Apresentação: Este trabalho consiste em um recorte de uma dissertação que está em elaboração. Busca apresentar reflexões iniciais acerca das experiências e vivências que podem ser realizadas na produção do cuidado feito/a pela acompanhante.
Desenvolvimento do trabalho: As reflexões iniciais que serão apresentadas estão sendo construídas com base no método da autoetnografia, imergindo nas experiências e vivências da própria pesquisadora. Sistematizam elementos sobre a produção do cuidado realizado pela acompanhante, incorporando aspectos de aparatos legislativos. Isso ocorre após a decisão de analisar o papel do acompanhante no cuidado em um hospital de um contexto descentralizado em Pernambuco. Nesse território, há escassez de materiais produzidos sobre o tema da saúde, e a comunidade convive com documentos públicos desatualizados elaborados por instituições de saúde.
Resultados: os efeitos percebidos decorrentes da experiência, ou resultados esperados ou encontrados na pesquisa:
Segundo a definição trazida na Cartilha Política Nacional de Humanização: Visita aberta e acompanhante, o/a acompanhante é um representante da pessoa internada que o acompanha durante a sua permanência no serviço de saúde. A Lei 11.108 de 2005 instituiu o subsistema na Lei 8080/98, que prevê a mulher ter acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato; em 2023, é sancionada a Lei 14.737, que busca ampliar o direito da mulher ter acompanhante nos serviços de saúde públicos e privados.
É importante destacar que o acompanhante é garantido para pessoas distintas, sendo elas: idosos, com sua garantia por meio do Estatuto do Idoso; crianças e adolescentes, através do Estatuto da Criança e do Adolescente; e a mulher, por meio do arcabouço legislativo organizado e tensionado a partir de evidências científicas acerca das trocas de cuidado e humanização para mulheres em processo de parto. No caso da última legislação aprovada, trata-se de uma lei federal que altera o subsistema de acompanhamento à mulher nos serviços de saúde, permitindo seu acompanhamento em instituições públicas e privadas em consultas, exames e procedimentos. A mulher ainda pode escolher quem a acompanhe, com preferência para profissionais femininos como acompanhantes.
Levando em consideração esse arcabouço legislativo e a definição trazida nesta Cartilha, como também as reflexões iniciais percebidas a partir da vivência e leituras que estão sendo realizadas, é notável a complexidade dos movimentos do acompanhante em busca de cuidado para a pessoa acompanhada. Visto que a experiência vivenciada possibilitou diferentes observações que vão desde a questão da infraestrutura hospitalar até aspectos comunicacionais entre a equipe de saúde e também com outros trabalhadores da instituição, trocas com outros acompanhantes e a escassez de orientações para a vivência da pessoa que será caracterizada como acompanhante.
O acompanhante apresenta definições advindas dos aspectos da humanização do cuidado nas relações a serem estabelecidas entre a equipe de saúde e pacientes. No entanto, enfrenta silenciamentos da equipe quando busca informações acerca do quadro de saúde do paciente. A partir disso, a figura do acompanhante desenvolve estratégias na busca de informações, como por exemplo: perceber quais profissionais estão abertos à passagem de informações, observando e anotando os horários de seus plantões; trocando informações e se acolhendo com outros acompanhantes presentes no hospital. Isso permite observações e questionamentos acerca da infraestrutura hospitalar e, por vezes, até a denúncia das ausências vistas nos equipamentos e práticas discriminatórias.
Outro achado relevante é a ausência de infraestrutura para o acompanhante, que lida com escassez de espaços para necessidades básicas, como alimentação e higienização. Há também a ausência de informações advindas dos profissionais, contrapondo-se a uma contradição no que rege a política de humanização, que propõe trocas solidárias e comprometidas na produção de cuidado. O relato a seguir, irá evidenciar as fragilidades desses aspectos na produção de cuidado.
“Ontem meu marido ficou aguardando por horas para trocarem a sonda dele, ia até a equipe de enfermagem e ninguém me ajudava, quando me estressei vendo ele sujo, falei que iria a diretoria do hospital, daí a enfermeira veio me ajudar” Fala de uma acompanhante.
Aponto,como experiência vivida, a ausência de informações recebidas acerca dos procedimentos realizados. A paciente, durante o acompanhamento, passava por curativos e exames, mas não recebia resultados sobre o que estava ocorrendo, provocando um hiato entre os cuidados e o resultado do processo. Ocasionava o questionamento: Como estou em processo de tratamento e não sei sobre meus cuidados?
Outro fato é como as legislações que cercam a presença do acompanhante nos serviços de saúde estão em dicotomia em relação à forma como o setor saúde define esse/a sujeito/a. Nota-se que esta figura, nas legislações, surge como um/a sujeito/a a fiscalizar procedimentos e garantir a segurança do paciente. São aprovadas legislações com base em discussões de problemas de violação dos corpos e práticas discriminatórias, sobretudo em corpos femininos.
Acerca da aprovação de aspectos legislativos, a figura do acompanhante foi ampliada para mulheres, o que pode provocar reflexões sobre como as práticas de saúde podem estar sendo desenvolvidas e sentidas por mulheres. Afinal, elas podem estar tendo seus corpos violados em ambientes que têm como característica principal o processo de cuidar. Como pesquisadora que insere a própria experiência como objeto de análise, notei como as práticas estão carregadas de diferentes significados, atrelados a aspectos étnico-raciais, sociais e de gênero.
O que me possibilita fazer tais observações refere-se a ter acesso às informações, ao indicar à equipe assistencial que sou profissional de saúde e estudante de pós-graduação. Isso provocou na equipe assistencial relatos das condições precárias para o desenvolvimento do processo de trabalho, destacando dificuldades que se confrontam com os órgãos de gestão em saúde, como as gerências regionais de saúde. Talvez isso ocorra por ser a instituição mais próxima em um contexto de saúde descentralizado.
Comentários deslegitimando o serviço de saúde público e a ausência de cuidado e/ou práticas de cuidado que exigem mais vigilância do que troca são frequentes, caracterizando uma grande ambiguidade no que rege os aspectos de processo de trabalho na política de saúde.
Considerações finais;
Elementos como fatores comunicacionais, infraestrutura e/ou informações básicas de organização ligadas as alimentações e guarda de pertences, são fundamentais para o cuidado. Pensando esses fatores e a forma como se comporta os regulamentos legislativos bem como as práticas assistenciais, surge os questionamentos: será o acompanhante um sujeito vigilante? Ou um sujeito a estabelecer relações de trocas humanizadas com os/as profissionais para potencializar as estratégias de cuidado? Como a pesquisa conta com a experiência da própria pesquisadora, as possíveis conclusões permitem perceber como a instituição hospitalar não presta orientações acerca de sua permanência, elementos básicos de comunicação sobre pertences e alimentação, que, em muitos casos, não ocorrem, provocando situações estressantes entre a equipe assistencial e os acompanhantes, onde tais questionamentos se imbricam na relação de cuidado.
As políticas públicas que são construídas ou discutidas nos espaços de fomento são resultantes de tensões e da necessidade de intervenção para propor soluções em uma problemática. Portanto, é necessário o debate e a qualificação dos serviços de saúde, bem como das práticas dos profissionais, e não apenas a criação de regulamentações que os coloquem em uma posição de sujeitos vigilantes. Como estratégias possíveis a curto prazo, é importante criar canais de transmissão sobre orientações para a permanência do acompanhante e estratégias comunicacionais entre equipes e acompanhantes. Sem esquecer que, a longo prazo, é importante focar na ambiência de instituições hospitalares com estrutura adequada que permitam a presença desse sujeito.