Apresentação:
A extensão universitária é caracterizada pela relação com o Ensino e a Pesquisa- Tripé Universitário- e aproximação com a sociedade. A constituição de uma Extensão Popular implica a elaboração de saberes científicos que dialoguem com os populares, por meio de uma relação horizontal, tendo como ponto de partida a investigação da realidade. Vale ressaltar que a produção do conhecimento ocorre em diversas esferas, enriquecendo a prática dos discentes e docentes. Atualmente, a inserção da extensão na grade curricular das graduações brasileiras, abrangendo no mínimo 10% da carga horária total, é essencial para a formação de profissionais mais sensíveis, experientes e comprometidos com as questões sociais. Isso favorece a inovação e transformação social, uma necessidade atual do Brasil.
Nesse contexto, surgiu o Projeto Severinos, oficializado em outubro de 2017 e institucionalizado como Programa de Extensão em 2023, sendo este uma iniciativa de estudantes de Medicina e Enfermagem através dos Diretórios Acadêmicos da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), com a premissa da criação de uma extensão universitária popular, criticando assim, o assistencialismo de outras extensões. Para tal implementação, foi feita uma parceria com o Assentamento Luiz Beltrame (ALB) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) localizado no município de Gália, interior do estado de São Paulo, no oeste paulista.
A partir da vivência dos estudantes nesse ambiente rural, foram identificadas diversas demandas que impactam diretamente na qualidade de vida dessa população, como as condições de Saneamento Básico (SB). Tais necessidades motivaram estudantes a pensarem em estratégias para melhorar esse cenário.
A partir do exposto, o objetivo deste trabalho é relatar a experiência do Programa Severinos enquanto Extensão Popular- com enfoque no SB- no ALB como ponto de partida para a elaboração de projetos e ações, cujo fim seja construir, juntamente com a comunidade, melhores condições de vida.
Desenvolvimento :
Durante a pandemia de Covid-19, o Severinos enfrentou entraves em suas atividades, principalmente para reunir estudantes e manter o vínculo com os assentados. Após a pandemia, surgiram outras dificuldades devido à institucionalização do Projeto, momento de oficialização como Programa de Extensão vinculado à FAMEMA. Essa mudança apresentou aspectos negativos, como impasses burocráticos para realização de atendimentos voluntários e de outras ações que já vinham sido promovidas desde a criação do projeto Porém, também houve pontos positivos como: maior adesão de docentes e discentes ; fornecimento de ônibus; e ampliação da equipe atuante.
Em 2023, primeiro ano de atuação do Severinos como Programa institucionalizado, retomaram-se algumas atividades, como territorialização e visitas domiciliares. Tais atividades seguem os princípios norteadores da Política Nacional de Atenção Básica, fundamentadas na acessibilidade, vínculo, equidade e participação social, possibilitando maior aproximação entre profissionais e população inserida no território, a fim de se conhecer a realidade, dinâmica e processos internos desta. Assim, a partir da vivência dos estudantes no ALM, por meio de observação e diálogo com a comunidade, constatou-se dificuldades no acesso ao SB, um direito universal, o qual pode ser caracterizado por um conjunto de serviços e infraestruturas englobando: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, drenagem urbana de águas pluviais e controle de vetores e reservatórios de doenças. Nesse contexto, entende-se que o acesso ao SB impacta o processo saúde-doença. Além disso, é crucial compreender a determinação social disso e a própria definição de saúde com a qual se deseja trabalhar.
Considerando uma visão de saúde pautada no materialismo histórico-dialético, tem-se que essa é ter condições de realizar aquilo que a natureza traz aos indivíduos como possibilidade. Ao contrário dos animais, o ser humano supera os limites da natureza, atuando sobre ela e manipulando-a conforme seus interesses. Por meio da produção sobre a natureza e o modo de se relacionar em sociedade, o ser humano cria novas necessidades e possibilidades de sobrevivência, como moradia, saneamento, tecnologias e automóveis. Seguindo essa lógica, ter saúde significa poder acessar todas as possibilidades produzidas pelo ser humano. Todavia, no sistema capitalista vigente, os indivíduos que detêm os meios de produção possuem mais acesso a essas do que aqueles que constituem a classe operária.
Dessa forma, o sistema de produção capitalista afasta a classe trabalhadora das possibilidades desenvolvidas pela humanidade, de modo que mesmo existindo um excedente de produção, este não é utilizado para satisfazer as necessidades de vida de toda a população, mas somente para responder às necessidades de expansão do capital. Tal fato é evidenciado no contexto do ALB no qual faltam insumos básicos, tanto no campo de infraestrutura para uma vida digna, como energia elétrica, saneamento, condições dignas de moradia; quanto no quesito de saúde, a ressaltar a dificuldade de acesso, tanto à Unidade de Saúde, quanto à uma equipe multidisciplinar que faça atendimentos regulares a essa parte tão marginalizada e esquecida da sociedade.
Portanto, não se pode interpretar o acesso ao SB em um assentamento rural do MST como algo isolado, mas como um fruto do modelo de produção na sociedade atual, o qual, intrinsecamente, necessita dessa desigualdade ao acesso de direitos básicos para a própria vigência.
Resultados:
A partir dessa experiência, foi identificada a necessidade de mais discussões sobre SB no ALB, a fim de criar projetos que visem a promoção de saúde e participação social. Essa necessidade foi levada às reuniões ordinárias do Programa, resultando em debates que abrangiam a construção de fossas verdes no local. A tecnologia destas possui um baixo custo, possibilitando que a comunidade participe desse processo tanto na construção, quanto posteriormente, pois propicia a reutilização de materiais, retirada de sustento da terra, bem como a alimentação desta.
Embora o custo das fossas verdes fosse relativamente baixo -encontrado na literatura como média de 700 reais por fossa, em 2016 - para que tivesse uma abrangência satisfatória dentre os 77 lotes do ALM, seria necessário um investimento significativo, o que tornaria complicado na condição que o Severinos é estruturado.
Logo, as ações do Grupo de Trabalho do Programa foram direcionadas a realizar pesquisas de caracterização do saneamento rural no assentamento para adquirir informações que favoreçam a implementação de fossas verdes, visando um futuro financiamento para pesquisa. Ainda, simultaneamente à coleta inicial de dados, verificou-se a necessidade de discutir essa problemática com os assentados em momentos de troca de conhecimentos, em eventos coletivos como Assembleias Gerais em Saúde.
Considerações finais;
A participação popular é fundamental na implementação do projeto, uma vez que é com base nos relatos e experiências pessoais dos assentados que as demandas deles são expostas, além das Assembleias Gerais em Saúde, que buscam dar voz à essa população marginalizada e promover a resolução de alguns de problemas presentes , como na busca pelo saneamento do ALB.
A ampliação do conceito de saúde é importante para a formação de futuros profissionais da área, já que, consideram a saúde não só como um bem-estar físico e psíquico, mas tudo aquilo que influencia a qualidade de vida e que participa do processo saúde-doença-cuidado.
Portanto, é essencial perceber o processo saúde-doença como uma ampliação da visão do modo de vida vigente na sociedade, assim como incentivar e expandir programas de extensão, no momento atual de curricularização, que busquem ativamente se articular com a população, procurando meios de fornecê-la saúde, qualidade de vida e bem-estar.