Apresentação:
Estudos na área do envelhecimento contemplando o capital social aumentaram nas últimas décadas, visto que o capital social está relacionado com desfechos de saúde, mas também é comprovado que as relações sociais diminuem com o envelhecimento. Na literatura, o autor-chave para compreensão desse conceito foi Pierre Bourdieu. No entanto, outros autores como filósofos, sociólogos e economistas participaram da construção dessa temática.
Objetivo:
Revisar os principais conceitos sobre capital social e apontar a relação com o envelhecimento.
Desenvolvimento do trabalho:
A transição demográfica pode ser considerada causa e efeito de outras transições que ocorrem na sociedade, como a transição epidemiológica, que ocorre quando determinada população passa de um perfil de doenças infectocontagiosas para o perfil de doenças crônicas não-transmissíveis. Ambas necessitam de mudanças nas condições socioeconômicas para garantir a qualidade de vida da população. Nos países que hoje são considerados de alta renda, a transição demográfica aconteceu lentamente, diferente do que é visto nos países de média e baixa renda, onde a transição acontece precocemente e de forma acelerada. Logo, não existe tempo hábil para a construção de modelos sociais e econômicos que assegurem qualidade aos anos vividos pela população. O Brasil segue a tendência de envelhecimento de outros países e do mundo, entretanto, a transição demográfica aconteceu de forma acelerada – sem permitir a criação de modelos socioeconômicos que permitissem o desenvolvimento social concomitante. A agenda não concluída de doenças infectocontagiosas se dá pela superposição de etapas da transição epidemiológica, com situação de saúde caracterizada pela tripla carga de doença: coexistência de 1) doenças infecciosas, parasitárias e problemas de saúde reprodutiva, 2) causas externas e 3) doenças crônicas não-transmissíveis. O envelhecimento populacional associado a tripla carga de doenças, com predominância das doenças crônicas não-transmissíveis, gera sobrecarga na rede de saúde e na previdência social do país.
No envelhecimento fisiológico, o organismo perde a capacidade de manter o equilíbrio homeostático quando submetido a situações de estresse, pois perde sua reserva funcional. Por sua vez, a sobrecarga funcional pode levar a processos patológicos pelo comprometimento sistêmico. Assim, do ponto de vista fisiológico, o envelhecimento saudável está fortemente associado aos estilos de vida adotados ao longo dos anos, pois as consequências do processo de senescência são multifatoriais e sistêmicas.
Entretanto, além das alterações fisiológicas, o envelhecimento social é representado pelas alterações nos papéis que o indivíduo pode desempenhar perante a sociedade. O envelhecimento, por si só, não ocasiona alterações sociais diretamente, mas estudos apontam a solidão, o isolamento e a redução das redes de suporte social como consequências sociais do envelhecimento. Outrossim, as alterações psicológicas são muito mais influenciadas pelas consequências sociais do que pelo envelhecimento em si. Por exemplo, estudos apontam o isolamento social como fator de risco independente para sintomas depressivos em idosos.
O estudo do termo capital é comum à diversas áreas do conhecimento. Entretanto, a compreensão de capital como multidimensional surgiu recentemente. Na área social e da saúde, o termo capital ganha uma discussão a partir do óbice das coletividades. Diversas pesquisas apontam Pierre Bourdieu como o marco teórico para a compreensão do capital que é utilizado em investigações da área da saúde. No entanto, Coleman (1988-1990) e Putnam (1993) também apresentaram definições importantes para esse tema, assim como, Fukuyama (2000) aponta Alexis de Tocqueville (1835/1840) e Jane Jacobs (1961) como as precursoras do tema, mesmo sem a utilização do termo capital social.
Entretanto, Bourdieu (1986) foi considerado o autor chave para a compreensão de capital social. Um dos pontos mais importantes é que ele apresenta a diferenciação entre tipo de capitais, considerando que são elementos acumulados ao longo da vida e define em quatro: capital econômico, capital social, capital cultural e capital simbólico. Embora seus trabalhos tenham discutido outros tipos de capitais, ele acredita que o capital econômico está na raiz de todos os outros tipos de capital. Em relação ao capital social, trata como o acúmulo de recursos decorrentes da existência de uma rede de relações de reconhecimento mútuo institucionalizada em campos sociais. Tais recursos são utilizados para crescer dentro da hierarquia social do campo, resultante da interação entre o indivíduo e a estrutura. Por sua vez, o campo social se caracteriza como um espaço onde se manifestam relações de poder, logo, estruturam-se a partir da distribuição desigual de um quantum social que determina a posição que cada indivíduo específico ocupa em seu interior. Esse quantum seria o capital social, na perspectiva de Bourdieu.
O envelhecimento esconde um paradoxo: enquanto o aumento da expectativa de vida é um sinal positivo de desenvolvimento da sociedade, existem consequências sociais e de qualidade de vida dos idosos. Assim como existem diversos fatores individuais biológicos, psicológicos e, até mesmo, sociais que irão contribuir para a saúde no processo de envelhecimento, reitera- se que esses fatores individuais são modificados por fatores externos, ambientais e comportamentais, tais quais as interações sociais ao longo da vida. A abordagem associada à Putnam e Bourdieu sobre o capital social, refere-se à natureza e extensão do envolvimento de um indivíduo em várias redes informais e organizações cívicas formais. O capital social é a conversa com os vizinhos, a participação em organizações civis como organizações ambientais e partidos políticos e, até mesmo, as atividades recreativas. Uma das hipóteses da relação entre capital social e desfechos de saúde é que as redes de relações ou as normas da comunidade promovem um fluxo de informações entre os indivíduos e fortalecem o acesso aos serviços de saúde; a confiança na comunidade promove a sensação de segurança e suporte social; a participação nas comunidades também geram satisfação, diminuem isolamento social e solidão. Nesse sentido, o voluntariado é uma das formas de capital social mais encontrada na literatura quando relacionada ao envelhecimento. Considera-se uma estratégia para manter a participação social do indivíduo na construção da sociedade, garantindo o protagonismo e a manutenção de atividades instrumentais e avançadas de vida diária. Além do capital social estrutural, o voluntariado também se relaciona com o capital social cognitivo, pois a inserção numa comunidade com interesses semelhantes aumenta as relações sociais e potencializa as relações de confiança. Em desfechos mensuráveis, estudos apresentam redução de sintomas depressivos, aumento da qualidade de vida, maior satisfação pela vida e melhor autopercepção de saúde. Ainda, por compreender que o envelhecimento não é apenas uma questão pessoal ou individual, mas sim, um aspecto importante para políticas públicas, buscou-se compreender quais os esforços institucionais que já existem em relação ao capital social como promotor do envelhecimento saudável e ativo. Outra dimensão estudada do capital social é o cognitivo, relacionado a confiança na comunidade. Estudos mostram como a maior confiança está associada ao menor grau de sintomas depressivos. Acredita-se que a confiança em uma rede de pessoas contempla a sensação de suporte social que pode ser tanto para questões emocionais, como instrumentais.
Considerações finais: A atuação intersetorial para o fortalecimento de programas que incluam os idosos, como programas de voluntariado e intervenções que fortaleçam a comunidade a fim de proporcionar maior relações sociais e potenciais relações de confiança são necessárias para o envelhecimento saudável e ativo. É necessário extrapolar as estratégias já conhecidas para um envelhecimento ativo e saudável.