Apresentação: O espaço universitário é um microcosmo onde se evidenciam as nuances do sofrimento psíquico, refletindo as pressões presentes na sociedade. Tais sofrimentos se expressam muitas vezes em forma de crises em saúde mental, tentativas e suicídios consumados. Como parte integrante da sociedade e da cidade, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) não está imune a essas expressões de angústias, tendo o fenômeno suicídio encontrado um palco para suas tragédias, com pessoas (da comunidade universitária ou não) optando por encerrar suas vidas dentro dos muros acadêmicos. Desse modo, a questão do sofrimento psíquico e seus desfechos não são só um problema que se expressa no setor saúde, sendo também um fenômeno que perpassa a educação. Considerando que são os trabalhadores da UERJ (nem sempre trabalhadores da saúde, nem sempre da área de saúde mental) que acolhem e cuidam das pessoas que manifestam tais sofrimentos, o estudo segue na direção de construir uma pesquisa que produza interferências e auto análise sobre o processo de trabalho diante da natureza de urgência do cuidado em saúde mental. Tendo em vista subsidiar ações de educação permanente em saúde junto aos trabalhadores, com base no contexto e na realidade da comunidade acadêmica, o estudo tem como objetivo apresentar a cartografia do sofrimento psíquico a partir da arquitetura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um estudo qualitativo e descritivo ligado à pesquisa vinculada ao Programa de Incentivo à Produção Científica, Técnica e Artística (PROCIÊNCIA) da UERJ. Como método, apostamos na cartografia, referencial metodológico da Análise Institucional para acompanhar as expressões de sofrimento psíquico na UERJ. Considerando a pluralidade de atravessamentos subjetivos, afetivos, objetivos, físicos, psíquicos, materiais e imateriais em torno da temática do sofrimento psíquico na universidade, utilizamos um modo de estar no campo da pesquisa segundo os pressupostos da pesquisa interferência, já que a proposta é ativar no campo (e não previamente) as necessidades de utilização de quaisquer ferramentas metodológicas que dêem conta de compreender as experiências singulares do sofrimento psíquico. Diante disso, o primeiro movimento da pesquisa, convocado pelo campo, foi integrar a Comissão de saúde mental da UERJ para compreender como é feito o acolhimento a tais situações na universidade e quais trabalhadores estão envolvidos. O segundo movimento foi ouvir, por meio de quatro rodas de conversa, os trabalhadores que primeiro atendem as situações de sofrimento psíquico na universidade: os seguranças. Em seguida, a pesquisa foi direcionada no sentido de analisar os registros de ocorrências dos seguranças voltados para as situações de saúde mental, nos últimos 30 anos. A partir da roda de conversa e dos dados do livro de ocorrências, chamou a atenção o fato de que os seguranças faziam muitos acolhimentos nos banheiros da UERJ. Os banheiros eram, portanto, locais solitários e reservados em que o sofrimento podia se expressar livremente. A partir desse dado, seguimos para o quarto movimento da pesquisa, passamos, então, a observar a arquitetura da UERJ (Maracanã), sobretudo, as paredes dos banheiros, em busca de entender como e de que forma o sofrimento é expresso. Como ferramentas de pesquisa foram utilizados aparelhos celulares para registros fotográficos e diário cartográfico. Posteriormente, as fotografias foram analisadas, sendo excluídas aquelas que não transmitiam certo conteúdo de sofrimento psíquico e/ou estavam ilegíveis. Após a seleção, os conteúdos das fotografias foram transcritos para uma tabela no Excel contendo as descrições do andar e das frases fotografadas. Resultados: Como resultados, apontamos a integração de docentes e discentes de enfermagem (autoras do estudo) a Comissão de Saúde Mental, criada em 2022 na UERJ. Assim, foi possível compreender os desafios institucionais relacionados ao acolhimento à crise em saúde mental e o caminho institucional, formal e informal do sofrimento psíquico na universidade. Como resultado, foi feito um mapeamento de cinco serviços e setores que participam dos acolhimentos. O segundo movimento teve como resultado a descoberta do banheiro como cenário de expressão do sofrimento psíquico a partir de quatro rodas de conversas com grupos de 13 a 15 seguranças cada e de 127 registros no livro de ordens e ocorrências no período de 1990 a 2023. Os relatos das rodas e algumas ocorrências do livro apontavam o banheiro como cenário de muitos acolhimentos e também de certo de risco para tentativas de suicídio. O quarto movimento, decorrente dos anteriores, trata da cartografia do sofrimento psíquico a partir da avaliação da arquitetura da UERJ. O caminho para encontrar alguma pista visível de expressões de sofrimento a partir da arquitetura iniciou dos andares mais altos para os mais baixos. Como os banheiros foram citados pelos seguranças, passamos a olhar para eles com mais interesse, não descartando a possibilidade de outros espaços como corredores, salas de aulas e etc. Ao visitar um banheiro, notamos que a escrita de paredes era um modo, um jeito de expressão. Passamos a avaliar os 24 banheiros, sendo eles, 12 banheiros masculinos e 12 banheiros femininos de 12 andares da UERJ Maracanã. Foram feitas 48 fotografias. Dos 24 banheiros avaliados, o estudo revelou que 7 continham mensagens e expressões de sofrimento. A totalidade dos banheiros que tinham mensagens eram femininos (N=7), não sendo encontrada nenhuma expressão de sofrimento e angústias nos banheiros masculinos. Os andares que em que foram encontradas as expressões de sofrimento de forma escrita foram: 10º andar (N=7); 9º andar (N= 9), 6º andar (N=2) ,4º andar (N= 2); 3º andar= 1), 1º andar (N=1). Ao adentrarmos os banheiros, percebemos que as cabines individuais guardavam em suas paredes expressões de sofrimentos, pareciam estar em segredo. Sobre os conteúdos das mensagens contidas nas paredes, 10 se referiam a morte, a vontade de pôr fim à vida e de sumir. Mas, havia ali também certa conversa, certa ajuda de outras mulheres. Algo precisava ser dito e foi. Algo precisava de resposta e teve, mesmo que em forma de setas que apresentaram algum tipo de acolhimento, encaminhamento. Assim, o banheiro foi percebido tanto como cenário de expressão de sofrimento, como de solidariedade, como podem ser vistas nas seguintes frases: “Viver é um ato de resistência, se dê uma chance!”; “Tenha forças, você é incrível”; “A vida é uma luta constante e já pensei muitas vezes em fazer isso também! se um dia quiser conversar…”, “Não se odeie não, você só não aprendeu a se amar ainda!”; “Tbm tenho, mas relaxa [sobre vontade de sumir]; “Você consegue, boa sorte”; ”Você, caso queira, precisa achar a causa do seu sofrimento, isso é somente a consequência, falar sobre o que nos dói é terapêutico, libertador e curativo”; “Todos nós precisamos de ajuda em alguma instância, basta aceitarmos que não damos conta de tudo e tudo bem não dar”; “Reescreva sua história!”; Considerações finais: O estudo conclui que na UERJ, mulheres usam o recurso da escrita para expressar sofrimento, que o banheiro é um local privativo e solitário onde esse sofrimento se apresenta e que as mulheres demonstram forte solidariedade com outras mulheres, diferente do que encontramos em banheiros masculinos, em que o sofrimento não é expresso por meio da escrita e os conteúdos retratam em sua maioria conteúdos políticos, de ódio e de afirmação de certa masculinidade.