Movimentos e processos de cuidado à saúde como cuidado à vida em territórios rurais: resultados preliminares.

  • Author
  • Fábio José de Carvalho Brandão
  • Co-authors
  • Cláudia Maria Filgueiras Penido
  • Abstract
  • Apresentação: Em comunidades tradicionais e rurais, as produções de saberes e práticas estão intimamente conectadas às experiências de vida. Território e sujeito, em processos constantes de fazeduras, produzem, a partir das práticas cotidianas de vida, significados acerca de cuidado e de saúde. A pesquisa de mestrado em foco aqui surge a partir de questões que despontam no cotidiano de trabalho na Atenção Primária à Saúde em áreas rurais de Belo Vale, Minas Gerais. Tem-se como pergunta de pesquisa: como se dá a experiência de cuidado em saúde no território em uma localidade rural de Belo Vale, Minas Gerais. Assume-se, a partir daí, que cuidado e saúde possuem dimensões processuais e, portanto, de produção subjetiva. Assim, foi delimitado como objeto de pesquisa o cuidado à saúde como cuidado à vida, que inclui os encontros de assistência em saúde entre trabalhadores e usuários, mas que tem seu foco no cuidado à vida que é produzido pelas pessoas e coletividades nos territórios onde vivem. Cuidado, então, diz respeito a um fazer coletivo realizado junto ao território e a todas as vidas presentes, capaz de produzir significados acerca da vida e da saúde e que podem ser passados de geração em geração. Tem-se como objetivo geral do trabalho cartografar o cuidado em saúde compreendido como cuidado à vida no território, com seus fluxos, linhas e conexões, em uma localidade rural chamada Massangano, na cidade de Belo Vale, em Minas Gerais. Sendo os objetivos específicos: mapear e acompanhar as linhas — as formas e os fluxos de forças — que compõem o cuidado em saúde no meio rural; construir pistas sobre como os modos de vida em territórios rurais compõem o cuidado em saúde em Massangano; e mapear, acompanhar e potencializar as intensidades criativas produzidas territorialmente, que afirmam a saúde como potência de vida.

    Desenvolvimento: Trata-se de uma pesquisa-intervenção cartográfica, que incluiu as oficinas de Saúde e Vida e o diário de campo cartográfico como dispositivos de produção de dados. Para a condução das oficinas, foi lançado mão da caixa de ferramentas, um instrumento que contém em si elementos (conceitos, acontecimentos anteriores, etc) disparadores de reflexões. Os 30 moradores de Massangano foram convidados a participarem de quatro oficinas. No primeiro encontro, a pergunta-disparadora foi: como vivíamos e como vivemos no lugar em que a gente mora? Foi utilizada cartolina e pincéis para escrita de palavras que vinham à mente quando escutavam a palavra Massangano e levantada reflexão acerca delas, juntamente a essa atividade foram aparecendo intensidades relacionadas a “como era” e “como é a vida” ali. Posteriormente, foi realizada uma caminhada fotográfica. O segundo encontro teve como proposta-disparadora a construção de um mapa afetivo da comunidade, em que os participantes puderam apontar os lugares que mais os afetam no território e as histórias de cada um desses lugares, sendo convidados a trazerem objetos de casa para compor o mapa, bem como a utilizarem as fotografias tiradas no encontro anterior. A proposta da terceira oficina tem como objetivo fomentar a discussão com os participantes acerca dos modos de cuidado e de produção de saúde que percebem ser produzidos e realizados localmente por eles. A quarta oficina foi proposta como fechamento e celebração dos encontros realizados, onde serão retomadas questões trabalhadas anteriormente. 

    Resultados: Foram realizadas até o momento as duas primeiras das cinco oficinas propostas e já é possível trazer alguns resultados preliminares acerca do cuidado à saúde como cuidado à vida neste território. Participaram 16 moradores em cada uma das oficinas, a maioria com mais de 50 anos de idade e aposentados, sendo 4 homens e doze mulheres. Fazendo um recorte temporal, é possível perceber em suas narrativas, intensidades que vão compondo esse cuidado à vida no passado e atualmente em Massangano. Essa divisão apresenta caráter organizacional, uma vez que se reconhece que as forças do antes, do agora e do que virá convivem a todo tempo. No passado, as forças se diferenciam pelo caráter despotencializador de algumas e potencializador de vida de outras, mas seu acompanhamento traz pistas de processos desterritorializantes em curso. Uma linha dura do passado levantada pelos participantes é chamada de "as condições" e diz respeito à força assujeitadora da pobreza, que despotencializa a capacidade de cuidado à vida. Descrevem as restrições impostas pela falta de renda, de serviços públicos, de bens materiais. Convivendo com esta primeira, estava a força do coletivo, a potência da coletividade em resistir à dureza imposta pelas condições de vida ruins. Marcam a todo tempo o reconhecimento da coletividade enquanto um substantivo: "somos família". Ser família parece dizer respeito à práticas de solidariedade e vizinhança, à segurança de ter com quem contar, conversar, festejar. A partir da potência coletiva, mesmo diante de condições de pobreza, re-inventam modos de cuidar da vida: constroem sua própria barca para atravessar o rio e se locomoverem, cuidam da horta e plantam um excedente para troca por outros produtos, fazem festejos religiosos e constroem sua própria igreja, usam outras terapêuticas aprendidas ali para cuidar de suas feridas físicas e mentais. Falam de um passado onde o cuidado com a vida era muito integrado e orgânico: o trabalho na roça produzia alimento, que os nutria, mas permitia exercitar o corpo, e também dava um lugar social ligado ao rural, enquanto agricultor. Hoje, dizem sobre aquilo que nomeiam como "miséria": os mais novos perderam os saberes e os fazeres do campo, de produzir seu próprio alimento. Dão pistas disso que vinha cristalizado enquanto produção de saberes e práticas durante gerações e que, com a mobilidade de forças, seus territórios existenciais sofrem transformações. Parecem continuar presentes alguns saberes e fazeres do passado, e outros passaram a compor, vindos a partir da comunicação, da chegada da unidade básica de saúde, da televisão. Se por um lado, a força do "desenvolvimento" traz melhoras significativas para a vida, ao mesmo tempo, parece se constituir como uma força que também assujeita modos de vida e universaliza saberes acerca da saúde que não possuem lastro territorial. Ressalta-se, por exemplo, que grande parte desta comunidade se encontra medicada com psicotrópicos. Ultrapassando tempo e gerações, uma força endurecida denominada por eles de "esperança" parece marcar a vida neste lugar: o povo que sempre espera por algo do poder público e esse algo nunca chega — fazem demandas de unidade do posto de saúde, unidade da academia da cidade, uma balsa que os permita atravessar o rio e asfaltamento. Marcadamente, há pistas já produzidas sobre um povo que apesar de sempre esperar, nunca esperou parado: fazem a vida acontecer e também demandam do poder público transformações. Com ou sem a presença de serviços de saúde, as pessoas se cuidam e produzem saberes acerca da vida e da saúde e isso é de extrema relevância para se pensar a construção das políticas públicas de saúde.

    Considerações finais: Este trabalho tira a centralidade do debate em saúde dos grandes centros urbanos e o coloca essencialmente nos processos subjetivos relacionados ao cuidado em saúde no campo. Visibilizar essa discussão é produzir pistas para trabalhadores, gestores e acadêmicos sobre esse debate, sendo, portanto, uma maneira de agenciar novas criações e reflexões acerca de uma temática ainda pouco explorada, mas de extrema relevância.

  • Keywords
  • Cuidado à saúde, territórios rurais, cuidado à vida
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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