Apresentação: a violência contra as mulheres permanece em nosso meio, ora mantendo sua estrutura arcaica, ora ganhando novas formas. Mesmo com as leis e políticas públicas instituídas para o enfrentamento à violência contra as mulheres, em pleno século XXI, ainda ouvimos frases como “em briga de marido e mulher não se mete a colher”; “ela estava procurando, olha só a roupa que ela estava usando”. Ou seja, ou não é um problema meu, ou a culpa ainda é atribuída a vítima. Nesse sentido, a luta pela superação de todas as formas de violência contra as mulheres é um grande desafio, que deve envolver todos os setores da sociedade. Como a violência traz sequelas e viola os direitos humanos, causando danos para quem a sofre e, consequentemente refletindo em toda a sociedade, é importante que se tenha um olhar diferenciado ao combatê-la. Os obstáculos que se apresentam para o enfrentamento a violência contra a mulher vão desde a qualificação dos serviços e capacitação dos profissionais dos serviços envolvidos no atendimento à mulher em situação de violência, à criação de espaços de escuta, implantar fluxos e protocolos, políticas públicas que se articulem entre os serviços da rede de atendimento. A mulher em situação de violência nem sempre procura o serviço para um atendimento direcionado ao problema da violência. Essa procura pode se dar por outras queixas e situações, cabendo ao profissional avaliar e identificar possíveis situações de violência. Portanto, é necessário que a rede tenha estratégias para o rompimento dos ciclos da violência, interrompendo o sofrimento e evitando a revitimização, a partir de um atendimento integral direcionado às demandas e necessidades, articulando de forma interdisciplinar e intersetorial conforme as necessidades da mulher. A rede de enfrentamento tem papel essencial na quebra desse silêncio coletivo e em dar visibilidade às relações que se estabelecem quando se depara com a violência sofrida pelas mulheres. O presente estudo teve como objetivo analisar a organização e funcionamento da Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica, Familiar e Sexual contra as Mulheres do Município de Londrina. Desenvolvimento do trabalho: trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e analítico, realizada durante o mestrado em Saúde Coletiva da UEL, aprovada em 05 de abril de 2021 pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, com o número do Parecer 4.630.051. Foram utilizadas técnicas mistas de análise de dados: observação participante com registro de informações em diário de campo, análise documental, e entrevistas. Para a sistematização e análise os dados, empregou-se a Análise de Conteúdo proposta por Bardin. A primeira fase tratou da organização do material a ser analisado, foi realizada escuta e transcrição das gravações das entrevistas, leitura flutuante do corpus das atas, do diário de campo e das entrevistas que ocorreram no período de abril a maio de 2021 com membros da rede. Na fase de exploração do material, os textos foram recortados em unidades de contexto e unidades de registro. Estas unidades foram agrupadas de acordo com semelhanças de sentido e foram-lhes dados a unidade de conteúdo temática. Na sequência, as unidades de registro foram relidas, emergindo duas categorias empíricas: estratégias de articulação da rede de atendimento, e potencialidades e fragilidades da rede de enfrentamento. A terceira fase compreendeu o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, retomando o objetivo da investigação que é analisar a organização e funcionamento da rede. Resultados: entre os participantes da pesquisa as mulheres são a maioria, 27 (96,4%). Em relação aos cargos, são psicólogos (32,1%) e assistentes sociais (21,4%), expressão das relações de gênero, pois são profissões a muito delegadas às mulheres, por estarem relacionadas ao cuidado. A organização da rede iniciou em 1986, com a Delegacia da Mulher, em 1988 o Conselho Municipal de Direitos das Mulheres e em 1993 a Coordenadoria Especial da Mulher, seguido da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres em 2003. Atuar em equipe é um dos facilitadores da articulação na rede. A atuação coordenada e a forma como as reuniões são planejadas, conduzidas e os debates são as ferramentas que proporcionam o trabalho em equipe. A referência e contrarreferência são dificuldades na articulação da rede de atendimento. Os motivos da não realização dessas ações são: baixo número de profissionais, ausência de fluxo formal e excesso de demanda. A rede estruturada é uma potencialidade devido o município estar na vanguarda da organização e da implantação de políticas públicas e ter respaldo nas leis e decretos. A falta de participação e de comprometimento dos membros, provoca fragilidade nos elos e nas articulações e se apresenta como um desafio para a rede. Considerações finais: entende-se que é necessário o fortalecimento das potencialidades e superação dos desafios da rede. O município de Londrina conta com uma Rede formalmente instituída, que trabalha para garantir estratégias que contemplem os quatro eixos da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, que são: a assistência, a prevenção, a proteção e os direitos humanos das mulheres. Entre as potencialidades da rede destacam-se iniciativas desenvolvidas para o enfrentamento a violência contra as mulheres que impactam positivamente na organização e no fortalecimento das ações de articulação, o que contribui para a ruptura das situações de violência. Esta organização representa a consolidação de políticas públicas para as mulheres, conquistada a partir de lutas e movimentos feministas e sociais, e de leis e decretos. A rede se organizou a partir do I Plano Nacional e da legislação municipal específica para o enfrentamento a violência contra a mulher. Dessa forma, é evidente a importância da legislação para a implementação e manutenção das políticas públicas no município. As reuniões enquanto espaço democrático no qual se discute políticas públicas transversais, onde são apresentados os papéis dos serviços que integram esta rede, são realizados o planejamento, a implantação e a implementação de fluxos e protocolos, em busca de garantir o acesso das mulheres à serviços públicos de qualidade, com a finalidade de combater à violência e de trabalhar as questões de gênero, é um espaço extremamente potente e necessário. Percebeu-se que a Lei Maria da Penha é considerada um marco na luta contra a violência contra as mulheres, porém, há a necessidade de as pessoas conhecerem esta Lei, dela ser inserida nas grades curriculares desde as séries infantis até a universidade, além disso, tal lei deve evoluir legislativamente e ser mais específica, resolutiva, reduzindo assim as margens para a subjetividade. Isso nos leva a entender que a legislação instituída não garante, ao menos na prática, a proteção que a mulher necessita e muitas vezes a expõe a uma nova situação de violência, deixando-a ainda mais vulnerável. Ainda há muito a avançar, considerando que a rede apresenta desafios em seu processo de articulação e integração de serviços, uma vez que muitos destes trabalham de forma isolada.