APRESENTAÇÃO:
O acolhimento ao luto é essencial nos serviços de saúde, mas muitas vezes não é realizado. Na atenção terciária, frequentemente evita-se qualquer contato com a morte, o que acaba distanciando os profissionais dos familiares enlutados quando um óbito é inevitável. No contexto da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIn) tenta-se ainda mais evitar a morte a qualquer custo, consequentemente, evidencia-se também a dificuldade dessas equipes em lidar com uma família enlutada pela morte de um neonato.
Destaca-se que o luto não ocorre apenas no momento em que o paciente vem a óbito, mas durante todo o período de internação na UTIn. É importante acolher e oferecer suporte para que os familiares possam elaborar o luto por perdas simbólicas, como a perda do filho idealizado, com a saúde que era esperada. O luto antecipatório também faz parte do processo enquanto uma forma de elaborar as perdas graduais que ocorrem no decorrer da doença.
Apesar do acolhimento ao luto estar muito relacionado à prática da Psicologia, ainda não é uma realidade brasileira a presença de psicólogos em todos os serviços de Terapia Intensiva Neonatal. Ademais, há poucas produções científicas nacionais sobre essa temática, o que aumenta a relevância da publicações como esta. Sendo assim, este trabalho objetivou: relatar a experiência do acolhimento ao luto de pais com bebês internados na UTIn, contribuir para a disseminação do tema e incentivar a produção científica nessa área. Ressalta-se que as condutas aqui descritas não são exclusivas para profissionais psicólogos, podendo estimular ações de humanização e acolhimento por profissionais de qualquer área que trabalhem com este público.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:
A experiência relatada parte da perspectiva de uma psicóloga residente em um programa de Cuidados Paliativos na região Sudeste. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, do tipo relato de experiência. Durante um mês de atuação dentro de uma UTIn, foi realizado o acompanhamento de quatro famílias cujos bebês encontravam-se em estado gravíssimo ou já haviam falecido. Dentre esses quatro, dois tiveram o óbito como desfecho. O primeiro caso será mais detalhado, a fim de contextualizar a realidade do serviço. O intuito de relatar a experiência total e não apenas de um dos casos é justamente evidenciar as similaridades e as singularidades.
RESULTADOS:
O primeiro caso acompanhado foi de uma família cujo bebê faleceu durante o primeiro dia de trabalho na UTIn, logo, não havia vínculo constituído. O atendimento iniciou-se acompanhando o momento em que a médica comunicou sobre o óbito. A mãe encontrava-se lúcida, orientada, comunicativa e estava internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do mesmo hospital, acompanhada de sua mãe (avó do bebê).
Cinco dias antes, a mãe havia realizado parto cesárea após pico hipertensivo na vigésima sexta semana de gestação, dando à luz a gemelares em condição de prematuridade extrema. Uma das gemelares havia falecido dois dias antes desta, então a família já estava emocionalmente fragilizada. Como esperado, as familiares reagiram ao comunicado de óbito da segunda gemelar expressando intenso sofrimento. A acompanhante ficou agitada, repetindo para sua filha acalmar-se, porém surtiu o efeito contrário. Neste cenário, a mãe dos bebês teve outro pico hipertensivo, mobilizando a equipe a estabilizá-la.
Em mais de um momento neste dia foi ofertada a possibilidade da mãe ser levada até a UTIn para segurar o bebê em seu colo uma última vez, mas ela expressou que não sentia vontade e que preferia vê-la novamente somente no dia do seu velório. Contudo, ela solicitou alguma recordação de suas gêmeas para levar com ela. Prontamente, foi produzida uma carta de condolências, no qual constavam-se os dados de nascimento e de óbito das gêmeas, escritos à mão com uma linguagem simples e afetuosa. Nesta mesma carta, havia o carimbo dos pés de uma das filhas, além da pulseira de identificação hospitalar de ambas.
Já nos outros casos acompanhados, os pais manifestaram vontade de segurar seu bebê no colo. Essa possibilidade foi ofertada a eles ao concluir-se que não era mais possível reverter o quadro clínico e também após ser constatado o óbito. Quanto à carta de condolências, tenta-se confeccionar imediatamente após o óbito e ofertar aos pais, ressaltando que não é obrigatório aceitar e levar para casa. Nem sempre é possível ser confeccionada, pois depende da mobilização de vários profissionais. Porém, em um dos casos foi solicitada e no outro foi prontamente aceita, assim pode-se considerar que tem potencial para auxiliar na elaboração do luto de alguns pais. Na UTIn em questão, não é permitido tirar fotos, logo a carta é, muitas vezes, o único objeto concreto com o qual a família retorna para casa ao perder um filho.
É plausível compreender que nem sempre é possível traduzir em palavras o que se sente diante da perda de um filho, consequentemente o atendimento psicológico não segue a lógica tradicional. Porém, a presença do profissional psicólogo é necessária até mesmo para sustentar, diante da equipe, a importância de respeitar o tempo e o espaço que aqueles familiares precisam nos momentos de despedida. Devido à dificuldade de manejo com o luto, muitos profissionais, mesmo sem perceber, acabam apressando o fim daquele momento ou distanciam-se completamente, de modo a deixar os pais sozinhos por muito tempo, justamente por não tolerarem presenciar esta cena.
Nota-se, portanto, que não existe um protocolo completamente estruturado e pré-estabelecido para o acolhimento ao luto. Cada familiar vai lidar com a situação de uma forma, assim como cada vínculo vai ser único, por mais que se trate do mesmo grau de parentesco. Na área da saúde, é frequente a existência de um documento que dita como realizar um procedimento para que seja bem sucedido, logo muitos profissionais não lidam bem com a falta de protocolos.
Assim, muitas vezes o psicólogo é o profissional que consegue avaliar de forma mais criteriosa o que é significativo ou não para cada família. Isto é, para muitos familiares, segurar seu bebê no colo pode ter o sentido de fechar um ciclo, aproveitando essa oportunidade mesmo quando não há mais vida naquele corpo. Para outros, ver seu bebê sem vida pode gerar uma necessidade de afastar-se para conseguir compreender o que está acontecendo. Nesses últimos, aproximar-se do corpo ou segurar seu bebê no colo após o óbito, pode gerar ainda mais sofrimento. Também é possível que um dos familiares queira ver ou ter contato com a criança, enquanto o outro se recusa, o que também deve ser respeitado, pois em um mesmo núcleo familiar cada pessoa vai ter uma maneira diferente de elaborar esse luto. Sendo assim, é relevante existir essa avaliação individual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conclui-se que é necessário aumentar a produção científica sobre a atuação da Psicologia diante do luto perinatal no contexto da UTIn, a fim de que haja mais robustez para embasar a prática profissional. Ademais, compreende-se a importância da presença de psicólogos nesse setor, pois comumente é quem possui mais ferramentas para lidar com as diversas formas que as pessoas possuem de expressar seu sofrimento. É também quem vai conseguir oferecer acolhimento e escuta qualificada a esses familiares, avaliando o que é significativo para cada ente de forma singular. A partir disso, pode-se pensar também em treinamentos sobre o tema para toda equipe, pois ainda não é possível ter a presença de um psicólogo acompanhando todos os óbitos.