Apresentação
Durante as etapas de diagnóstico, tratamento e acompanhamento, os pacientes com câncer de cabeça e pescoço enfrentam desafios complexos que demandam cuidados complexos em cada fase da doença. A avaliação multidisciplinar, com a abordagem interdisciplinar, permite identificar alterações precoces e possibilitar escolha de intervenções que melhorem a qualidade de vida deste indivíduo.
Este trabalho relata a experiência de atuação de uma cirurgiã-dentista em um ambulatório multiprofissional de cabeça e pescoço durante o período de residência no Hospital Universitário de Santa Maria. O ambulatório, um complemento do ambulatório médico de cirurgia de cabeça e pescoço, conta com uma equipe fixa composta por cirurgiã-dentista, fonoaudióloga, nutricionista, enfermeira e psicóloga, além de contar com profissionais de apoio que atuam na forma de matriciamento como o farmacêutico, assistente social e fisioterapeuta.
Desenvolvimento do trabalho
O ambulatório multiprofissional de cabeça e pescoço foi criado em março de 2013, contando com uma equipe multidisciplinar composta por residentes de enfermagem, fonoaudiologia, serviço social e terapia ocupacional, com a colaboração da equipe de enfermagem do serviço. O último registro apresentado foi no plano de ação do ano de 2017, encerrando assim as atividades devido a questões de ausência de preceptoria. No entanto, devido a importância deste ambulatório na intervenção aos pacientes de cabeça e pescoço, o mesmo foi reaberto com a turma de residentes de 2022-2024 da área de Saúde do Adulto com ênfase em Doenças Crônico-Degenerativas.
A reabertura foi motivada pela necessidade de discutir casos de forma colaborativa, com foco no planejamento e compartilhamento do cuidado com vistas ao atendimento integral do paciente. A diversidade de profissionais envolvidos garante uma atenção interdisciplinar, levando em conta as competências e limitações de cada área para alcançar um atendimento de qualidade e resolutivo.
Neste ambulatório, os pacientes são acompanhados desde o estágio inicial da investigação da doença, ou seja do diagnóstico para câncer de cabeça e pescoço, seguindo no pós alta na rede de atenção. Esta estratégia possibilita orientar os pacientes sobre os vários aspectos ao longo do tratamento quanto aos cuidados com os dispositivos que irão acompanhá-los no decorrer da doença. O apoio psicológico, o acompanhamento de questões relacionadas à deglutição e comunicação, a investigação quanto a necessidade de vias alternativas de alimentação e/ou suplementação alimentar, as orientações odontológicas e avaliação de condutas necessárias são elementos essenciais desse atendimento integrado.
Resultados
A colaboração entre diversos profissionais de saúde permite oferecer cuidados abrangentes a pacientes com câncer de cabeça e pescoço, durante um período de fragilidade. A Residência Multiprofissional em Saúde, apesar de desafiadora, agrega ao serviço de saúde aspectos como formação contínua, integração do trabalho em equipe, ampliação das ações de saúde, humanização da assistência e promoção do cuidado. A atuação interdisciplinar no modelo do ambulatório multiprofissional desempenha um papel decisivo na formação profissional e na prestação de atendimento de excelência ao paciente.
O câncer de cabeça e pescoço representa uma parcela significativa dos tumores malignos a nível mundial. Segundo pesquisas, cerca de 40% dos casos ocorrem na cavidade oral, 25% na laringe, 15% na faringe, 7% nas glândulas salivares e 13% em outros locais. As opções de tratamento para pacientes com câncer de cabeça e pescoço, dependendo da localização e estágio da doença, incluem cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia. Embora esses métodos sejam eficazes na cura do câncer, podem causar alterações em tecidos saudáveis, impactando negativamente a qualidade de vida do paciente. Percebe-se que a maioria dos casos é diagnosticada em estágios avançados, o que demanda tratamentos como quimioterapia e radioterapia, evoluindo para um prognóstico não favorável.
Um dos locais amplamente afetados por efeitos adversos é a cavidade bucal, as alterações incluem, xerostomia (sensação de boca seca), mucosite (ulcerações dolorosas em tecidos não queratinizados da cavidade bucal), candidíase (infecção fúngica), cárie de radiação e osteorradionecrose. A cárie de radiação é uma forma agressiva de cárie, causada pela disfunção das glândulas salivares e pela alteração do pH bucal, sendo progressiva e potencialmente necessitando de extrações dentárias rápidas. A osteorradionecrose ocorre devido aos danos irreversíveis nos osteócitos e no sistema microvascular, que tornam o osso hipóxico, hipocelular e hipovascularizado. Isso resulta na perda da mucosa de revestimento e consequente exposição óssea, causando dor, odor fétido, dificuldades de mastigação e fonação, fraturas patológicas, infecções locais ou sistêmicas.
No contexto do ambulatório, a odontologia desempenha um papel fundamental na orientação de cuidados pré e pós tratamento do câncer. O cirurgião-dentista é responsável por orientar como o tratamento pode impactar a cavidade bucal, especialmente no que diz respeito à radioterapia. Durante as consultas, os pacientes passam por uma avaliação bucal detalhada para identificar possíveis alterações bucais que possam impactar no tratamento ou serem agravadas por ele. Com base nas alterações encontradas, é realizada a orientação sobre os cuidados necessários e encaminhamento para o tratamento odontológico, garantindo a adequação da cavidade bucal, que é crucial para pacientes que farão radioterapia na região de cabeça e pescoço.
A fim de contornar o aparecimento de desordens bucais, é de fundamental importância educar o paciente sobre a necessidade de adequação do meio bucal antes de iniciar o tratamento com radioterapia e manter acompanhamento odontológico regular ao longo da vida. Isso inclui resolver problemas dentários pré-existentes, como presença de doença cárie ou infecções, bem como a realização de procedimentos preventivos, como aplicação de flúor ou selantes, para proteger os dentes dos efeitos da radiação.
Uma das principais vantagens do trabalho no ambulatório multiprofissional é a oportunidade de colaboração interdisciplinar. O residente atua em estreita colaboração com outros profissionais de saúde para proporcionar um cuidado abrangente aos pacientes. Isso inclui coordenação de planos de tratamento, troca de informações sobre o progresso do paciente e encaminhamento para serviços de apoio secundário.
Este serviço se destaca por oferecer orientação e apoio, desmistificando tabus e promovendo geração de vínculos positivos, refletindo positivamente na adesão ao tratamento, uma vez que as ações de promoção, prevenção e educação em saúde contribuem para a redução da ansiedade e nervosismo dos pacientes e seus familiares.
Os benefícios de uma equipe multiprofissional com abordagem interdisciplinar incluem a melhoria das condições de saúde dos pacientes antes da realização de procedimentos, sejam eles cirúrgicos ou oncológicos, além do fortalecimento de vínculos com melhor resposta de adesão ao tratamento. Outro ponto de extrema importância está na replicação do conhecimento, encorajamento quanto a mudanças no estilo de vida, correção dos fatores de risco, assim como o aprendizado ampliado e colaborativo dos profissionais envolvidos.
Considerações finais A reabertura deste ambulatório Multiprofissional de cabeça e pescoço trouxe resultados significativos em termos de promoção e assistência à saúde em diversos cenários. O paciente tem uma vinculação efetiva o que reflete diretamente nos resultados do tratamento, assim como o acolhimento às suas necessidades que surgem no decorrer desta trajetória.
Os profissionais envolvidos atuam de forma colaborativa, uma vez que a equipe multiprofissional realiza a consulta de forma integrada, o que resulta em tomada de decisões mais eficazes. Corroborando, o ambulatório médico acontece no mesmo turno, possibilitando o compartilhamento do cuidado. Neste sentido, infere-se que este serviço possibilitou a quebra de paradigmas na assistência ao paciente com câncer, apropriando-se de ferramentas baseada em evidências científicas que, à luz da literatura, geram resultados concretos de qualidade.