Apresentação: A comunidade LGBTQIAPN+ representa e promove um movimento importante em busca de visibilidade, garantia e acesso a direitos por melhores condições de vida, oportunidades, ocupação de espaços e diversos serviços, como os de saúde. Esse movimento é uma resistência à necropolítica, que impacta as pessoas desse grupo social, manifestando-se em diversas formas de violência, incluindo, não raramente, tragédias fatais. Mesmo após décadas de debates, o Brasil permanece como um dos principais países em termos de violência contra a população LGBTQIAPN+. Apesar da transfobia ser considerada crime, o Brasil se destaca, por muitos anos consecutivos, como o país com o maior número de assassinatos de pessoas travestis e transexuais. A maioria das vítimas são assassinadas ainda jovens com idade próxima à expectativa de vida, que não passa de 35 anos. Ao considerar esse cenário e a tentativa nefasta de genocídio, a resistência se faz ainda mais importante, por mobilizar e agregar cada vez mais pessoas à comunidade e requerer a garantia de direitos fundamentais já previstos na Constituição Brasileira de 1988. Dessa forma, grupos sociais têm o desafio de ser resistência em espaços de debates políticos, como os espaços das Conferências Nacionais de Saúde.
Objetivo: Analisar a participação da população LGBTQIAPN+ nas Conferências Livres (CL) durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), destacando o ativismo do movimento nessas conferências.
Metodologia: Este trabalho tem uma abordagem qualitativa, descritiva e com base na análise de conteúdo, proposta por Bardin (2011), de duas entrevistas semiestruturadas conduzidas durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (17ª CNS) com três organizadores de duas Conferências Livres (CL), intituladas "I Conferência Livre Nacional de Saúde de pessoas LGBTIAPN+" e "Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia. Amanhã Vai Ser Outro Dia. Saúde da População LGBTQIAPN+", ambas realizadas em 2022. As entrevistas foram realizadas em julho de 2023, durante a programação da 17ª CNS, em Brasília (Distrito Federal), como parte do projeto de pesquisa "Saúde e Democracia: Estudos Integrados sobre Participação Social nas Conferências Nacionais de Saúde", do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Este projeto está inserido na Rede de Cooperação Internacional sobre Participação Social em Saúde e Políticas Públicas (Rede Participa), mantida pela cooperação entre a Associação Rede Unida, o CNS e a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), e foi aprovado pela CONEP sob o protocolo CAAE nº 14851419.0.0000.0008, com parecer nº 6.153.447.
Desenvolvimento: As entrevistas realizadas aos organizadores das CL revelaram a ampla diversidade de indivíduos e pautas aprovadas durante a 17ª CNS. Uma análise minuciosa dessas entrevistas revelou três categorias de análise: (I) Identidade, pertencimento e representatividade; (II) as CL como condição para o exercício da democracia no direito à saúde; e (III) questões políticas de saúde, considerando as necessidades de integrar setores, e atualizar e decolonizar o cuidado. As conferências de saúde compõem o escopo dos fóruns e estratégias participativas do Sistema Único de Saúde (SUS) e têm sido apontadas como dispositivos para inovar a gestão e o cuidado em saúde, abrindo mais espaços para participação social da população LGBTQIAPN+ no sentido de ampliar os próprios cuidados em saúde à população, bem como ampliar a conscientização sobre outras questões, como a necessidade de educação, moradia e renda e o combate à violação à liberdade de expressão e ao comportamento discriminatório. Esse aspecto coloca em destaque as vulnerabilidades que potencializam o adoecimento e a exclusão da população. As experiências mais recentes de conferências nacionais (a 16ª e a 17ª) e conferências livres constituíram estratégias diversas para a expressão da fala do segmento LGBTQIAPN+ e para o registro dessas falas no processo técnico-político das próprias conferências, sendo relevante para superar o histórico de exclusão social, incluindo os sistemas e ações em saúde. As duas CL, mobilizadas pela população LGBTQIAPN+, agregaram pessoas delegadas, promovendo debates e alinhamento de questões que influenciaram diretamente a aprovação das propostas e diretrizes na Conferência Nacional. A participação ativa e os debates ocorridos nas CL se materializaram em propostas apresentadas durante a 17ª CNS, proporcionando visibilidade a questões de saúde importantes para o próximo período quadrienal. Isso é particularmente relevante considerando que a população LGBTQIAPN+ enfrenta obstáculos no acesso e adesão aos serviços de saúde do SUS. A ausência de discussão e representação desses grupos serve como um catalisador para a reivindicação de equidade, universalidade e integralidade nos serviços de saúde. Essa análise amplia as possibilidades de visibilidade e participação, promovendo o diálogo e a luta pelos direitos da população LGBTQIAPN+, destacando a importância dos movimentos sociais na facilitação do acesso à saúde e no fortalecimento do controle social. A importância das CL é que elas emergem como mecanismos de exercício democrático no contexto do direito à saúde, ampliando o convite para a participação e permitindo uma maior representatividade nas decisões políticas. A participação nessas conferências reforça a noção de que o direito à saúde é uma construção coletiva e democrática, resgatando e valorizando demandas historicamente negligenciadas. A luta por visibilidade e inclusão representa uma resistência contra a exclusão e o agravamento das vulnerabilidades que afetam a saúde dessa população. Os próximos passos, após a participação protagonista nas conferências de saúde, consistem em monitorar a execução das propostas aprovadas. Na saúde, esse exercício é importante, pois consiste na garantia da participação social, como é previsto na legislação do SUS, que significa ocupar espaços e requerer condições mais justas e democráticas. Os desafios, portanto, também significam superar fragilidades causadas por abordagens e correntes moral, religiosa e política, como foi vivenciado nos últimos anos e intensificado durante a pandemia de COVID-19.
Considerações Finais: A participação da população LGBTQIAPN+ nas CL desafia o SUS a reconhecer e atender às necessidades específicas desse grupo, reafirmando a saúde como uma questão política. Também nos adverte a romper os padrões que tendem a construir estigmas e, ao mesmo tempo, limitar as pessoas ao acesso aos serviços de saúde. Embora as propostas sejam aprovadas nas Conferências Nacionais de Saúde, a implantação e/ou implementação das políticas enfrenta desafios constantes devido às resistências hegemônicas. A divulgação do impacto desses espaços de participação popular é crucial para a construção de memórias e para as disputas em curso em prol da vida e do cuidado em saúde.