Dentro da formação profissional em Psicologia para o contexto do Sistema Único de Saúde, torna-se necessária a promoção de espaços de ensino-aprendizagem que possibilitem a inserção dos estudantes de graduação nos dispositivos públicos, com o intuito de ampliar sua visão em saúde e propiciar novas estratégias de intervenção e cuidado, ancorados nos princípios e diretrizes do SUS. Nessa perspectiva, o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (Ver-SUS) visa a imersão de estudantes de graduação e participantes de movimentos sociais no SUS, conhecendo seus territórios e demandas. Assim, o objetivo desse trabalho é relatar a experiência de acadêmicas do Curso de Psicologia, viventes no projeto Ver-SUS Potiguar, iniciativa da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN) com o apoio da Rede Unida, no município de São Gonçalo do Amarante/RN. Esta edição do Ver-SUS Potiguar teve como foco os pontos de atenção das Redes de Atenção à Saúde (RAS), sendo visitados dispositivos da Atenção Primária à Saúde (APS) e Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), sediados nos municípios de São Gonçalo do Amarante, Lagoa Nova e Pau dos Ferros no Rio Grande do Norte (RN), durante 6 dias de vivência e imersão - de 29 de janeiro a 03 de fevereiro de 2024. O presente relato diz respeito à vivência de acadêmicas do Curso de Psicologia, viventes do projeto no município de São Gonçalo do Amarante/RN (SGA/RN). Referente a RAPS, foram visitados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) II e AD em e o Hospital Geral Dr. João Machado (HGJM) em Natal/RN. O CAPS II atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes; já o CAPS AD II atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. Os usuários dos serviços muitas vezes buscam apenas a medicação, evidenciando a prevalência do paradigma biomédico no cuidado em saúde mental. Essa ênfase excessiva nos medicamentos, limitado a uma abordagem farmacológica, deixa de lado outras formas de intervenção, como terapias psicossociais e a reabilitação comunitária. No município de São Gonçalo do Amarante, os dois Centros têm funcionado temporariamente no mesmo prédio, o que reduz as salas disponíveis para realização de atividades, além de contar com uma equipe reduzida de profissionais, oferecendo atendimento somente por meio período. Destacam-se as oficinas artesanais realizadas no CAPS II com os usuários, utilizando bulas e caixas de medicamentos que seriam descartados para recriar itens do folclore local, o que contribui para o reconhecimento da identidade enquanto cidadão e integrante da cultura do território. Quanto ao HGJM, evidencia-se o esforço da gestão e equipe multiprofissional em fornecer um serviço de saúde humanizado e comprometido com a luta antimanicomial, buscando reduzir o período de internação e promover saúde de diversas formas. São realizadas atividades para além da lógica biomédica, como as PICS (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde) e atividades culturais - carnaval, visitas a museus, cinema, atos ecumênicos e outras festividades. Além disso, conta com uma horta para cultivo pelos usuários do serviço, utilizado para o alimento dentro do próprio hospital, além das mudas serem colocadas à venda na entrada, a fim de apoiar financeiramente os pacientes após receberem alta. Apesar desses significativos avanços, a estrutura da ala psiquiátrica ainda é a mais antiga, sendo marcada pela presença de grades e portões de ferro, mantendo uma atmosfera de tensão e encarceramento. Por outro lado, as vivências nos dispositivos da Atenção Primária à Saúde aconteceram na UBS Uruaçu, localizada na zona rural do município, UBS Alexandre de Morais Mangueirão, UBS Severino José de Lima na Serrinha. Em geral, as equipes são compostas por nutricionistas, enfermeiras (os), técnicas (os) de enfermagem, médica (o) e agentes comunitários de saúde. A presença de profissionais da fonoaudiologia e psicologia foram encontradas apenas na unidade da Serrinha. As principais demandas identificadas foram de hipertensão, diabetes e demandas relacionadas à saúde mental, contudo, em determinadas áreas mais afastadas do centro e próximas ao rio, havia muitos casos de leishmaniose. Ademais, os acidentes de trabalho também ocorriam em números preocupantes nas áreas de uma pedreira, visto que os trabalhadores informais não possuem equipamentos de segurança adequados e as condições são precárias. Destarte, o adoecimento do trabalhador está relacionado às condições materiais e os tipos de trabalhos realizados. Identificamos essas demandas ao conhecer o território e conversar com os moradores da região. Por fim, também discutimos acerca das atividades em grupo das unidades. Ao longo de toda a vivência, fomos agraciados com atividades culturais, como a visita ao monumento Galo Branco da Dona Neném, símbolo da cultura de SGA. Inicialmente, tratava-se de um objeto feito de barro, com a função de resfriar a água nas casas dos habitantes, até que a artesã D. Maria das Neves Felipe (D. Neném), o transformou através da pintura. Bem como visitamos o Mercado de Artesanato que leva o nome da artista D. Neném. Outra expressão cultural característica da cidade são os grupos de dança de bambelôs, assim, assistimos à apresentação do grupo local Bambelô da Alegria. Pudemos conhecer um pouco mais sobre a história e a relação com as pessoas da cidade do bambelô na visita ao Museu Sephora Maria Alves Bezerra. Conhecemos também o monumento em memória aos mártires de Cunhaú e Uruaçu, vítimas do massacre de 3 de outubro de 1645 por motivações religiosas. Por fim, assistimos à apresentação do grupo local pastoril Dona Joaquina. Por conta disso, a data tornou-se um feriado no Estado. Tais atividades foram de suma importância, uma vez que conhecer a história de um povo e sua cultura são importantes para compreender como a população se organiza, seus meios de sobrevivência e como acontece o cuidado em saúde. Os determinantes em saúde vão muito além do DNA e dos fatores genéticos, estendendo-se ao CEP (Código de Endereçamento Postal) são reflexo da vida material, como condições sociais, econômicas, ambientais e culturais do território que os sujeitos ocupam.. Ter esse contato mais próximo com a população de São Gonçalo, não só dos dispositivos de saúde, nos trouxe uma visão mais ampla da saúde nesse território, além de conhecermos a cultura rica dessa cidade. Diante desses fatores, a participação no programa possibilitou aprofundar nossos conhecimentos acerca do SUS ao vivenciar na prática os seus desafios, potencialidades e compreender a sua importância. Desenvolvemos habilidades imprescindíveis, como a capacidade de trabalhar em equipes multiprofissionais, o contato com a diversidade de opiniões dos viventes, facilitadores e profissionais de saúde, a empatia para lidar com as divergências e construir senso crítico. Portanto, este projeto representou uma oportunidade de conhecimento das práticas de saúde, da realidade social e cultural, do trabalho interprofissional e da formação para além dos muros da universidade, fornecendo uma importante experiência para nossa trajetória acadêmica e futura atuação profissional, com ética, equidade e justiça social.