo, visando qualidade de vida e bem-estar de pacientes e seus familiares, que se defrontam com doenças ameaçadoras de vida, por meio da prevenção e da promoção do alívio ao sofrimento. Um dos principais sofrimentos que os Cuidados Paliativos precisam lidar é a dor, que atualmente tem seu conceito descrito pela Associação Internacional para Estudos da Dor como uma experiência subjetiva desagradável associada a uma lesão tecidual que pode ser real ou potencial. Ampliando esse entendimento, Cicely Saunders, considerada uma das pioneiras dos Cuidados Paliativos como são atualmente reconhecidos, retrata a dor em sua multifatorialidade, trazendo um conceito amplo para descrevê-la, considerando que os aspectos inerentes à dor abrangem muito mais que a dimensão física, podendo também ter origem social, psicológica ou espiritual. Logo, reforça a importância da escuta e compreensão da experiência do sofrimento a partir da subjetividade de cada paciente. A partir disso são implementadas ações singulares e individualizadas, em que o plano de cuidados seja voltado às necessidades e valores pessoais de cada paciente. A efetivação deste estudo em consonância com os objetivos definidos possibilita descrever como trabalhou-se de forma singular não somente o sintoma, mas também sua subjetividade. As condutas da equipe foram embasadas cientificamente e trouxeram resultados positivos, por esse motivo é importante o seu compartilhamento a fim de corroborar e embasar condutas de outros.
Este trabalho teve como objetivo relatar a experiência do acompanhamento de um caso durante internação hospitalar, a fim de descrever as condutas da equipe interdisciplinar.
Desenvolvimento do trabalho
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, do tipo relato de experiência em um hospital público estadual no interior do Espírito Santo. A amostra consistiu em uma paciente adulta com diagnóstico de câncer na região cervical, que foi internada após tratamento trimodal (quimioterapia, radioterapia e procedimento cirúrgico) em outra unidade hospitalar, tendo sido encaminhada para este hospital em questão para medidas de conforto, pois encontrava-se fora de possibilidade de terapias modificadoras de doença. Com isso, as condutas relatadas no presente estudo consistem nas estratégias para atenuação de sintomas, tendo como foco prioritário o manejo da dor não controlada. Descreve, portanto, as condutas realizadas pela médica assistente e pela equipe de Residência Multiprofissional em Cuidados Paliativos para o controle do sintoma.
Resultados
Durante a internação da paciente, foram realizadas avaliações com escalas de dor visual e analógica. Essa última consiste na realização de perguntas para a paciente sobre a dor que ela está sentindo e representá-la de forma numérica, sendo 0 sem dor e 10 dor intensa. A aplicação dessa escala foi possível pois a paciente em questão, ao chegar ao hospital, apresentava-se lúcida, orientada e comunicativa. A paciente sempre relatava dor intensa próximo às duas feridas oncológicas, na região cervical anterior. Foi realizado acompanhamento psicológico, utilizando principalmente estratégias de comunicação não verbal (leitura labial, gesticulação, prancha de comunicação alternativa), uma vez que ela estava traqueostomizada. Durante os atendimentos psicológicos à beira leito também foram realizadas frequentes avaliações a fim de identificar se haviam outros aspectos da dor total, articulando com a equipe interdisciplinar as formas de cuidado mais adequadas para as necessidades deste caso específico. Posteriormente constatou-se que o sofrimento principal estava relacionado à dor física, que desencadeava angústias de ordem secundária, como humor deprimido devido à dificuldade para dormir, comunicar-se e, até mesmo, para encontrar sentido de vida naquele contexto de dor intensa. Sendo assim, iniciou-se a administração de morfina por via subcutânea, o que mostrou-se insuficiente para controlar a dor, principalmente durante a realização dos curativos nas lesões oncológicas, que além da dor, apresentavam sangramento na retirada do curativo e odor fétido. A paciente demonstrava incômodo e constrangimento, além da dor física, ao deparar-se com o odor fétido que era exalado de forma contínua do curativo. Visando o melhor manejo na lesão, alterou-se a conduta da Enfermagem na realização dos curativos, acrescentou-se soro fisiológico gelado, irrigando de forma abundante na retirada das gazes, para aliviar a dor e minimizar o sangramento, além de utilização de lidocaína em gel diretamente na região e a aplicação de cobertura não aderente, o que trouxe melhores resultados depois do treinamento da equipe Enfermagem para realização das condutas, pois a mesma apresentava dificuldades em seguir. Com o avançar da doença, foi necessário intensificar as estratégias para controle da dor, pois as condutas mostraram-se insuficientes. Como a paciente era lúcida e orientada, sua autonomia foi preservada a todo o momento, respeitando-se quando a paciente não gostaria de realizar determinados curativos ou procedimentos. É relevante apontar que ao longo da internação os procedimentos eram informados à própria paciente e a um familiar de referência, que não conseguia permanecer no hospital como acompanhante, mas a visitava com frequência e ressalta-se também que, além da visita de familiares, promoveu-se momentos de humanização, como por exemplo, saída do leito para a área externa do hospital, com o objetivo de viabilizar banho de sol junto com estímulos musicais de acordo com o estilo musical de preferência da paciente. Apesar de todas essas tentativas de controle não farmacológico da dor, posteriormente a morfina precisou ser escalonada e foram acrescentadas doses de resgate, mas também não teve o efeito esperado de controle da dor. Portanto, articulou-se com a equipe de anestesiologistas do hospital, no qual os mesmos sugeriram a realização do procedimento de bloqueio de plexo cervical, com o objetivo de proporcionar cerca de 48 horas sem dor. O procedimento foi realizado com sucesso no centro cirúrgico, porém o efeito funcionou por apenas metade desse tempo. Por fim, a estratégia adotada foi o uso de morfina administrada em bomba de infusão contínua, o que rebaixou o nível de consciência da paciente e a deixou sonolenta, porém atingiu o objetivo de controlar a dor até vir a óbito.
Dessa forma, conclui-se que não só o manejo dos sintomas teve um desfecho favorável, como todo o percurso dos cuidados ofertados desencadeou na promoção de uma morte digna.
Considerações Finais
Os Cuidados Paliativos proporcionaram as medidas de conforto que a paciente necessitava naquele momento, aumentando, assim, sua qualidade de vida até o fim dela. A abordagem multiprofissional foi essencial para que fosse possível englobar os diferentes aspectos relacionados à dor total, que causavam intenso sofrimento em seu cuidado.