Apresentação Este resumo expandido problematiza alguns dos pontos levantados na dissertação de mestrado intitulada: "Uma revisão crítica sobre as relações entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo: brechas possíveis para uma outra psiquiatria?". Destacamos, neste trabalho, as suas possíveis implicações desta revisão da literatura à formação de profissionais psi, não nos restringindo, contudo, à problematizar apenas a formação em psiquiatria. Com este trabalho visamos o fomento ao diálogo crítico que se desdobra em um "instante de ver" de uma dissertação de mestrado, que tenta discutir as relações contemporâneas entre (bio)psiquiatria e o neoliberalismo, trazendo algumas das articulações destacanas pela literatura revisada, bem como suas possíveis ressonâncias à formação de profissionais psi. Trata-se, portanto, de um trabalho que sustenta um diálogo fértil com o campo da atenção psicossocial e da reforma psiquiátrica brasileira. A esses leitores privilegiados trazemos argumentos renovados para a marcação de uma posição ético-política diante da relação entre (bio)psiquiatria e o estado do mundo em que vivemos, marcado pela episteme neoliberal. Tal desafio, no entanto, nos pede novas questões. Para isso, dialogamos com uma extensa literatura nacional e internacional, a fim de propormos brechas possíveis para uma outra psiquiatria, que de alguma forma, estivesse mais advertida das incidências neoliberais em sua práxis. De partida, tomamos (bio)psiquiatria e neoliberalismo como grades de inteligibilidade em que suas relações de saber-poder e suas funções disciplinares e pastorais se tornam cada vez mais fraternas e conjugadas, aos moldes de um casamento por conveniência, como ilustraram alguns autores. E como os casamentos apresentam suas crises, buscamos expor "os furos" desta "parceria" entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo, ao apostarmos numa via transformativa da psiquiatria, balizados pela bússola apontada por Nikolas Rose, de uma "outra psiquiatria possível", que não se dá sem uma outra formação possível aos profissionais psi.Desenvolvimento do trabalho A primeira etapa desta pesquisa se deu a partir de uma extensa revisão da literatura, que buscou indicar alguns paradigmas da relação entre a (bio)psiquiatria e a economia liberal e neoliberal. Para isto, lançamos mão de trabalhos nacionais e internacionais que se debruçaram sobre cada uma destas grades de inteligibilidade. Do "nada querer saber" imperante na relação entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo, demos voz e vez a trabalhos nacionais e internacionais, nesta revisão, que bordejam um certo "não saber" contido nas fissuras e franjas da articulação "entre" a psiquiatria hegemônica ou oficial e a epistem neoliberal. Em seguida, articulamos as racionalidades psiquiátrica e neoliberal expondo seus pontos de aproximação. Na sequência, mergulhamos na trama entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo. Tal mergulho visou amplificar os pontos de contradição e de tensão que permitiram localizar brechas entre ambas as racionalidades revisadas. Das tramas, portanto, fomos aos furos. Finalmente, pelas bordas da hiância entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo, trouxemos algumas ponderações da literatura sobre as alternativas possíveis diante da psiquiatria hegemônica, destacando, para este trabalho, suas possíveis ressonâncias à formação psi. Resultados A revisão da literatura evidenciou um certo "campo de batalhas" em torno do saber psiquiátrico na atualidade. Destacamos, neste cenário diverso, as tensões capazes de movimentar reflexivamente a práxis psi. Inicialmente, a revisão nos oferece uma síntese consistente, marcada por um tom ensaístico, que pretende incentivar novas pesquisas em torno das relações entre (bio)psiquiatria e neoliberalismo. Em seguida, destacamos, a partir desta revisão, três brechas possíveis para "uma outra psiquiatria possível", a saber: (1) O diálogo entre psiquiatria e psicanálise, que poderia dar visibilidade à uma psiquiatria "não toda"; (2) O diálogo entre psiquiatria e medicina social, que evidencia uma outra biopolítica possível para o campo psi; (3) E, finalmente, a psiquiatria diante de uma biologia não reducionista, proposta que tem sido defendida a partir de um novo diálogo entre biologia, psicanálise, filosofia e neurociências. Defendemos que as brechas evidenciadas nesta revisão da literatura podem contribuir para a formação de profissionais psi. A partir da brecha (1), novas políticas públicas podem ser construídas, permitindo aos usuários e profissonais psi um "espaço de enunciação" em seus campos de trabalho e no laço social. Além disso, este brecha possibilitaria ainda um olhar menos protocolar para a formação de profissionais psi e, com isso, os deixaria possivelmente mais advertidos dos "princípios de seu poder, na direção de um tratamento". Já pela via da brecha (2), vemos o debate da formação de profissionais se aproximar do que propõe Nikolas Rose de "políticas do presente", ou seja, de que tais profissionais psi não mais contribuam para o mascaramento do sofrimento psíquico, gerindo-os pela via neoliberal, mas apontando para vias alternativas à essa. E, por exemplo, trilhando a brecha (3), podemos renovar o debate do biológico na formação dos profissionais psi, não nos balizando em reduções e hipóteses "do tipo monocultura", como foram por anos as leituras do sofrimetno mental cultivadas pela relação unívoca das hipóteses monoaminérgicas, como o caso da correlação unívoca (hoje em dia bastante questionável) do desbalanço químico cerebral de "serotonina" para a depressão e, mais atualmente (mas ainda bastate em voga), do destaque da "dopamina" para as explicações atuais diante das compulsões e das práticas de adicção. As três brechas aqui propostas apresentam, portanto, efeitos epistêmicos, clínicos e políticos, incidindo também na formação de profissionais psi potencialmente críticos. Esperamos também que esta revisão sirva para indicar alguns caminhos possíveis para novas investigações não apenas no campo da psiquiatria, da psicopatologia e da psicanálise, mas em outros campos interdisciplinares que também investiguem a circulação e a capilarização da grade de inteligibilidade psiquiátrica, como a teoria social, a sociologia, a economia política, a epidemiologia, a psicologia social e à medicina preventiva e social, notadamente à saúde coletiva brasileira. Ou seja, acreditamos que esta revisão traz subsídios para uma análise do "páthos" humano em sua complexidade, que é portanto, anterior ao "lógos", como nos adverte Canguilhem, em seu "O normal e o patológico". Considerações finais Acreditamos que a reflexão aqui exposta é fundamental ao campo psi, sobretudo, no atual contexto brasileiro, em que o campo da atenção psicossocial tem sofrido uma série de desmontes, como a precarização do trabalho e dos serviços de saúde mental e da atenção primária à saúde, bem como das políticas de formação e humanização de profissionais da saúde. Aos mais pessimistas, surge a questão: "será que estamos num beco sem saída?" Ou ainda: "será que nos resta apenas a saída pela via da episteme neoliberal, uma espécie de saída universal?" Diante do beco, tomamos as brechas, as bordas, as beiras (sem eiras) de uma aposta por uma outra psiquiatria transformativa, não toda reduzida aos ditames neoliberais ou sendo apenas uma caixa de ressonância de seus efeitos. Sustentamos uma aposta, em certa medida radical: que a psiquiatria, em sua heterogeneidade e em suas contradições, poderia contribuir, não apenas ao campo psi, mas à clínica e ao cuidado contemporâneos, desde que se posicionasse de forma crítica perante suas relações com o neoliberalismo. Ousamos dizer que esta seria sua maior contribuição à formação psi.