Apresentação O desejo de estudar o suicídio em universitários surge a partir de minha prática enquanto psicóloga atuando na Pró-reitora de Políticas Estudantis (PR7) de uma universidade federal do norte fluminense. A PR7 é voltada às políticas estudantis, que visam a permanência dos estudantes nas universidades com qualidade. No contexto universitário, tenho acompanhado as vivências dos graduandos durante o percurso acadêmico. É um contexto de novidade de vida, com grande pressão psicossocial e exposição a constantes exigências, além das dificuldades socioeconômicas. Frequentemente, surgem no nosso acolhimento psicológico demandas de sofrimento mental dos jovens. Alguns anos atrás, entre 2017 e 2018, três estudantes de graduação dessa universidade federal morreram por suicídio. Essas perdas evidenciaram a necessidade de atenção e acolhimento à saúde mental desses estudantes. Desde então, comecei a estudar sistematicamente a temática. Portanto, o presente estudo tem por objetivo analisar o comportamento suicida dos universitários de uma instituição federal do norte fluminense, bem como desenvolver ações de prevenção deste comportamento. Desenvolvimento Foi realizada uma pesquisa transversal de abordagem qualitativa, com acadêmicos de uma universidade federal do norte fluminense. O estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em pesquisa, apresentando o seguinte número de CAAE: 66269222.1.0000.5263. O protocolo da pesquisa incluiu a aplicação de um questionário sobre comportamento suicida, que incluiu perguntas de múltipla escolha para obtenção de dados sociodemográficos. Além disso, questões semiestruturadas foram desenvolvidas pela autora, a partir da literatura da área, com objetivo de identificar a ocorrência do comportamento suicida, compreendendo as suas fases (ideias de morte, ideação suicida, desejo de suicídio, intenção de suicídio, plano de suicídio e tentativa de suicídio), em estudantes universitários. Em seguida, foram realizadas três Rodas de Conversa com estudantes que deixaram o contato no questionário semiestruturado, demonstrando interesse em participar dessa fase da pesquisa. Ao todo, 17 estudantes foram ouvidos nas Rodas. Neste trabalho, serão apresentados os resultados obtidos nas Rodas de Conversa, através das descrições dos diários de campo. Resultados Ocorreram 3 rodas de conversa. No primeiro encontro, as temáticas abordadas foram relacionadas às vivências dos universitários, ao autocuidado, à saúde mental. Os universitários foram questionados sobre como é ser estudante de ensino superior. Vários se prontificaram a falar que é cansativo, pois ser universitário consome muito tempo. Há uma sensação de ansiedade constante e de sempre dever atividades. Há muita competição, quem não produz se compara ao colega, ou até mesmo, os professores comparam estudantes, uns com os outros. Os universitários também relataram relações hostis e falta de assistência dos professores, alguns desses não aceitavam atestado psicológico para que o estudante possa fazer uma prova substitutiva, por exemplo. Outro universitário relatou que, mesmo “adoecendo fisicamente”, não foi assistido pelo curso. Os sentimentos expressados pelos estudantes em relação à universidade foram os de solidão, cansaço, sensação de sobrecarga, estresse, ansiedade, sensação de opressão, medo e perseguição (por alguns professores). Em seguida, foi discutido o autocuidado, o lazer, o descanso. Os universitários afirmaram que é muito difícil priorizar o autocuidado, o lazer e que eles só priorizam o que é urgente. Os estudantes referiram que “vivem para a universidade” (sic), e há muitas expectativas com relação ao próprio desempenho e, também, as expectativas dos outros, familiares, amigos. Há dificuldades de se lidar com as falhas. Concluíram que “viver para a universidade é muito pesado” (sic), é “um sonho que se torna pesadelo” (sic). A saúde mental dos universitários está bem debilitada na percepção do grupo. Os estudantes relataram que têm muitas crises de ansiedade e pânico. Há dificuldades em perceber que precisam se cuidar e resistência em pedir ajuda. Na segunda roda, a conversa foi sobre o tema suicídio, estudantes relataram o próprio comportamento suicida, uma delas afirmou ter pensamentos suicidas desde os 15 anos. Algumas universitárias compartilharam que, após a pandemia, sentiram que a instituição não se importou com os estudantes, foram muitos traumas, perdas, mas boa parte dos professores continuou cobrando muito, flexibilizando pouco. Houve também, o relato de uma estudante da área de saúde, contando que aprendeu a identificar melhor o comportamento suicida nas aulas de saúde mental e que ajudou uma amiga que passou por uma crise suicida. Outros falaram sobre o próprio diagnóstico de transtorno mental, do uso de medicações, como os antidepressivos, do receio de ter novas crises. Falaram do desespero e cansaço ligados à ansiedade, da preocupação muito grande com a própria performance. Além disso, uma participante relatou que fez duas tentativas de suicídio, uma delas ocorreu recentemente. A terceira roda girou em torno do assédio e de violências que existem na universidade. Uma estudante iniciou a conversa contado que no curso dela estava ocorrendo uma questão do assédio de estudantes veteranos com as estudantes (mulheres) e com alguns homens também. O Grupo disse que “há coisas absurdas que acontecem” (sic), como um leilão que ocorre no trote. “Os calouros são vendidos por determinado valor aos veteranos” (sic.). Já em outro curso, uma participante da pesquisa relatou que uma música, cantada no trote e postada em uma rede social, atacava e menosprezava estudantes de uma universidade privada. “Há um sentimento de impotência, porque a instituição não faz nada em relação a práticas violentas que ocorrem na universidade” (sic), disse uma estudante enquanto outras concordavam. O Grupo compreendeu que as violências institucionais podiam servir de gatilho para alguém que já não está bem e que passa por tantas situações. Por outro lado, uma universitária apontou que, na percepção dela, a autocobrança é o maior fator de risco para o suicídio. Para finalizar as questões propostas no roteiro da roda, foi perguntado às universitárias se é possível prevenir o suicídio e que ações preventivas a universidade pode fazer. O Grupo respondeu que sim, uma das estudantes frisou que, se as pessoas estiverem atentas aos sintomas e sinais de quem sofre, será possível prevenir. Outra universitária colocou que é preciso falar sobre o tema. A estudante destacou que as pessoas acham que falar estimula o suicídio, mas ela não concorda. Relatou que percebe as pessoas com medo de falar. Em seguida, outra estudante relatou que a geração atual é mais aberta para falar de questões de saúde mental e que “todo mundo tem diagnóstico” (sic). Ela contou que realiza pesquisa com seres humanos sobre estresse pós-traumático e precisa de participantes que não tomem remédios (psicotrópicos) e está bem difícil encontrar. Por fim, outra estudante disse que pensava ser importante orientar os professores sobre a temática como uma forma de auxiliar na prevenção ao comportamento suicida. Considerações finais Os estudantes demonstraram interesse e aderiram à proposta das discussões em roda. Os encontros possibilitaram a construção de reflexões sobre as vivências dos universitários e serviram para avaliar aspectos da saúde mental desses estudantes com ênfase no comportamento suicida, e ainda, para problematizar conflitos e violências institucionais. No contexto de interiorização das universidades, através do programa REUNI do governo federal, muitos jovens migraram para regiões distantes dos locais de origem, fragilizando-os economicamente e socialmente, o que os torna vulneráveis. Além disso, a forte cobrança por bons resultados e a violência institucional tem contribuído para o desenvolvimento de comportamento suicida entre os jovens. Conclui-se que a saúde mental dos universitários necessita de atenção e cuidados. A criação de políticas públicas para dar suporte a esses estudantes no enfrentamento a este cenário urge.