Formação paradoxal de residentes em saúde no contexto da pandemia

  • Author
  • RICARDO MASSUDA OYAMA
  • Co-authors
  • Willian Fernandes Luna , Eliana Goldfarb Cyrino
  • Abstract
  •  

     

    APRESENTAÇÃO

    Pandemias como a de COVID-19 testaram a capacidade de organização dos sistemas de saúde do mundo todo, inclusive no Brasil, uma vez que sua rápida transmissão e gravidade dos casos demonstraram as necessidades urgentes de investimentos para o fortalecimento do SUS.

    O alto índice de transmissão entre profissionais de saúde, como os residentes em saúde, causou preocupação durante a pandemia, impulsionados pela exposição aos riscos e escassez de equipamentos de proteção individual (EPI), agravando o enfrentamento nos serviços de saúde.

    A residência em saúde pressupõe importante interação profissional entre os residentes e demais atores envolvidos em sua formação, estimulando a troca de experiências e partilha de conhecimentos que possam contribuir para uma atuação interprofissional e um cuidado integral, por meio da construção de uma ação coletiva. O contexto da residência em saúde aproxima muitos profissionais de diferentes formações e com entendimentos distintos do que caracteriza o cuidado em saúde, indicando a presença de conflitos de ideias e um processo de transformação de sua identidade profissional.

    O estudo buscou analisar os impactos da pandemia de COVID-19 na formação de residentes em saúde de Programas de Residência Médica e Multiprofissional, de uma instituição de ensino do interior de São Paulo. Esses profissionais atuaram durante a pandemia de COVID-19 e estavam em processo de formação profissional, por meio de treinamento em serviço, sendo importante sua análise para se construir estratégias de enfrentamento em situações semelhantes, bem como reconhecer aprendizados e potencialidades do processo.

    DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

    Estudo de investigação qualitativa com uso de entrevista semiestruturada e foco nas narrativas dos residentes, no qual usou-se um roteiro de perguntas e videochamada com gravação de áudio e vídeo. Todas as entrevistas foram realizadas pelo pesquisador principal, totalizando aproximadamente 14 horas. Os convites foram realizados a residentes selecionados por conveniência e técnica da bola de neve, tendo sido interrompidos quando se chegou ao ponto de saturação. Participaram residentes em saúde de Residência Médica e Multiprofissionais, matriculados no primeiro, segundo e terceiro ano, totalizando 14 entrevistas. Eram dos programas de Medicina de Família e Comunidade, Pediatria, Saúde da Família, Saúde do Adulto e Idoso e Saúde Mental. O material das entrevistas foi submetido a Técnica de Análise de Conteúdo temática.

    O projeto foi aprovado pelo Comite de Ética em Pesquisa da Instituição. Os resultados apresentados representam a categoria nomeada Formação paradoxal de residentes em saúde no contexto da pandemia”, que faz parte do estudo de mestrado do primeiro autor.

     

    RESULTADOS

    Os residentes em saúde encontravam-se em um conflito e crise de identidade profissional, pois se encontram em um limbo no qual estão passando por um período de transição da categoria de estudante para profissional. Os residentes desejavam a atuação prática, mas ao mesmo tempo estavam em processo de construção de um saber-fazer em equipe a partir de sua inserção nos grupos de trabalho de residentes, colocando em questão o seu próprio conhecimento devido ao tensionamento desencadeado pelo trabalho multiprofissional.

    A experiência da residência na pandemia trouxe uma percepção ambígua de aprendizados e prejuízos na formação profissional, consequência do conflito acerca das funções desempenhadas enquanto profissional de saúde com enfoque em práticas individuais, que possibilitaram o aperfeiçoamento de técnicas necessárias para seu trabalho, porém houve a sensação de prejuízo devido à ausência de práticas interprofissionais.

    Então, eu acho que toda vivência leva a aprendizado. Mas eu acho que eu tive muitos prejuízos na minha formação, e isso eu não posso negar, porque eu fiquei literalmente dois meses desempenhando função de porta e telefone, sendo que seriam dois meses que eu poderia estar fazendo coisas multiprofissionais, que foi o motivo de eu entrar na residência, eu poderia tá discutindo caso, eu poderia tá fazendo visita domiciliar, tendo contato com a população. Eu acho que o maior prejuízo que eu tive na minha residência foi essa falta de ação interprofissional mesmo. Bianca (R1, enfermeira em Saúde da Família).

     Embora a vivência e experiência na pandemia enquanto residente tenha sido de muitas dificuldades, muita luta e reinvindicações para assegurar seu lugar enquanto profissional de saúde, as contribuições na formação profissional e as aprendizagens foram sendo absorvidas e ressignificadas com o passar do tempo e acúmulo de experiências, tornando-se capaz de avaliar com mais tranquilidade toda a aprendizagem proporcionada pela residência no contexto da pandemia.

     O momento de pandemia foi muito difícil, foi muito complicado, foi muito embate, lutando muito para não ser contaminado e pra conseguir ser psicólogo e não ser porteiro, eu acho que o ensinamento foi muito maior do que as dificuldades. Eu estou completando um semestre de residência, então eu consigo olhar pra trás desse semestre e pensar o quanto que eu cresci, o quanto que eu consegui me colocar dentro desse serviço, enquanto profissional em situação de emergência, enquanto me pensar profissional de saúde no meio de um caos, e eu acho que esse ensinamento, essa aprendizagem é inigualável. Dante (R1, psicólogo em Saúde Mental).

     A vivência da pandemia agregou muito conhecimento teórico e prático, permitindo estudar uma doença nova e se aprofundar no manejo da pandemia, embora se reconheçam as contradições presentes na formação, uma vez que o programa de residência escolhido pressupõe uma atuação generalista.

    Eu sinto que eu ganhei outras oportunidades de ensino que eu nunca teria aprendido se eu estivesse trabalhando sozinha. Eu não queria ficar numa coisa só, eu queria que a medicina de família e comunidade fosse uma grande base, pra eu atuar e resolver a maioria dos problemas, e a maioria dos problemas não é uma doença só. Então foi frustrante, e isso foi difícil nesse sentido. O problema disso foi que eu perdi de ficar um tempo com a pediatria, ginecologia, que tavam com seus serviços parados, só com teleatendimento, não tinha demanda pra eu aprender, então isso foi uma “perda”, mas teve um “ganho”, a outra parte de eu aprender o manejo da pandemia e tudo mais. Carol (R1, médica em Medicina de Família e Comunidade).

     

    CONCLUSÃO

    As narrativas apresentadas apontam para a valorização da experiência da pandemia enquanto possibilidade de aprendizagem, embora os residentes reconheçam as dificuldades enfrentadas com as mudanças. Demonstraram resiliência e capacidade de absorver aprendizados importantes para sua formação, ainda que tenham percepções distantes quanto às experiências e aos conteúdos transformados pela pandemia.

    O tensionamento produzido no processo de formação profissional, decorrente das mudanças nos serviços de saúde como reorganização do processo de trabalho, provocaram um distanciamento entre a prática do residente em saúde e a expectativa do trabalho interprofissional.

    A pandemia reforçou a necessidade de ajustamento e flexibilidade para se inserir no processo de trabalho, redefinindo seu papel profissional para atender as demandas dos serviços de saúde. É importante reconhecermos o esforço dos residentes em saúde nesse processo de ajustamento, pois enfrentaram o perigo de atuar na linha de frente da pandemia ao mesmo tempo que lidaram com as frustrações de estarem exercendo funções distantes de suas formações profissionais e das expectativas de formação na residência.

  • Keywords
  • Residências em saúde; Covid-19; Educação em saúde; Formação profissional.
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
Back