Apresentação: O polo base de Filadelfia é um dos 13 Polos Base do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Solimões (DSEI ARS), estando localizado na região da tríplice fronteira entre Brasil-Colômbia-Peru, que atende uma população de 8.744 indígenas aldeados, com 2.198 famílias, 1.587 residências (SIASI/2023). Os indígenas pertencem às etnias Ticuna e Kocama, que estão distribuídas em 24 aldeias situadas no município de Benjamin Constant. A população é atendida por cinco Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) e uma Casa de Apoio.
Em novembro de 2021 o DSEI realizou o segundo Encontro de trocas de saberes com pajés, rezadores, parteiras nos 12 polos bases de abrangência do DSEI, que contou com 505 participantes. O Polo base de Filadelfia chamou atenção, pois dos 56 participantes da oficina 42 eram profissionais da EMSI. Foram realizadas orientações a EMSI para atualização do cadastro dos especialistas tradicionais e a EMSI se reuniu com as lideranças, pajés, rezadores e parteiras para oferecer apoio e conhece–los melhor. Durante a Oficina foram aplicados os cadastros de pajés e rezadores e de parteiras. Ao analisar os cadastros verificamos que apenas 37% das parteiras referem que já participam de oficinas, e quantos aos pajés e rezadores 40% já participam de oficinas.
Objetivos: O objetivo das Oficinas foi promover o diálogo entre as EMSI e os curandeiros tradicionais, pois os saberes dos especialistas indígenas tradicionais são uma rede viva nas aldeias. As Oficinas aconteceram em um e dois dias e convidou tanto profissionais de saúde como todas as pessoas que se auto reconhecem como curador, rezador e pajé. A realização de oficinas são momentos de aproximação das equipes multidisciplinares de saúde indígena para ouvirem as colocações dos pajés/rezadores, assim como as dificuldades e necessidade de ampliação do cuidado em saúde da população indígena.
Métodos: A Oficina de Trocas de Saberes entre pajés, rezadores, curandeiros e parteiras tradicionais, EMSI e lideranças foi realizada entre 21 a 23 de setembro de 2022. A Oficina teve o apoio do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (Lahpsa/Fiocruz Amazônia) e da Universidade Estadual do Amazonas (UEA)/mini laboratório de Cartografia social da Amazônia. A estratégia utilizada na oficina foi da construção do diálogo e colaborativa, apresentação da origem das doenças e como realizar a cura, sendo apresentadas por meio de cartazes, dramatização e, ao final, foi apresentada uma carta de demandas dos participantes. Resultados: Houve 87 participantes entre especialistas indígenas, EMSI, lideranças, estudantes e pesquisadores. Contou ainda com a participação de especialistas indígenas do DSEI Alto Rio Negro, estudantes, pesquisadores. Foram abordados temas sobre origem das doenças na tradição indígena, os modos de cuidados tradicionais, os tratamentos, suas curas espirituais, os cuidados interculturais, orientações e resguardos. Após cada apresentação, havia diálogos para refletir nas possibilidades de trocas entre a EMSI e os cuidadores tradicionais na vigilância colaborativa dos especialistas junto aos cuidados.
Os especialistas apresentaram as suas rezas e curas, como as plantas, raízes, cascas, restos de animais, vários tipos de mel, seivas, enzimas, tabacos entre outros. Foi notório que não se trata apenas do uso de utensílios tradicionais no cuidado e sim que os especialistas são formados por toda a vida, observando e acompanhando os mais velhos. A formação faz parte da família, dos ancestrais e que os especialistas são preparados uma vida inteira para atuar como especialistas e realizar as curas quando são chamados. A participação expressiva da EMSI foi essencial para poder acompanhar todo processo, possibilitou conhecer que os cuidados vão para além dos saberes biomédicos. Os cuidados indígenas tradicionais respeitam as plantas, a água, o ar, a espiritualidade, as restrições alimentares levaram ao espaço para a abertura de diálogo entre EMSI e a medicina tradicional indígena.
As apresentações contaram com riquezas de detalhes, permitindo a EMSI um mergulho dos cuidados que existem no chão das aldeias e que estes precisam ser respeitados pelas EMSI. E que o caminho do diálogo é o caminho a ser percorrido para atravessar juntos o banzeiro que encontramos no dia a dia percorrendo os muitos caminhos que os sistemas de saúde têm buscado para reduzir as morbimortalidades maternas, infantis e fetais. E um dos encaminhamentos é a possibilidade de inclusão dos especialistas junto as EMSI aos cuidados e as rodas de conversas mensais espaços de diálogos que devem ser valorizados pelas EMSI.
Considerações finais: Nas aldeias indígenas do DSEI ARS,a presença dos especialistas tradicionais faze parte de uma rede viva, e em casos de adoecimento de qualquer membro da família, são procurados em primeiro lugar e a EMSI só é procurada posteriormente. O que nos mostra que o cuidado precisa ser colaborativo e inclusivo de aceitação e busca em conjunta para uma atenção integral que envolve todas as fases da vida. Os cuidados na saúde indígena não podem prescindir das práticas e saberes da medicina indígena para que efetivamente se realize um cuidado intercultura. Por fim, as oficinas de trocas de saberes com os especialistas tradicionais indígenas e EMSI do DSEI ARS fazem parte das principais estratégias para a valorização dos conhecimentos dos especialistas da medicina indígena para uma saúde ampliada e integral da população. As experiências que vem sendo vivenciadas no DSEI ARS, nos levam a refletir nos cuidados tradicionais, realizados pelos especialistas indígenas que vivem nas aldeias indígenas, e a necessidade de um pensar colaborativo da construção do cuidado, para atravessarmos juntos os banzeiros que nos pegam de surpresa no decorrer do caminhar da viagem em busca da promoção a saúde e busca da “cura” das doenças, que muitas vezes pensamos ser do corpo, mais não levamos em consideração a “ alma”, dos cuidados do território liquido, das plantas, das florestas, dos encantados, do espiritual, do tradicional... E como nós profissionais de saúde que estamos mergulhados neste emaranhado precisamos abrir os olhos para a rede que nos ajudara a resgatar a nossa pescaria de promoção a saúde, a sair limitação dos igarapés que nos encontramos, e seguir a viagem do percurso dos rios do território liquido que nos cercam a atravessar para o outro lado do rio e poder olhar e ter contribuído para mais uma vida, e não apenas ter contribuído para meros indicadores, que julgamos ser alcançados e sim alcançar “vidas”.