Apresentação: Este relato tem como objetivo descrever as perspectivas dos estudantes de medicina ao realizar um Projeto de Extensão Universitária. O projeto atendeu às necessidades da escola de graduação solicitante, que curricularizou a extensão universitária em um de seus eixos pedagógicos, dito Extensão–Interação Ensino, Serviço e Comunidade – EXT-IESC, conforme preconizado pelo Conselho Nacional da Educação em 2017. Além de proporcionar o aprendizado acerca da elaboração de um relato de experiência/Projeto de extensão para os graduandos da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS, a realização da ação no território, tendo em vista que o eixo pedagógico referido inclui os estudantes na rotina da atenção primária em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), promove intenso aprendizado de habilidades médicas e contato com a comunidade alvo. O interesse do grupo surgiu quando a direção e coordenação pedagógica da escola pública de ensino médio do território do cenário do eixo EXT-IESC, relatou um momento de muita angústia quando um professor encontrou um aluno se automutilando durante sua aula. No período em que houve o contato, havia como uma grande ameaça a realização de ataques violentos e crimes de ódio em escolas Brasil afora, constituindo instabilidade para discentes e docentes, bem como certa insegurança em como tratar o assunto de saúde mental e autoextermínio com adolescentes. Como a escola já havia realizado projetos junto à ESCS sobre sofrimento mental ao longo dos anos, a direção da escola procurou a docente responsável pelos graduandos do segundo ano de medicina pedindo que replicassem o trabalho dos anos anteriores sobre rastreio de depressão e risco de suicídio para todos os alunos do ensino médio que possuíssem entre 14 e 19 anos, o que havia sido anteriormente realizado de maneira satisfatória.
Desenvolvimento: Os graduandos da ESCS realizaram extensa pesquisa documental e elaboraram o projeto a ser aplicado. A metodologia de trabalho baseou-se na aplicação prática do previsto pelo Arco de Maguerez. Houve uma observação da realidade, a separação de pontos-chave na circunstância observada, uma teorização no assunto e a proposição de hipóteses de solução para que fosse realizada uma ação na realidade prática, visando mudanças na questão problematizada. Após testes e treinamentos de aplicação de questionários, para que fossem feitos de maneira imparcial e como previstos pelos criadores das perguntas sistematizadas, houve uma parceria com a escola para aplicar a todos os alunos do Ensino Médio o ADDS, uma adaptação do M.I.N.I. (Mini International Neuropsychiatric Interview), que é utilizado no rastreio de diversos distúrbios psiquiátricos. Foi realizada em dois turnos, havendo manutenção de sigilo em relação a todos os estudantes participantes e, procurando manter o isolamento entre turmas que já haviam passado e que não haviam passado pela ação, visando uma aplicação mais idônea e imparcial. Os adolescentes se sentavam em carteiras de acordo com seu gosto e escolha pessoal dentre os graduandos ali dispostos, onde ocorria uma aplicação rápida do formulário em versão física. O estudante respondia às perguntas, que progrediam de acordo com o estado de saúde mental observado. Se fosse identificado algum risco, realizava-se a identificação da ficha como "em risco para depressão" ou "em risco para suicídio", de acordo com o encontrado. A ficha não possuía nomes, apenas o número da chamada de cada adolescente em sua respectiva turma, para que fosse mantido o sigilo mas, simultaneamente, que houvesse acesso àqueles dados pela coordenação em momento posterior.
Resultados: Dentre as 28 salas do 1o ao 3o ano ensino médio que participaram da ação, o rastreio alcançou 637 estudantes (num universo de 1100 possíveis, totalizando 57,9% de escuta) e identificou que dentre os entrevistados, cerca de 61% (388) dos jovens apresentavam risco de depressão, dos quais 34,5% (134) apresentavam risco de suicídio. Esses dados foram utilizados para promover a busca ativa desses estudantes para apoio, por meio de atendimentos individuais e/ou ações coletivas que foram ofertadas pela própria escola. Houve a realização de uma Semana de Educação para a Vida, promovida pela coordenação em concordância com o Projeto Político-Pedagógico da escola. Aulas em grupo de maracatu e jongo, rodas de conversa sobre bullying, machismo e identidade de gênero, quadrilha junina e oficina de pintura dos bancos da escola com a temática das 6 décadas de existência da instituição foram algumas das ações desenvolvidas a fim de utilizar o tempo escolar como momento de expressão individual e artística, utilizando-se da pedagogia como adjuvante no tratamento psicológico e psiquiátrico do transtorno depressivo e outras patologias da saúde mental. Na avaliação da escola, o resultado foi muito positivo, pois conseguiu realizar um panorama da situação em saúde mental dos estudantes de maneira não invasiva, profissional e com estatísticas seguras, permitindo a intervenção adequada. Existindo, ainda, a perspectiva de trazer o relato de experiência advindo da execução do projeto de extensão, os graduandos de medicina responderam às seguintes perguntas: “O que fiz?”, “O que vivi?”, “O que aprendi?”, “O que senti?”. Quanto às respostas dos graduandos, destacam-se o aprendizado da elaboração de um projeto de extensão dentro de seus limites metodológicos, o contato com o “mundo real”, o desenvolvimento da habilidade de comunicação, a vastidão de habilidades relacionais adquiridas e o sentimento de gratidão. O grupo expressou, ainda, um certo sentimento de culpa por ser responsável por trazer à superfície algumas emoções dolorosas dos entrevistados e entendeu, durante reflexão, que aprendeu a manter o controle emocional resguardando a saúde mental e física como uma competência intrínseca do profissional de saúde. Alguns estudantes referiram sentimento de identificação e exercício da alteridade e empatia em relação aos entrevistados, seja por já terem presenciado pessoas próximas em situação de sofrimento mental ou, até mesmo, já ter sido aquele que necessitava de apoio em relação à sua saúde psíquica.
Considerações Finais: Nesse sentido, percebe-se que houve um consenso na melhora da empatia, controle emocional, solidariedade do trabalho em equipe, profissionalismo e comunicação. Dessa forma, este trabalho se mostrou exitoso em realizar uma intervenção que desencadeou ações de promoção à saúde mental e proporcionou uma experiência capaz de ampliar as capacidades profissionais dos futuros médicos que participaram do trabalho, revelando a importância da extensão universitária na formação profissional e da educação médica que intervém e auxilia na comunidade que a cerca.