Composição do bem-viver e da arte no cuidado: promoção e proteção da saúde mental na atenção básica

  • Author
  • Levy Araujo Dias Paes
  • Co-authors
  • Carlos Eduardo Lima Leão de Araujo , Maria Eduarda Pantoja dos Reis , Priscila Iara Louzada , Márcio Mariath Belloc
  • Abstract
  • Como parte de uma pesquisa-ação participativa sobre promoção e proteção da saúde mental amazônida, este trabalho se desenvolve a partir da perspectiva do bem-viver. Tal perspectiva baseia-se na ligação entre os seres humanos e a natureza, os quais estão em constante transformação e definição, essa harmonia natureza-sujeito é aspecto central nesta discussão, em oposição à visão antropocêntrica predominante, o bem-viver crítica o desenvolvimento convencional baseado em um paradigma econômico limitado, frequentemente associado à desigualdade social e à destruição ambiental. Nessa perspectiva, destaca-se a valorização da diversidade cultural e da coletividade como elementos essenciais do bem-viver, oferecendo uma variedade de conhecimentos e estilos de vida que contrastam com a homogeneidade imposta por um modelo europeu colonial. A partir desse ponto de vista, surge a necessidade de descolonizar o conhecimento, questionando narrativas eurocêntricas e promovendo a valorização de saberes tradicionais e locais, especialmente os das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, tais sentenças abrem portas para um projeto emancipador, uma vez que corrobora contra a prática médica biocentrada e focada no indivíduo, bem como das colonizações patologizantes das experiências de padecimento. Emergindo dessa prática, a intervenção realizada na Unidade Municipal de Saúde do conjunto Satélite na cidade de Belém/PA movimenta-se como papel fundamental na comunidade, realizando intervenções no processo de “assujeito” para sujeito, explorando o devir dessas relações da comunidade para com o território. Partindo dessa perspectiva grupal, a arte se revela como um meio de emancipação, tanto nas artes visuais, musicais e cênicas. Processos que foram realizados dentro de grupos de jovens, homens (este em específico surgiu no final de 2023 em colaboração com o projeto bem-viver e a unidade municipal de saúde), idosos e mulheres (grupos que surgiram durante a pandemia de COVID-19 devido à percepção da necessidade pela psicóloga local), desempenhando um papel fundamental na subjetivação e na criação de realidades baseadas nos desejos singulares. Dessa maneira, é possível acessar dentro do grupo a dimensão do produto social e subjetivo em relação ao seu plano de produção. Logo, os grupos são expressões estético-políticas e éticas baseadas na esquizoanálise - utilizando-se da autoanálise e autogestão-, buscando resgatar a história de cada indivíduo, em contraste com as práticas convencionais das unidades públicas. 

    Esse método é uma pesquisa-ação participativa baseada na interação entre indivíduos e comunidade, usando tecnologias leves e uma abordagem qualitativa. Originada da experiência em Belém, a pesquisa surge das necessidades de cuidado e coordenação comunitária observadas nos territórios. Os participantes atuam como pesquisadores inseridos na comunidade, trabalhando cooperativamente para aumentar o conhecimento sobre o problema em questão. Nessa ótica, a pesquisa-ação se desenvolve em ciclos de Planejamento, Ação, Avaliação e Reflexão, em colaboração com trabalhadores da atenção primária em saúde e atores sociais de Belém. Além disso, envolve Renovação e Replanejamento, permitindo novas observações e reflexões, e a Produção Coletiva de Conhecimento, promovendo a participação ativa dos envolvidos e resultando em mudanças reais nas condições e práticas sociais. De acordo com o mencionado, as atividades foram realizadas da seguinte forma: a) Dinâmicas e Atividades de Promoção de Saúde: No contexto descrito, várias dinâmicas e atividades foram desenvolvidas como parte de um processo de promoção de saúde. Essas atividades incluíram o uso de produções cinematográficas como ponto de partida para discussões terapêuticas, bem como a realização de apresentações de outros grupos - mulheres e idosos - para promover a saúde de forma abrangente. b) Pintura de Máscaras e Exploração dos Afetos: Uma das atividades dignas de menção foi a pintura de máscaras baseadas em uma "fantasia guiada", orientada pelos campos dos afetos. O objetivo dessa atividade era desmistificar a palavra "afetos" e promover um diálogo entre corpo e mente, contrariando o paradigma simplista e binário, explorando a filosofia de Espinosa, que postula a indissociabilidade entre corpo e mente. Essa abordagem visa deixar de lado a ideia de que "a mente controla o corpo", reconhecendo que o corpo experimenta afetos no encontro com outros corpos, ou seja, no coletivo. c) Potencialidades do Grupo Terapêutico Jovem: essas experiências permitiram explorar as potencialidades do grupo, especialmente no grupo terapêutico jovem. Além de assumir o papel de pesquisador, os participantes se imergiram como integrantes, contribuindo ativamente para as escolhas sobre encontros e temáticas. Essas dinâmicas e atividades destacam a abordagem integral e participativa adotada para promover a saúde e o bem-viver do grupo, enfatizando a interconexão entre corpo, mente e coletivo.

    Resultados: O uso de grupos terapêuticos como intervenção na Unidade Municipal de Saúde revelou-se significativo na transição de um "asujeito" para um grupo-sujeito, abordando a temática instituinte do funcionamento autônomo no grupo. A operação desses grupos pautada em autoanálise e autogestão proporcionou um ambiente propício para a exploração da complexidade e paradoxalidade do grupo. Estas ações coletivas articularam a dimensão do "devir", como uma ferramenta poderosa para promover processos de transformação, mudança e a emergência de novas possibilidades nos participantes dos grupos terapêuticos. A noção de devir desafiou as concepções tradicionais de identidade e essência, enfatizando a natureza dinâmica e relacional do mundo, abrindo espaço para a exploração de novas formas de ser e de se relacionar. Ademais, a arte emergiu como uma poderosa ferramenta de emancipação nos grupos terapêuticos, especialmente nas modalidades de artes visuais, musicais e cênicas, possibilitando a subjetivação e a produção de realidades pautadas no desejo individual dos participantes, permitindo o acesso à dimensão de produto social e subjetivo dentro do grupo.

    As dinâmicas e atividades desenvolvidas nos grupos terapêuticos demonstraram resultados significativos. Destacamos os seguintes exemplos: a utilização do filme "Aftersun" (2022), seguida pela apresentação de outros grupos, promoveu a promoção de saúde e a integração entre os participantes; a pintura de máscaras baseadas em fantasia guiada foi uma estratégia eficaz para desmistificar a palavra "afetos" e explorar a interação entre corpo e mente, desafiando concepções simplistas e binárias. A abordagem da esquizoanálise permitiu o resgate da história de cada sujeito, afastando-se das práticas grupais reduzidas a um trabalho técnico orientativo. Essa abordagem possibilitou a manifestação de resultados ético-estéticos-políticos, desafiando as relações de poder hierarquizadas e promovendo a participação ativa dos membros do grupo na construção de suas experiências.

     

    Considerações Finais: Nesse sentido, a arte aqui pode ser combinada ao bem-viver como um processo disruptivo na produção de uma cuidado para além de uma lógica biomédica. Fomenta-se a partir da perspectiva da esquizoanálise o grupo-devir ou devir-grupo como um dispositivo que potencializa agenciamentos de variados modos, que a arte nos auxilia a dialogar nessa tessitura da prevenção e promoção da saúde em suas diversas naturezas e saberes. As experimentações via elementos artísticos são produzidas em ato, em que buscamos compreender essas linhas de forças institucionalizantes que nos atravessam, propiciando uma abertura para autoanálise, autogestão e movimentos instituintes, num balanço de trabalhar bloqueios frente às demandas de cuidado e facilitar transmutações necessárias. Deste modo, essa produção coletiva encadeada por meio da arte e bem-viver, que não anula as diferenças, favorece ao próprio grupo uma mobilização que o potencialize como um dispositivo gerador de mudanças nesses processos intensivos e de subjetivação. Portanto, dialogar essas perspectivas também é intensificar no âmbito ético-estético-político esses encontros na confecção do cuidado.

     

  • Keywords
  • Bem-viver, Grupos terapêuticos, Arte
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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