Apresentação
A experiência relatada refere-se à avaliação realizada pelos residentes multiprofissionais em saúde sobre o cenário de prática inovador “Projeto Terapêutico singular” (PTS), no ambulatório de pediatria, que tem com público-alvo as crianças cronicamente adoecidas, de uma unidade de saúde materno-infantil de nível terciário. A consigna dada aos residentes como meio da avaliação supracitada foi: elaborar a representação do PTS para a sua formação, de uma forma diferente da escrita e da apresentação oral tradicional, valorizando o vivido no campo de prática. Os formatos de exposição sugeridos para a referida atividade foram: poesia, mural, jogral, música, esquete, cartaz e colagem.
Desenvolvimento
A integração ensino-serviço deste referido cenário de prática inicia-se pelo desafio do cuidado em saúde das crianças com condições crônicas complexas de modo interdisciplinar. Pode-se então dizer que o caráter inovador do cenário dá-se pela integração das diferentes áreas da residência na gestão do cuidado de casos emblemáticos orientada pela ótica da clínica ampliada e tendo acompanhamento mensal em ambulatório de um hospital pediátrico especializado. Como dinâmica, para o campo de prática PTS são selecionados anualmente quatro casos emblemáticos para acompanhamento durante 9 meses, onde cada grupo se encontra mensalmente para o planejamento do Cuidado. Participam do PTS os Residentes de Enfermagem Pediátrica, da Residência Multiprofissional, os preceptores de campo (ambulatório de pediatria), os preceptores das áreas específicas da residência multiprofissional (fonoaudiologia, fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional, farmácia, psicologia e serviço social), assim como a criança e seus familiares.
Compreende-se como caso emblemático para inserção no campo de prática do PTS aquele com complexidade clínica, ou seja, aqueles com condições de saúde sem cura e ameaçadoras da vida - como malformações congênitas e síndromes genéticas - que cursam com dependência de tecnologias duras como gastrostomia, traqueostomia, derivação ventrículo peritoneal, entre outras que possuem interseção com o campo das deficiências. Somada à complexidade de saúde, tornam-se emblemáticos por ausência de linhas de cuidado que abarque tais condições, assim como a inserção em rede diversa e pouco articulada - muitas vezes distante ou ausente do território geográfico - e outros determinantes sociais de saúde inerentes às redes familiares e do território.
O aumento da prevalência de crianças com doenças crônicas não transmissíveis, acarretou a mudança do perfil epidemiológico em pediatria, onde a tecnologia dura possibilitou a sobrevida dessas crianças. Contudo, ao longo do tempo, tornou-se necessário ampliar o uso das tecnologias leves neste cuidado, mesmo em nível de atenção de alta densidade tecnológica, a fim de melhorar a qualidade de vida das crianças e de suas famílias. Após internações prolongadas, o retorno para casa com cuidados múltiplos e contínuos traz desafios para a família e para a inclusão/participação na sociedade. Diante desse desafio, tornam-se estratégias fundamentais para o manejo da gestão de caso de condições crônicas complexas trabalhadas nesse campo: a) inserir criança e família na gestão do cuidado em saúde; b) estimular a interdisciplinaridade, alcançando as zonas comuns a todos os saberes no Cuidado em questão; c) a perspectiva da integralidade, pensando maneiras de cuidar para além do estritamente biológico e também considerando os determinantes sociais que implicam no processo saúde-doença d) articulação com rede intra e intersetorial, principalmente com os serviços em território, a fim de negociar uma resposta partilhada para os problemas comuns.
Resultados:
Ao longo dos 9 meses de atuação no cenário de prática foram realizados dois encontros avaliativos com todos os profissionais envolvidos. O último encontro foi dividido em dois momentos onde no primeiro os residentes trouxeram os pontos positivos e negativos do cenário de prática assim como sugestões para o próximo ano. No segundo momento, a proposta de avaliação deu-se de forma inovadora, pois, diferente da primeira etapa, permitiu que os residentes fizessem uma ligação do cuidado com a arte, estimulando o processo criativo das mais diferentes formas para além dos formatos usuais de apresentação. Como resultado, as equipes apresentaram: o grupo 1 elaborou um chaveiro com foto da criança e sua mãe, principal cuidadora, o qual continha um QR Code (código de resposta rápida) com o link da música favorita da criança; o grupo 2 criou um jogo interativo de palavra-cruzadas, com os próprios participantes da avaliação, utilizando os conceitos acionados no manejo do Cuidado, sendo o gabarito: equipe - articulação - vínculo - desafio; o grupo 3 confeccionou um cartaz com recorte e colagens que traziam imagens que identificavam as preferências da criança, como ir a cachoeira, frequentar a praça do bairro, andar de moto e beber iogurte; e o grupo 4 declamou uma poesia autoral “Gêmeos siameses, laço entrelaçado, No SUS, equipe forte, lado a lado. Assistente, médico, enfermeiro em ação, Juntos, tecendo esperança com devoção; Crianças unidas, desafios a superar, Na união da equipe, o caminho a trilhar. Psicólogo na mente, terapeuta na alma, Fisioterapeuta, movimento que acalma; Fonoaudiólogo, voz que ressoa, Na trama da vida, cada peça se entrelaça. No Instituto da saúde, amor em cada olhar, Gêmeos siameses, esperança a brilhar; Atendimento abraçado, fraterno e terno, No SUS, saúde é direito eterno. Gêmeos siameses, união em canção, Na equipe multidisciplinar, luz em cada ação”. Cabe informar que algumas adaptações na forma original da poesia fizeram-se necessárias para assegurar a não identificação dos sujeitos.
Considerações finais
Através da arte foi possível observar a expressão dos conceitos trabalhados em ato no campo de prática, tais como integralidade, Cuidado, interdisciplinaridade, vínculo, inclusão, dentre muitos outros. Essa forma de avaliação foi possibilitada por conta da criatividade, colaboração e compartilhamento entre os residentes exercida a todo o tempo de atuação no cenário de prática “Projeto Terapêutico singular”, no ambulatório de pediatria . Além disso, a produção artística ajudou a materializar o que se viveu em prática, sendo os materiais produzidos o reflexo dessa experiência, pois fica explícito que, a dimensão do Cuidado de crianças com condições crônicas complexas demanda outras habilidades para além das acadêmicas e formais. Também devido ao fato da sugestão da avaliação estar em formato aberto, o protagonismo e a autonomia do aluno foram fundamentais na sua construção.
Sendo assim, a arte trouxe foco na humanização não só do Cuidado mas também do processo ensino-aprendizado, colocando todos como protagonistas nessa construção.