Introdução: Uma universidade federal do interior de São Paulo iniciou ações afirmativas em 2007, incluindo vagas suplementares para indígenas em todos os cursos de graduação, com vestibular específico. As ações afirmativas têm buscado desconstruir assimetrias no ensino superior público, promovendo a diversidade nos cursos, assegurando direito de acesso às populações indígenas e provocando possibilidades de diminuir as desigualdades sociais. Assim, a partir daquele momento, a graduação em medicina passou a ter a presença de indígenas, ocupando o espaço na escola médica, que habitualmente não inclui esses estudantes.
Objetivos: Compreender a trajetória histórica, perfil dos indígenas, estudantes de Medicina, e as vivências relacionadas à permanência no curso da instituição.
Método: Pesquisa de abordagem quanti-qualitativa. Realizou-se o mapeamento dos indígenas que ingressaram de 2007 a 2023, por meio de documentos institucionais. Efetuou-se contato individual, via redes sociais e telefone, com convite para participar da pesquisa. Foram mapeados 16 indígenas ingressantes. Totalizaram-se 13 participantes da pesquisa, com utilização de questionário, entrevistas individuais e roda de conversa.
Resultados: Nos 17 anos de ações afirmativas, 16 indígenas ingressaram, por meio da vaga suplementar, no curso de Medicina. Não houve ingresso de indígenas por meio da Lei nº 12.711/2012, lei de cotas em universidades federais. Os ingressantes tinham idade entre 17 a 42 anos, sendo 11 homens e 5 mulheres, três deles com filhos. Quanto à origem, 10 de Pernambuco, 2 do Amazonas, 2 do Espírito Santo, 1 do Acre, 1 de Alagoas e 1 de São Paulo. Dos povos: Pankará, Jeripancó, Truká, Xucuru de Cimbres, Huni-Kuin, Tikuna, Tariano, Tupinikim, Pankararu, Atikum-Umã e Xucuru de Ororubá. Concluíram o curso 8 dos ingressantes, 5 estão atualmente na graduação e 3 se desligaram antes de se graduarem. Foram analisadas quatro categorias temáticas de conteúdo: motivações para ingresso no curso; dificuldades na escola médica; experiências de desistência; permanência na graduação. As motivações para estudarem medicina na instituição foram diversas, sendo citados o desejo de desenvolvimento pessoal, o compromisso com a comunidade e a possibilidade de adentrar à instituição devido às ações afirmativas. Dentre as dificuldades, foram descritas as relacionadas à metodologia do curso, à fragilidade na formação básica, ao distanciamento da família e às econômicas. Descreveram momentos em que pensaram em desistir do curso, mas destacaram que algumas foram as estratégias de permanência, como: apoio institucional por meio de bolsas, acompanhamento pedagógico, professores apoiadores da causa indígena, outros indígenas do curso de medicina e o coletivo de indígenas da instituição.
Conclusões: Percebeu-se que as ações afirmativas têm sido fundamentais para acesso de indígenas no curso de medicina da instituição, bem como é necessária a manutenção e ampliação dos programas de permanência. As experiências vivenciadas pelos indígenas revelaram, ainda, potencialidades relacionadas às trajetórias individuais, bem como a importância da coletividade entre os indígenas do curso de medicina e com os demais indígenas da instituição. Conhecer essas experiências favorece a identificação de fragilidades e possibilita avançar nas ações afirmativas deste curso de medicina, bem como inspirar outras instituições. Pesquisa realizada com bolsa FAPESP: 2021/07526-4.