Desafios vivenciados por profissionais de um CAPS sobre a reabilitação psicossocial durante a pandemia da COVID-19

  • Author
  • Elisandra das Neves Buaez
  • Co-authors
  • Aline Basso da Silva , Elitiele Ortiz dos Santos
  • Abstract
  • APRESENTAÇÃO Com a Reforma psiquiátrica propõe-se um cuidado em Rede de base territorial, visando a reinserção do usuário no território. Nesta rede, os Centros de Atenção  Psicossocial (CAPS),  são serviços estratégicos para condução de casos graves e severos, visando a reabilitação psicossocial.  A Reabilitação Psicossocial é uma estratégia utilizada para operar transformações na vida de pessoas com problemas severos e persistentes de saúde mental, representando um conjunto de ações, que promovem a inserção social, a garantia da cidadania e do cuidado em liberdade. Para isso, se faz necessário que o CAPS desenvolva um trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar com a organização de atividades prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, oficinas terapêuticas e de criação, atividades físicas, atividades lúdicas, arteterapia), articuladas com os outros pontos de atenção da rede de saúde e comunidade.  A partir da pandemia covid-19, foram adotadas medidas de prevenção, como o isolamento social, para conter a disseminação do vírus, exigindo mudanças no processo de trabalho dos CAPS, como a suspensão de atividades coletivas, refletindo na dificuldade em manter o vínculo com os usuários e diminuir ao máximo os prejuízos em seu processo de reabilitação psicossocial. Com isso, o objetivo deste estudo é conhecer os desafios vivenciados por profissionais de um CAPS sobre a reabilitação psicossocial durante a pandemia da COVID-19. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob o protocolo nº 60022622.0.0000.5316. A coleta de dados foi realizada presencialmente, no mês de agosto de 2022, com a utilização de entrevistas semiestruturadas aplicadas a profissionais de um CAPS do tipo II (CAPS II), localizado na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul. Como critérios de inclusão para participar na pesquisa foram estabelecidos: ter trabalhado no mínimo quatro meses antes da pandemia COVID-19 e durante a mesma (2020-2021), não estar de férias ou licença, e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Foram excluídos da pesquisa aqueles que  não responderam a primeira pergunta do questionário: “O que você entende por reabilitação psicossocial?". Sendo assim, nove trabalhadores participaram das entrevistas, tendo suas  falas identificadas pela “letra P” de Profissional seguida pela sequência de entrevista, exemplo P1, P2, P3.  Para análise de dados utilizou-se a análise temática, realizada em três fases: pré-análise, onde realizou-se uma leitura flutuante do material e constituição do corpus inicial; a exploração do material, com a contagem dos temas do discurso, classificando os dados e escolhendo as categorias; e o tratamento e interpretação do material, construindo as categorias, a partir de referências científicas. Foram respeitados os princípios éticos, conforme a Resolução n° 564 de novembro de 2017, que dispõe sobre o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, bem como os preceitos éticos legais em pesquisas realizadas com seres humanos, de acordo com a Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. RESULTADOS: Os profissionais relataram suas vivências na promoção da reabilitação psicossocial dos usuários do serviço durante a pandemia COVID-19, trazendo pontos significativos sobre as dificuldades enfrentadas no período: Os pacientes aqui do CAPS tinham se afastado, claro, tudo mudou, né?! As pessoas tavam mais reclusas, não vinham mais nas atividades, então tudo parou. Elas vinham apenas tirar receitas nesse período (P1). Tinha muitos pacientes que não nos procuravam mais, ficaram só com a própria manutenção das receitas de seis em seis meses (P3). O trabalho dos dispositivos territoriais com os usuários dos serviços de saúde mental é marcado, principalmente, pelo encontro e a formação de vínculos. Sendo assim, as abordagens no CAPS são utilizadas para a ressocialização e na manutenção e controle de crises, oferecendo a pessoa em sofrimento mental a oportunidade de ressignificar comportamentos e atitudes, reconstruindo-se e redescobrindo- se cotidianamente. Sabe-se que as práticas coletivas e terapêuticas oferecidas pelos CAPS são inúmeras, entre elas: oficinas terapêuticas, passeios externos ao CAPS, atividades artísticas como dança e música, oficinas, artesanato, dentre outras. Além dessas, há, as práticas tradicionais, como o uso da medicação, as quais controlam a sintomatologia, mas não comportam a complexidade do trabalho da reabilitação psicossocial, que necessita da recreação reabilitadora, presente nas oficinas e grupos desenvolvidos pelos CAPS. Além disso, com a limitação das atividades presenciais, o serviço adotou práticas de atendimentos remotos, com a finalidade de seguir ofertando o cuidado: Com a função da pandemia, a gente começou com a função online, as informações eram mais via telefone, já dificultou bastante, já que nem todos os nossos usuários tinham esse acesso {...} (P2). Fiquei realizando as atividades de casa e eu fiz os atendimentos todos online, (...).Que tivesse possibilidade de atendimento remoto, porque nem todo        mundo dá.  E os grupos terapêuticos foram aqueles que tinham condições tanto mentais quanto estruturais né... Que tenham internet, tinham que ter um smartphone.... (P9). A exacerbação das desigualdades sociais na pandemia, principalmente para as pessoas que já apresentavam dificuldades, tanto socioeconômicas, quanto de saúde física e mental, foi pontuada pelos profissionais entrevistados. Com isso, revelou-se que o cuidado proposto não poderia beneficiar todos os usuários, tendo em vista que nem todos dispõem de rede de internet, ou de condições psicossocial no geral. Nesse sentido, compreende-se que a quarentena, apesar de ser uma medida sanitária importante, é sempre discriminatória. Sendo assim, as pessoas mais vulneráveis, como as em sofrimento psíquico, são as que mais sofrem  os impactos da pandemia, uma vez que elas já sofrem violações de direitos em seus cotidianos. Os desafios relacionados ao período não se detiveram aos aspectos estruturais do processo de trabalho, relatos evidenciam o receio do adoecimento, que fez parte do cotidiano dos entrevistados: A gente tinha um pouco de receio de atender, porque sempre teve aquela coisa, ..não sabia quem tava e quem não tava com COVID,quem tava vindo e tava com covid e mesmo com o uso de máscara a gente ficava meio receoso de atender (P1). Pessoas às vezes chegavam sem máscara e aí? Aí todos na tua volta, como eu disse, tavam positivando ou com a suspeita (P5). Nesse contexto de pandemia, requereu-se maior atenção ao trabalhador de saúde, pois foi recorrente entre os profissionais, o aumento dos sintomas de ansiedade, depressão, perda da qualidade do sono, aumento do uso de drogas lícitas ou ilícitas, sintomas psicossomáticos e medo de se infectar ou transmitir a infecção aos membros da família. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os desafios relatados pelos participantes refletem a mudança no processo de trabalho, as dificuldades sociais dos usuários para participarem de atividades online, bem como as implicações do risco da contaminação com a COVID-19. Com isso, refletiu-se a complexidade da atuação profissional, que manteve a oferta do cuidado centralizado na reabilitação psicossocial durante um período de incertezas. Diante do exposto, a pesquisa foi relevante para dar voz aos profissionais que fizeram parte da linha de frente. Sabe-se que o cuidado territorial dentro da saúde mental é uma conquista considerada recente, portanto sugere-se a ampliação da discussão sobre a reabilitação psicossocial na sociedade, junto aos usuários, familiares e profissionais da rede, especialmente sobre a continuidade deste trabalho em períodos de calamidade pública.  


     

  • Keywords
  • Reabilitação psicossocial, COVID-19, Serviços Comunitários de Saúde Mental
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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