FAZENDO CIÊNCIA E GERANDO VIDAS: MULHERES, MATERNIDADE E ACADEMIA

  • Author
  • Vitória Monteiro Rodrigues
  • Co-authors
  • Carolina Araújo Londero , Bruno Moraes da Costa Weis
  • Abstract
  • O feminismo é um movimento político que busca a emancipação das mulheres, dos padrões e expectativas comportamentais baseadas na discriminação de gênero e possui uma historicidade que perpassa a luta para além de política, a social, sendo trabalhada na perspectiva de “ondas”, que totalizam-se em três, havendo, ainda a chamada “quarta onda”, conforme algumas autoras que refere-se à interseção do movimento aos avanços tecnológicos e teóricos. Destacamos aqui que esta discussão possui como referencial teórico o livro “Feminismo na atualidade a formação da quarta onda”, de Jacilene Maria Silva.

    Em seus achados, ressalta resumidamente que a primeira onda do feminismo foi marcada pela luta do sufrágio feminino, interligada à demanda por uma educação mais ampla para as mulheres, de classes sociais dominantes. Já na segunda onda, tinham o corpo enquanto fator relevante à luta feminista, por isso suas críticas e protestos se direcionavam bastante às explorações sobre o corpo da mulher, mas foi nesse período que começa a ideia da interseção dos marcadores sociais, como das mulheres lésbicas, mulheres da classe trabalhadora e mulheres negras num movimento do feminismo identitário. Desse modo, inicia-se a terceira onda, nos anos 80 para os anos 90, que foi marcada por acontecimentos históricos que acarretaram diversas mudanças sociais, refletindo no cenário atual. 

    Além disso, as feministas na época também questionaram o conteúdo sexista nos currículos escolares e buscaram a inclusão de uma perspectiva de gênero na educação. Elas lutaram contra estereótipos e normas sociais que limitavam as opções educacionais das mulheres e reforçavam papéis de gênero tradicionais. Nas décadas de 1960 e 1970 que o movimento foi fundamental para impulsionar mudanças significativas na sociedade em relação à igualdade de gênero, incluindo no âmbito educacional. Essa luta contribuiu para avanços importantes que beneficiaram as mulheres no acesso à educação e no início da quebra de barreiras de gênero no ambiente acadêmico, luta essa que é contínua até os dias atuais. 

    O ingresso efetivo das mulheres nas universidades aconteceu primariamente nos Estados Unidos da América, em 1837, com a criação de universidades exclusivas para mulheres. Ainda que seja um avanço educacional marcante, este acesso era exclusivo para o bacharelado. Nesse sentido, os países começaram a realizar a promulgação de leis e políticas públicas que proibiam a discriminação de gênero nas instituições educacionais, para promover não somente o acesso de legislativo, mas também efetivo. Já no Brasil, as mulheres só tiveram acesso ao ensino superior no final do século XIX. Num viés meritocrático, a partir dos discursos dogmáticos, o retardo das mulheres no acesso e às mesmas oportunidades dos homens deu-se exclusivamente por vontade, mas já se sabe que essa ausência não foi voluntária, uma vez que não havia nenhuma preocupação com a educação que era fornecida às mulheres, acarretando invisibilidade na área educacional. 

    Nos dias de hoje, a situação é bem diferente daquela do início da luta das mulheres contra a invisibilidade nos ambientes acadêmicos e laborais. Felizmente, já foi ultrapassada a construção social que se criou a respeito do lugar que a mulher deveria ocupar na sociedade, tendo reflexo direto nas oportunidades ofertadas para elas, tendo como grande fator o avanço legislativo dos países em prol de assegurar e promover uma igualdade de gêneros na sociedade. A criação de legislações e políticas públicas auxiliaram e garantiram um acesso mais equitativo à educação superior para mulheres, impactando diretamente na estrutura da sociedade, uma vez que a mulher deixa de exercer, de forma exclusiva, o papel doméstico e materno para ingressar no mercado de trabalho, assim como, no ambiente acadêmico. 

    Diante das intensas lutas femininas em prol de conquistar um local de igualdade de oportunidades, retirando-as da invisibilidade educacional, que, atualmente, a mulher é maioria nas universidades do país, como aponta o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, mas ainda assim é minoria exercendo cargos de docentes em universidades e cargos de lideranças nestes mesmos espaços. Contudo, em que pese seja inegável o avanço de oportunidades para as mulheres, assim como, as políticas afirmativas oriundas da evolução legislativa do Brasil, a realidade é que foi garantida à mulher, acrescentar uma função às já existentes. Isto é, a mulher não deixou de exercer o papel que lhe foi atribuído a anos atrás, de esposa, mãe, dona de casa para realizar a graduação, virar pesquisadora e trabalhar, ela acrescentou afazeres. 

    Esse trabalho invisível - ser mãe, esposa, realizar os afazeres domésticos - acarreta um acúmulo de função e um estresse e cansaço muito além do que o enfrentado pelo homem, uma vez que as cobranças da sociedade a respeito da educação do filho, da alimentação e da limpeza da casa recaem sob a mulher. Desse modo, existir e resistir a um ambiente acadêmico e laboral intenso e estressante, com prazos a serem cumpridos, pode causar a evasão de mulheres que possuem essa dupla - senão tripla - jornada. Diante dessas circunstâncias, se faz necessário refletir e construir um espaço em que a escolha da maternidade e do casamento não impeça a mulher de ocupar seu local na academia. Isto é, que a mulher não precise optar por uma vida pessoal ou um diploma. 

    Nesse sentido, destaca-se o Projeto de Lei nº 1.741/2022, de autoria da Deputada Talíria Petrone, o qual dispõe sobre a prorrogação dos prazos de conclusão para estudantes e pesquisadores da educação superior, em virtude de parto, ou nascimento de filiação, ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção, ou licença adoção. Esse projeto é de extrema importância para a mulher pesquisadora, uma vez que a prorrogação do prazo para conclusão de dissertação de mestrado e tese de doutorado, possibilita que a mulher efetivamente possa realizar a conclusão de sua pesquisa, sem ter como consequência de sua escolha de ser mãe, a impossibilidade de fazer jus a sua titulação. 

    O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas continua pendente de apreciação e votação do Senado Federal. Caso seja aprovado, será encaminhado ao Presidente da República que, caso realize a sanção, passará a vigorar como Lei em todo o território nacional. A consequência desta aprovação é a aplicação da Lei, e suas prerrogativas, em todas as Universidades do país. É de suma importância que esse Projeto seja aprovado em todas as instâncias para ser garantido mais um direito às mulheres pesquisadoras, uma vez que, necessitam de um apoio para além do acesso à universidade e pesquisa. Isto é, proporcionar apenas o acesso a esses lugares, sem a efetiva possibilidade de conclusão e recebimento de sua titulação pela escolha da maternidade é infringir - ainda que indiretamente - direitos humanos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal, fortalecendo a disparidade de gêneros, assim como, disparidade de tratamentos, as quais devem ser veementemente vedadas na sociedade globalizada. 

     

    Diante do exposto, conclui-se que graças aos movimentos feministas e suas ondas as mulheres hoje possuem acesso efetivo nas universidades do país, assim como, aos ambientes acadêmicos de qualidade. Entretanto, o desafio agora não se trata mais da plenitude do acesso, mas sim da efetivação das políticas afirmativas para a conclusão da pesquisa e sua titulação, sem a necessidade de optar entre uma vida pessoal ou a carreira profissional, tendo como fator relevante para essa concretização às alterações legislativas do país. 

  • Keywords
  • Maternidade, Acadêmia, Ciência, Mulheres
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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