O cuidado a crianças e adolescentes em sofrimento, mesmo após a Reforma Sanitária e Psiquiátrica, ficou sempre marginalizado nas políticas públicas brasileiras. Em 2001, a partir da III Conferência Nacional de Saúde Mental (SM) e da Lei da Saúde Mental 10.216 iniciou-se a discussão sobre a necessidade de uma política de SM infantojuvenil, tendo como base um modelo assistencial de caráter territorial e comunitário, o que possibilitou a universalização do acesso aos serviços e cuidados em SM. Estabeleceu-se a parir disso, princípios norteadores de uma Política Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil, expressa em documentos oficiais do Ministério da Saúde. Este trabalho relata parte de uma pesquisa realizada em uma cidade do Sudeste e tem como objetivo apresentar e discutir as dificuldades e potencialidades de uma Rede de Saúde Mental (SM) voltada a crianças e adolescentes, identificando como profissionais compreendem e operacionalizam os princípios da Política de SM Infantojuvenil. Para isso, realizaram-se cinco Grupos Focais, com participação de 43 trabalhadores entre eles psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros e fonoaudiólogos inseridos em diferentes níveis de atenção. Os grupos focais foram gravados e transcritos. As transcrições compuseram um corpus textual que foi submetido à análise lexical por meio do software Iramuteq, originando quatro classes: “O que é ser criança e adolescente?”; “Do que sofrem as crianças e adolescentes?”; “Sobre a relação entre os serviços” e “Potencialidades e desafios da Rede de Saúde Mental”. Identificou-se a partir dos resultados, dificuldades em compartilhar o cuidado, muitas vezes fragmentado, articulando a rede para fora de si por meio de ações intersetoriais. O Capsij é percebido pelos trabalhadores como prioritário para o acolhimento, havendo, ainda, dificuldade em efetivar os cuidados em SM na Atenção Básica (AB). Observou-se a hegemonia do paradigma biomédico orientando as práticas e concepções de cuidado dos infância e adolescência, ainda marcadas pela noção de falta e incompletude desta etapa da vida. Ainda assim, os participantes identificam movimentos de ruptura com esta lógica, geralmente desencadeados pelas tecnologias de trabalho como o matriciamento, pelos espaços de discussão coletiva e as ações dos trabalhadores de diferentes formações e serviços. O cuidado no território e a consideração das histórias de vida dos sujeitos são percebidas como direção ética do cuidado. A identificação de serviços de referência, especialmente dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, como prioridades para o acolhimento do sofrimento psicológico de crianças e adolescentes, apareceu nos relatos, tendo como um dos efeitos a dificuldade de ofertar cuidado na atenção básica. Conclui-se que a complexidade da atenção em SM para crianças e adolescentes impõe a necessidade de continuidade de estratégias de fortalecimento da AB e de ações intersetoriais visando uma clínica ampliada.