Apresentação: O presente resumo visa incitar a reflexão da produção de cuidado pelas equipes de profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) com a população em situação de rua no contexto da tuberculose, bem como o enfrentamento de processos ditos e não ditos que por vezes escondem estigmas e preconceitos, que ditam a prática de acesso nos dispositivos de poder que aqui são constituídos pelos serviços de saúde. Objetivo: Fomentar a discussão sobre as possibilidades de produção do cuidado com a população em situação de rua diante ao tratamento da tuberculose. Desenvolvimento do trabalho: este resumo busca reafirmar a responsabilidade sanitária do serviço de APS no que se refere à abordagem das pessoas em situação de rua (PSR) que vivem no território adscrito daquela unidade de saúde, e considera a necessidade de práticas de cuidado elaboradas a partir das possibilidades e vontades do sujeito com tuberculose. Este processo se faz necessário pelos elevados índices de interrupção de tratamento e de mortalidade precoce da doença permanentes em nossa sociedade. Para avançar nesta discussão é necessário compreender que a tuberculose na população em situação de rua tem cor, pois é um agravo que vai além da bactéria pois escancara as mazelas da desigualdade social no Brasil, e reverbera também no apagamento das demandas de saúde desta população, sendo portanto, fundamental realizar uma discussão a partir do recorte de raça. As dificuldades vão desde o acesso aos serviços da APS por parte da PSR quanto à ida das equipes de saúde aos locais no território no qual estas pessoas vivem; as fragilidades nos processos de vigilância epidemiológica por parte das equipes de saúde se soma como um fator que impactam o processo de busca ativa dos casos de interrupção de tratamento, bem como o acompanhamento mais frequente de casos mais complexos, que envolvem outras comorbidades concomitante à tuberculose, por exemplo. Também se faz necessário reconhecer a necessidade de superar as limitações dos resquícios de um modelo biomédico que se mantém no encontro entre o trabalhador da saúde e o usuário, refletida pelos espaços de disputa pelo cuidado que está sendo construído, no qual o saber protocolar prevalece sobre os anseios e necessidades da PSR. Com isso, torna-se fundamental retomar a prática da produção do cuidado a partir das demandas apresentadas no território, com fortalecimento dos processos de busca ativas, para além dos consultórios, exercitar a produção do cuidado compartilhado de modo a evitar o discurso único e estigmatizante, que geralmente presume a realidade do outro, e envolve um padrão prescritivo e protocolar disfarçado de “uma arrogância bem intencionada” por parte dos profissionais. O serviço da APS por vezes engessado pela burocracia das normas e protocolos, incita o trabalhador a dirigir-se ao usuário como objeto, sobre o qual elabora o plano de cuidados considerando apenas os seus saberes acadêmicos e sem considerar a subjetividade do sujeito. Estes processos, marcas do modelo biomédico, mantém a ação profissional centrada em procedimentos, e guiada apenas pelo protocolo, esvaziada de interesse no outro, e com a escuta precarizada. Assim, torna-se urgente a valorização de ações de cuidado produzidas nos encontros da equipe de profissionais com as pessoas em situação de rua envolvendo a compreensão da subjetividade do sujeito, de modo a evitar estratégias de disciplinarização do cuidado. Pois agendar uma consulta para uma “quinta feira às 10:30 da manhã” não é equivalente para aquele usuário que não tem agenda, que não tem emprego e que não sabe o que vai acontecer amanhã. O mesmo ocorre nos processos de prescrição de cuidados focados apenas na doença, sem elaborar que, pessoas em situação de rua podem não ter a mesma noção do que “é dia ou noite”, de modo que o cumprimento da posologia para tomar a medicação a cada 06 ou 12 horas, pode ficar comprometido podendo inclusive nem possuir um local seguro para armazenar a medicação prescrita. Há, portanto, a necessidade de um exercício ético para ajustar as lentes de avaliação do sujeito, de modo a produzir o cuidado COM o outro e não PARA o outro ampliando o olhar e a escuta. Resultados: Espera-se que os profissionais de saúde da APS, ao assumirem de fato o protagonismo enquanto coordenadores do cuidado, realizem práticas de cuidados não só dentro dos consultórios, mas também, e principalmente nas ruas, no território. Espera-se que a partir destes encontros possa ser possível articular os saberes da vida do usuário com os saberes prescritivos de modo que o usuário seja agente ativo de sua vida e que participe da construção dos projetos terapêuticos singulares, indo para além do técnico-científico dirigido aos problemas “diagnosticados”. Considerações finais: É urgente a necessidade de trazer outras vozes para a produção do cuidado. É urgente subverter a ordem dos dispositivos de saúde que exercem o poder e seguem a proposta de que os usuários “precisam ser educados” para “entender” o tratamento correto, independentemente de quais sejam as respostas disponíveis. É urgente criar novas possibilidades de produção compartilhada no cuidado de modo a evitar a regulação dos corpos em práticas prescritivas dentro dos dispositivos de saúde, e que por vezes levam à frustração do profissional pelo fato do outro “abandonar o tratamento”, e por parte do usuário por “não ser ouvido” e não ter as suas necessidades colocadas no plano de cuidado proposto. É urgente questionar os processos de trabalho burocratizados da Atenção Primária à Saúde que reforçam a invisibilidade, pela qual esta parcela da população está sujeita, derivada do princípio de ausência, uma das bases do racismo. Para tanto precisamos repensar as práticas de cuidado, com outras posições e outros argumentos, sobretudo ao considerar as demandas e reais necessidades que vem não só dos profissionais de saúde, mas sim, e principalmente do sujeito a ser cuidado. Por fim, coloco a necessidade de pensar ferramentas para instrumentalizar o cuidado de modo que o usuário seja o produtor de seu próprio cuidado, e construa caminhos (que nem sempre darão conta de produzir a solução de todas as demandas de saúde), mas que permitirão a articulação de estratégias de cuidados, a partir da sua realidade, para a construção de novas possibilidades de vida.