Este trabalho tem o objetivo de compartilhar reflexões acerca dos atendimentos psicológicos individuais realizados no Centro de Referência da Mulher de um município, na perspectiva da Psicologia, no que se refere ao trabalho com mulheres vítimas de violência doméstica. A mulher que chega para receber atendimento em decorrência de violência doméstica encontra-se numa condição de vulnerabilidade muito grande, necessitando de cuidados significativos em várias esferas da vida (social, emocional, financeiro, etc). É comum também, para muitas delas, ser a primeira experiência de escuta digna, de acolhimento e identificação das próprias necessidades, em decorrência de muitos anos de priorizar-se e dedicar-se às necessidades dos outros. A perda da autenticidade, da autonomia emocional e da identidade acabam sendo consequências visíveis de um processo contínuo de desconexão consigo mesma e com suas necessidades. O papel da Psicologia, neste contexto, para além de ressignificar a violência, é também restabelecer a condição de dignidade humana da mulher. Reconhecê-la como um ser de direitos, com autonomia e identidade próprias, capaz de tomar decisões a partir do processo reflexivo promovido pela psicoterapia. Historicamente, é uma condição recente às mulheres o poder de escolha: de se divorciar, de votar, de ter filhos ou não, de ter uma carreira profissional ou não. As gerações atuais carregam marcas de limitações, de crenças e de preconceitos, que inclusive são direcionadas em forma de julgamento às outras mulheres, de forma consciente ou inconsciente. Cabe a nós, enquanto profissionais da área da Psicologia contribuir no sentido de reforçar cada vez mais o protagonismo das mulheres, facilitar processos e oferecer recursos para construir com ela o melhor caminho de volta para si, atenta às suas necessidades. Isso não necessariamente implica no rompimento do relacionamento onde a violência aconteceu, mas possibilita clareza e responsabilidade sobre a vida que a mulher deseja construir para si. A noção de merecimento pode ficar muito comprometida em situações de exposição à violência a médio e longo prazo e, nesse sentido, nossa tarefa é garantir um espaço terapêutico e vínculo seguros até que ela se sinta pronta para decidir sobre sua própria vida.