O presente trabalho tem como objetivo evidenciar as divergências entre o campo teórico e a realidade prática das legislações que preveem benefício assistencial à pessoa no espectro autista e o acesso efetivo aos benefícios governamentais, com enfoque do papel do Terapeuta Ocupacional como principal contribuinte para o desenvolvimento neuromotor. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento, uma condição que o progresso neurológico ou intelectual são atípicos e presentes desde o nascimento ou na primeira infância. É frequentemente marcado por manifestações comportamentais, padrões repetitivos e estereotipados, dificuldade na comunicação e interação social, comprometimento cognitivo, podendo possuir uma série de interesses limitados e fixos. Desse modo, ainda que o diagnóstico seja comum em crianças, o conjunto de sinais persiste por toda a vida, uma vez que a deficiência não tem cura. No entanto, o TEA pode ser tratado com apoio de uma equipe multidisciplinar, diminuindo os impactos dos sintomas ao longo do crescimento. Assim, é inegável que a Terapia Ocupacional exerce uma contribuição substancial no tratamento desses pacientes, ainda mais com o caráter prolongado na abordagem terapêutica. Nesse sentido, é essencial compreender a interseção entre as demandas médicas das pessoas com autismo e as diretrizes estabelecidas pelo Estado para garantir apoio e suporte, tendo como base a Constituição Federal de 1988, a qual prevê a garantia de assistência social a quem dela necessitar, garantindo amparo às crianças e adolescentes carentes, proteção à família, à infância, assim como, habilitação e reabilitação das pessoas com deficiências, garantindo um salário mínimo de benefício mensal, desde que comprovada a insuficiência de prover à própria manutenção, conforme incisos do art. 203, da Carta Magna. Em que pese haja a previsão legal do amparo assistencial - especificamente o Benefício da Prestação Continuada (BPC) - oriundo das políticas públicas do Governo Federal, a concessão destes benefícios está diretamente ligada a situações de miserabilidade, uma vez que somente serão atendidos aqueles que comprovarem a hipossuficiência do âmbito familiar. Isto é, os requisitos a serem preenchidos são taxativos: pessoa com deficiência e/ou pessoa idosa e situação financeira, sem nenhuma flexibilidade desses conceitos. A taxatividade deste rol de requisitos para a concessão de benefício assistencial e a inflexibilidade legislativa acarreta diversos malefícios às pessoas com deficiências, como, por exemplo, àquelas que compõem o espectro autista. Isso se dá, pois, o amparo de profissionais especializados e capacitados é extremamente oneroso, não sendo compatível com a renda máxima definida como requisito na legislação, sequer com o valor mensal do benefício. Nesse sentido, comprovado o requisito de deficiência, a renda familiar do requerente do benefício assistencial não pode ultrapassar ¼ (um quarto) do salário-mínimo vigente, conforme §3º da Lei n.º 8.742/1993, a qual dispõe sobre a organização da Assistência Social. Atualmente, este percentual representa o valor de R$343,00 (trezentos e quarenta e três reais). Ou seja, é evidente que os benefícios assistenciais amparam somente aqueles em condições de extrema miserabilidade, não possuindo, efetivamente, o caráter universal que tem como pilar a assistência social brasileira. Isto é, a lei que dispõe e organiza a assistência social no Brasil define como objetivo a proteção social, amparo às crianças, à família, de modo universal e indiscriminado, é a mesma legislação que tem como requisito definido de renda ¼ do salário mínimo nacional. Essa taxatividade impede o acesso de inúmeras pessoas com transtorno do espectro autista a receber um benefício assistencial, uma vez que o ambiente familiar não pode sequer totalizar em um salário mínimo per capita. Contudo, a Lei n.º 12.764/2012, dispõe que a pessoa com transtorno do espectro autista tem direito à vida digna, acesso a ações e serviços de saúde, atendimento multiprofissional, assim como, acesso à educação, moradia, mercado de trabalho, previdência e assistência social, conforme art. 3º. Essa disposição legal é inquestionável quanto a sua necessidade e importância, mas é suscetível de questionamento quanto a sua aplicabilidade e eficiência, uma vez que o acesso a todos esses serviços é limitado a um percentual de renda familiar que impossibilita acesso a qualquer um desses serviços, pois se trata de extrema miserabilidade. Segundo Ciane Pistorello, em sua monografia, para concluir sua pesquisa quanto à miserabilidade nas concessões de benefícios de prestação continuada, o critério econômico deve servir como base para aferição da miserabilidade, não como critério absoluto, pois o que deve ser observado são as circunstâncias do contexto em que o postulante do benefício está inserido. A título de exemplo, ainda que não exista medicação para o tratamento do autismo, na prática clínica diferentes tipos de fármacos tem sido empregados em intervenções farmacoterapêuticas na tentativa de estabelecer controles dos sintomas que compõem o quadro do autismo. Assim, os medicamentos psicotrópicos mais prescritos pela psiquiatria incluem a Risperidona e Aripiprazol, ambos eficazes na redução de comportamento repetitivos, falta de interação social, linguagem inadequada e impulsividade. No entanto, por mais que seja benéfico para a qualidade de vida, os fármacos não são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os Estados e os valores médios encontram-se entre R$300,00 (trezentos reais) e R$500,00 (quinhentos reais), tornando-se um desafio adicional às famílias que necessitam desse suporte, sejam elas concedidas por benefícios assistenciais ou não. Juntamente com os fármacos, a Terapia Ocupacional adentra nesse contexto como a profissão qualificada para trabalhar as atividades de vida diária (AVDs), o fazer humano e a integração sensorial, tendo em vista que grande parte da população diagnosticada com TEA sofre com algum distúrbio de hiper ou hipo sensibilidade, o que torna fundamental a participação do Terapeuta Ocupacional no processo. Isto é, o profissional busca promover a cidadania e a independência, estimular habilidades a partir do desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sensorial, promovendo a adaptação funcional na vida das pessoas autistas. Por fim, pode-se concluir que, na prática, as disposições legais que delimitam o fator renda tratam-se de um raciocínio circular, pois a pessoa com transtorno do espectro autista não possui condições financeiras, nem para custear exclusivamente um tratamento integral que faz jus, nem para preencher o requisito para a concessão do auxílio governamental. Desse modo, a conclusão é a mesma: impossibilidade de acesso a um tratamento adequado de qualidade e integral com Terapeutas Ocupacionais. Infelizmente, esse quadro deficitário de acesso à saúde e tratamentos integral - que fazem jus e, de fato, impactariam de forma positiva no cotidiano - ainda perdurará, pois sem a flexibilização do critério objetivo de renda nos benefícios assistenciais do governo, serão nada além de uma mera disposição legal, positiva e eficiente apenas para o campo teórico.