APRESENTAÇÃO: Relato de experiência sobre a qualificação de trabalhadores da Atenção Primária em Sergipe, orientado por projeto pedagógico pautado no conceito de Educação Permanente em Saúde e na utilização de Metodologias Ativas de aprendizagem. O objetivo do trabalho consiste no movimento de reafirmação da Educação Permanente em Saúde não somente como estratégia de formação para os trabalhadores do SUS, mas também como potencial instrumento de reflexão, mobilização e transformação social, através da possibilidade de (re)construção de significados e sentidos relativos à saúde do trabalhador.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O presente trabalho relata a experiência de operacionalização de cooperação técnica celebrada entre Fundação Estadual de Saúde (FUNESA) e Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado de Sergipe. Essa cooperação tem como objeto a realização de capacitação direcionada às equipes de Saúde da Atenção Primária (urbana e rural), especialmente aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e aos Agentes de Combate às Endemias (ACE), de municípios sergipanos indicados pelo MPT, a saber: Canindé de São Francisco, Lagarto e Poço Redondo. A temática da capacitação foi Vigilância da Saúde do Trabalhador e sua gestão esteve sob responsabilidade da equipe técnica de Coordenação de Educação Profissional da Escola de Saúde Pública do Estado de Sergipe (ESP/SE), mantida e administrada pela FUNESA. Foram, portanto, contemplados 192 profissionais em Canindé de São Francisco, Poço Redondo e Lagarto. Esta ação educacional transcorreu entre os meses de julho e dezembro de 2023 e teve carga horária de 60 (sessenta) horas, distribuídas em 40 (quarenta) horas de concentração e 20 (vinte) horas de dispersão. Do ponto de vista logístico, o processo evidenciou o grande desafio de co-responsabilizar os gestores municipais sobre a importância e relevância de apoiar os processos de formação e capacitação de seus quadros técnicos na área de saúde. Nesse sentido, foram identificadas dificuldades relacionadas à disponibilização de espaço físico adequado para o desenvolvimento da metodologia, fornecimento de transporte e alimentação para o curso, as quais puderam ser progressivamente sanadas pelas instituições proponentes em parceria: MPT e FUNESA. Do ponto de vista jurídico, da formalização e cumprimento de um termo de cooperação técnica firmado intersetorialmente (judiciário e saúde pública), o curso transcorreu sem intercorrências, destacando-se, de fato, como uma ação capaz de promover uma atuação mais efetiva na prevenção de acidentes e agravos laborais, inserindo a segurança do trabalho como medida necessária e essencial à política pública de saúde brasileira. No entanto, é o aspecto pedagógico desta ação de cooperação que o presente trabalho visa partilhar e destacar, pelo cumprimento inequívoco de premissas contidas na Política de Educação Permanente e pelo investimento nas metodologias ativas de aprendizagem, as quais comumente ainda são alvo de questionamento, descrença e contestação por docentes, discentes e gestores. A plasticidade do roteiro metodológico aplicado na referida capacitação, somada ao estímulo de reflexão e problematização das atividades laborais cotidianas, permitiu aos participantes, que são “discentes trabalhadores”, uma necessária análise da realidade nos territórios. Nesse sentido, destacam-se as atividades de dispersão, realizadas entre os encontros presenciais, as quais possibilitaram aos agentes, no cotidiano do seu trabalho, observar, coletar informações e analisar situações com base nas temáticas discutidas em sala de aula. E esta conexão entre teoria e prática, valorizando os saberes e experiências individuais para o exercício de construção coletiva de novos conhecimentos, além da produção de sentidos e significados, foi reconhecida e validada pelos participantes como valorosa, considerando declarações dos mesmos ao longo do processo, que sinalizam uma postura crítica ao modelo de pedagogia tradicional, baseada na transmissão de conteúdos.
RESULTADOS: Foram reconhecidos e nominados pelos próprios participantes, em consonância com a percepção da equipe que coordenou a capacitação, ambos registrados em relatórios de gestão, alguns resultados imediatamente identificados pelos discentes no que concerne aos seus próprios processos de aprendizagem, quais sejam: motivação, autonomia e protagonismo na reflexão, debate e análise sobre a prática laboral, a promoção e a vigilância da saúde do trabalhador. A junção entre duas categorias profissionais distintas (ACS e ACE) no curso ora se apresentou como elemento facilitador e oras como dificultador no alcance dos objetivos propostos, considerando a indicação desses próprios atores sobre as discrepâncias entre suas funções; entretanto, ainda assim foi assegurada aos trabalhadores a experiência de problematização sobre sua inserção nas equipes de saúde da família (ESF) e seu lugar na sociedade. E eis aqui talvez o principal resultado vislumbrado nesta ação, compreendendo a potência da EPS para promover a transformção das práticas em saúde. Outros resultados relacionados ao levantamento de dados e caracterização dos territórios estudados quanto aos agravos e riscos inerentes às atividades laborais foram igualmente identificados, embora não sejam objeto do presente trabalho. Nesse sentido, destacam-se problemas de ergonomia, intoxicação, acidentes, abuso psicológico e assédio moral, violência, fornecimento e reposição insuficiente de equipamentos de proteção individual (EPI’s), ocupação e renda, trabalho infantil, dentre outros relacionados não somente à atuação dos agentes (ACS e ACE), mas também dos trabalhadores da agricultura, pecuária, comércio e indústria, dentre outras atividades desenvolvidas nos territórios onde os agentes atuam. Tais achados poderão instrumentalizar estudos e pesquisas futuras sobre o assunto, contribuindo, assim, para fortalecer o trabalho incessante das políticas públicas como um todo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Quando se pretende estudar e enfrentar questões relacionadas à saúde do trabalhador, seja da área da saúde ou de outras áreas, é ingênuo supor que serão identificadas somente as condições de riscos e vulnerabilidades sociais e dos territórios, com as devidas orientações e prescrições técnicas. Isto porque, quando se concede espaço de reconhecimento e fala aos principais atores envolvidos - os trabalhadores - como preconizam as metodologias ativas, há que se contactar e acolher também os relatos de indivíduos singulares que, com a sua prática, constroem conhecimentos. Esta perspectiva inverte a compreensão da pedagogia tradicional, que pressupõe o conhecimento como principal fundamento da prática, consagrando e atualizando, na práxis, a Política de Educação Permanente em Saúde, cuja implementação continua sendo tarefa diária. Este trabalho representa, portanto, uma ínfima contribuição para uma grandiosa mudança de paradigma na Educação em Saúde, reconfigurando não somente os projetos pedagógicos da Educação Profissional, mas também da Graduação e Pós-Graduação. Diante dos inúmeros desafios do trabalho em saúde, permanece sendo uma iniciativa inovadora qualificar a formação para o Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de com isso contribuir para formar também uma nova sociedade.