A educação do ensino superior no Brasil, historicamente, tem como foco a formação técnica-científica eurocentrada do profissional, muitas vezes não contemplando as experiências de troca e escuta ativa que esses estudantes precisarão exercer ao longo de sua trajetória profissional dentro do território nacional. Esse movimento silencia populações tradicionais, gerando violência e preconceitos, além de não permitirem o pensar e agir na formulação de políticas que rompam esse ciclo. Este projeto, realizado em extensão institucional eixo Saúde e Sociedade, foi pensado para que os estudantes de graduação, áreas humanas e saúde, e a população indígena Kaingang, do Território Indígena Apucaraninha-Paraná, tivessem contato e, a partir dele, surgissem, de maneira dialógica, linhas de desterritorialização para a construção de novos percursos e saberes. O objetivo inicial foi de compreender a organização social e as manifestações culturais do povo Kaingang a partir dos seus sentidos atribuídos ao fenômeno da dor, sua percepção e seu enfrentamento. O Projeto foi estruturado, primeiramente, com apropriação, em sala de aula, dos conhecimentos sobre os Povos originários no Brasil, seu traçado histórico e situação atual. A partir desse apanhado, realizou-se rodas de conversa sobre o que pensavam do tema antes e depois de receber as informações. Em um segundo momento, foi proposto um debate sobre o tema norteador "Dor", considerando seus próprios horizontes de conhecimento e suas repercussões em nossa sociedade, interferência no dia a dia e condutas terapêuticas. Os estudantes foram divididos em “grupos interdisciplinares”, sendo que cada grupo deveria possuir, no mínimo, um estudante de cada curso. que participariam juntos, a partir daquele momento, das atividades propostas e das visitas ao território. Os instrumentos escolhidos para ida ao campo foi o roteiro de entrevista semiestruturada sobre dor e o diário de campo individual. Os encontros aconteceram no pátio comum da escola de ensino médio bilíngue, ambiente aberto, com teto em formato hexagonal, sem chaves, portas ou paredes. Ali os saberes e trocas fluiriam. O estranhamento mútuo e poucas palavras foi mudando com o avançar dos dias, a timidez tranformou-se em risadinhas, conversas gesticuladas, olhares a procura do tradutor. Ao término dos 4 meses, as entrevistas estavam feitas, os diários entregues em cópias - estudantes guardaram os originais; entre dias de sol, chuva, frio e calor, Kairu e Kame abençoou cada encontro ali repartido. As expectativas deram lugar a uma realidade calma e empática, o olhar do outro se desnudou, produzindo potencias de vida. A dor ficou como evento secundário, dados importantes recolhidos, mas que ficarão para um segundo momento. O que produzir de ação final? “Professora, que tal uma festa?”. Eles queriam celebrar. Os Kaingangs logo concordaram, a excitação era mútua. Assim se fez. Danças de dois mundos, comidas, bebidas, caixa de som e manacás. Não faltaram sorrisos. A extensão foi cercada por desafios, impossíveis de serem apenas descritos aqui. Colocar estudantes de uma instituição particular em um projeto tão ousado quebrou diversas barreiras. Existem, ainda, inúmeras a serem transpostas, mas as linhas de fuga já começaram a acontecer, novos estudantes estão em percurso. E que esses “Fabricantes-de-interiores-em-revolta” possam mudar o mundo.