Apresentação: A população em situação de rua é invisibilizada pela falta de um direito fundamental: a moradia. A indiferença e o desprezo são atitudes comuns de indivíduos que se deparam com as pessoas em situação de rua, percebendo-os como parte daquela paisagem pela qual transitam diariamente. São mais de 200 mil pessoas vivendo em situação de rua no Brasil, que frequentemente passam despercebidas e, principalmente, ignoradas por grande parte da sociedade acometidas pelo efeito do espectador. Nesse sentido, o movimento institucionalista é de suma importância para a compreensão e transformação das instituições que fazem parte do cotidiano das pessoas em situação de rua e, consequentemente, para repensar os saberes e práticas utilizadas com essa comunidade. À vista disso, o presente trabalho possui como finalidade relatar a experiência de uma estudante de psicologia, numa visita a um estabelecimento de saúde que atende pessoas em situação de rua em Belém, no que tange à reflexão da instituição saúde sob a ótica da análise institucional. Desenvolvimento do trabalho: A visita fez parte da avaliação de uma disciplina de análise institucional, na qual os discentes visitaram conjuntamente o local, visando conhecer o espaço, os equipamentos, os profissionais que atendem as pessoas em situação de rua, as práticas realizadas, bem como a realidade dessa população. Posteriormente, foi solicitado pela professora da disciplina a elaboração de um relatório que refletisse uma instituição percebida na visita, especificando os conceitos de estabelecimento, equipamentos, agente e práticas. Nesse contexto, a instituição escolhida pela aluna foi Saúde. Resultados: Instituição é definida como um conjunto de lógicas, que regulam a atividade humana no sentido do o que deve ser feito, o que está prescrito, o que não deve ser. Sob tal ótica, a instituição escolhida para a investigação foi a Saúde, que compreende uma série de prescrições e regras relacionados com o bem-viver do ser humano. A saúde foi uma das instituições percebidas no estabelecimento e de certo modo mais acentuado, visto que, praticamente quase todas as atividades e práticas empreendidas com moradores de rua estavam relacionadas a promoção da saúde, seja física ou mental, por exemplo o atendimento na rua, as atividades físicas, as práticas integrativas entre outras. Saúde é um tema bastante complexo que envolve vários âmbitos e setores da sociedade. Um desses setores é a atenção à saúde da população em situação de rua, que visa, “ampliar o acesso e a qualidade da atenção integral à saúde dessa população". Desse modo, uma forma de assegurar essa máxima é a materialização dessa instituição, por meio do Ministério da Saúde, das Secretarias de Saúde Pública e, no caso do espaço discutido, da Secretaria Municipal de Saúde (SESMA). Assim, as organizações concretizam as disposições das instituições e a SESMA possui como objetivo justamente planejar, promover e normatizar ações de proteção à saúde. Com isso, sendo a SESMA uma das inúmeras gestoras dessa grande instituição denominada saúde, está também se divide em unidades menores chamadas de estabelecimentos. Nesse viés, o estabelecimento em questão, oferece acolhimento, atendimento psicológico, alimentação, banho, curativos, cuidados com a saúde em termos de vacinação, tuberculose, HIV/AIDS, álcool e drogas, dentre outros. O espaço percebido na visita se demonstrou bastante acolhedor. Apesar de algumas carências em termos de equipamentos, a estrutura do estabelecimento é bem-apresentada, com banheiros apropriados, lugar para descansar, sala de enfermagem, espaço para as refeições e para as oficinas, inclusive, é importante citar, o local é cheio de vida devido as pinturas de um educador, principalmente na brinquedoteca. Pinturas que revelam toda uma historicidade e emotividade da vivência de pessoas em situação de rua, com olhares melancólicos e até mesmo fantasiosos do mundo. As pinturas talvez funcionem como equipamentos que integram esse estabelecimento, como os insumos de saúde: colchões, materiais de higiene, camisinhas, comida, água, mesa, cadeiras, materiais artísticos. Sendo que tudo isso só adquire movimentação, por meio dos agentes, sendo uma equipe multiprofissional, como: psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, agentes de saúde e técnicos. Os quais também podem ser denominados de experts, pois detêm um certo conhecimento especializado e trabalham em prol de uma instituição. Diante da realidade das pessoas em situação de rua e das necessidades prioritárias desse grupo, esses agentes/experts agem por meio de práticas que visam justamente propiciar o suporte físico e emocional. No espaço discutido, essas práticas podem ser exemplificadas com o atendimento no consultório de rua, a atividade física, a roda de conversa acerca do Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas, a roda de conversa acerca dos direitos humanos, as práticas integrativas, aulas de como se cuidar, acolhimento físico e psicológico, atividades lúdicas com crianças, práticas artísticas e teatrais. Sob tal perspectiva, é possível depreender, correlacionado com a visita ao estabelecimento mencionado, que os agentes necessitam analisar as estratégias de cuidado, tanto devido a convivência com situações tão desumanas, as quais lhes causam angústia e sentimento de impotência, quanto por conta do desconhecimento das demandas das pessoas em situação de rua. Nesse contexto, as pessoas em situação de rua, bem como os agentes carecem inegavelmente de autoanálise e autogestão. O primeiro grupo, indiscutivelmente, todos os dias precisam realizar tal prática, pois convivem com a incerteza do amanhã – o que irão comer/ onde irão beber água, quando/ onde dormirão, quando/onde tomarão banho, como/onde tratar de suas enfermidades. Todos os dias as pessoas em situação de rua se perguntam sobre essas demandas e como resolverão essas problemáticas a partir da sua realidade. O segundo grupo necessita analisar suas demandas pessoais e profissionais no que tange o atendimento e acolhimento das pessoas em situação de rua, buscando sempre estratégias para resolver tais questões. No entanto, tal prática, não ocorre de forma efetiva no estabelecimento discutido, visto que o saber ainda é muito concentrado no poderio dos experts, os quais apesar de serem extremamente importantes para o cumprimento de políticas públicas de saúde, podem não atender todas as demandas das pessoas em situação de rua e, principalmente por não compreender a complexidade daquela realidade totalmente diferente da sua. Sendo assim, é imprescindível a ocorrência de reuniões da população em situação de rua e agentes, para que o primeiro grupo tenha suas demandas ouvidas e atendidas e o segundo grupo busque ativamente formas de elucidá-las. Considerações finais: Conclui-se que o campo da análise institucional propiciou um olhar integral sobre o estabelecimento que atende a população em situação de rua, bem como a observação de suas limitações, principalmente considerando que a unidade carece de espaço que fomentem a dialogação com a população em situação de rua, justamente para que estes possam expor suas reais necessidades, que podem não ser aquelas articuladas pelos profissionais. Nesse viés, é fundamental quebrar os estigmas estabelecidos – romper com o que está dado – isto é, pensar e fazer uma prática humanizada que assegurem os direitos básicos de saúde dessa população. Dessa maneira, propiciará um terreno fértil para o crescimento e desenvolvimento de mudanças efetivas, tão necessárias para desestigmatizar e incluir esse grupo historicamente vulnerável na sociedade.