O sofrimento cotidiano é uma realidade para todas as pessoas, pois ao conviver socialmente somos expostos a diversas situações que podem gerar estresse e desconforto. Entretanto, essas intercorrências podem ser agravadas em cidadãos que fazem parte das ditas minorias sociais, seja étnica, racial, de gênero ou de classe, ou todas ao mesmo tempo sobrepostas. Atualmente o setor saúde têm adotado a ideia da interseccionalidade para sinalizar os efeitos destes marcadores no processo de subjetivação e no viver cotidiano das pessoas em sociedade. Tais marcadores sociais podem tornar a vivência em sociedade marcada por maior insegurança, medo, vergonha e distintas formas de violências
No âmbito da comunidade acadêmica é de extrema importância que essa questão seja debatida, uma vez que a educação tem papel crucial na mudança da sociedade, seja por meio da formação de lideranças que lutam por essas causas seja por meio de políticas que acolham as pessoas e tornem suas vivências menos sofridas. Dessa maneira, no projeto de pesquisa ‘O Mal Estar no Laço Social e Busca Pelo Bem Viver’, são promovidas rodas de conversa com o intuito de ouvir a comunidade acadêmica e usuários do serviço público de saúde sobre o que gera sofrimento no seu cotidiano. Desta forma, por entendermos que a população LGBTQIAP+ está exposta a maiores violências e preconceitos em nossa sociedade, nos interessa fazer um recorte de escuta para esta população abrindo uma roda de conversa específica para que sintam-se confortáveis em relatar em um espaço protegido e democrático da roda as suas vivências no espaço universitário.
O trabalho com essa população será feito por meio de rodas de conversa composta de quatro encontros previamente marcados. Os discentes podem acessar a inscrição por um formulário online com dia e horário específico para essa população, assim como assinar o termo de consentimento livre esclarecido. Os encontros tem perguntas norteadoras, já previstas na pesquisa para todos os informantes e dinâmicas que buscam nortear a discussão oportunizando um momento de conhecimento da pesquisa e esclarecimentos de possíveis dúvidas, apresentações entre os participantes, mapeamento dos principais sofrimentos e das estratégias de enfrentamento, assim como debate e compartilhamento sobre redes de apoio. O objetivo central da pesquisa é escutar o que pensam e sentem os estudantes, bem como temos a intenção de que os discentes possam desenvolver a grupalidade entre si como estratégia de cuidado, além de identificação ao perceberem que não estão sozinhos em suas dificuldades.
No caso dos grupos específicos para as ditas minorias como o público LGBTQIAP+, a intenção é poder conversar sobre as especificidades que fazem parte dessa comunidade e o que experimentam no cotidiano acadêmico, além das dificuldades advindas por ser um estudante dentro de uma universidade pública no norte do país.
A adesão à roda de conversa voltada para esse público foi boa e a quantidade mínima para a realização das rodas de conversa foi atingida, mas o início da dinâmica foi adiado devido à greve na universidade. Entretanto as inscrições na atividade foram muito rápidas o que pode ser indício da necessidade de conversar sobre suas vivências e ter espaços seguros em que possam falar livremente e sem julgamentos na universidade.
Muitas pessoas acreditam que por ser uma universidade pública, um local de educação de nível superior, o espaço acadêmico será sempre progressista e aberto à diversidade, no entanto não só há casos de LBGTfobia como outros tipos de descriminação e preconceitos ainda são muito presentes e recorrentes dentro do espaço universitário. Embora seja esperado que haja acolhimento e inclusão, pois é o local onde estão formando os profissionais e pesquisadores que irão trabalhar e atuar na sociedade nas mais diferentes frentes, em muitas situações não é exatamente isto o que ocorre. Relatos de preconceitos, humilhações e diferentes tipos de violências infelizmente ainda são realidade, embora as políticas afirmativas tenham ampliado o acesso de uma gama maior de populações. Além disso, a permanência de qualquer estudante nas graduações e na pós nas universidades públicas depende de vários fatores como acesso à alimentação, segurança, questões econômicas, moradia, transporte e identificação com os espaços e pessoas e a segurança de se sentir livre para ser o que se é.
Dessa maneira, quando alguma das necessidades básicas de uma pessoa não é atendida pode amplificar o sofrimento da mesma. Se por algum motivo esse estudante já experimentou alguma forma de preconceito o sofrimento tende a ser ampliado. Por isso, quando os marcadores sociais são colocados em pauta é necessário pensar como esses discentes estão sendo recepcionados dentro dos espaços da universidade e em seus respectivos cursos. Verificar se existem locais em que possam transitar com segurança e exercer sua singularidade sem ser julgado ou tornar-se vítima de violências. Inevitável fazer-se o questionamento: existe acolhimento à diversidade dentro da universidade? Estamos criando espaços de convívio e respeito a alteridade?
Sendo assim, com as rodas de conversa da pesquisa esperamos que esse público possa expor suas dificuldades como discentes e que seja possível entender quais meios essas pessoas têm para lidar com essas questões. Também pensamos ser fundamental mapear o que já existe dentro da universidade para receber essas demandas e o que é possível fazer para melhorar esse cenário, já que o projeto tem parceria com a Superintendência de Assistência Estudantil da universidade. Por meio dos resultados encontrados ao escutar a palavra dos estudantes e sua visão sobre o espaço universitário, quiçá promover políticas mais assertivas, pois é necessário que as demandas presentes nas conversas sejam ouvidas para buscar a melhoria da qualidade de vida da população LGBTQIAP+ no espaço acadêmico. Esperamos que o espaço da pesquisa-intervenção ofertado possa servir de ponte entre as demandas dos estudantes e os gestores, pois dessa forma é possível gerar mais inclusão e criar um ambiente preparado para receber a todos, todas e todes.
A pesquisa desenvolvida aposta na criação de grupalidade como estratégia de cuidado, assim como no empoderamento e no protagonismo de cada um dos discentes escutados para criar alternativas para o bem viver no espaço acadêmico. As rodas de conversa são uma estratégia de encontro, de grupalidade e de criação de um comum que esperamos possam servir de espaço seguro e democrático para o exercício pleno da cidadania.
Pesquisas desenvolvidas nas universidades em todo o país apontam uma maior vulnerabilidade na população LGBTQIAP+, assim como apontam índices de abandono e sofrimento elevado frente aos enfrentamentos cotidiano, muitas vezes sem uma rede de apoio sólida, inclusive por parte das famílias. Acreditamos ser imprescindível escutar as pessoas, suas ideias, suas vivências e a partir desta escuta conjunta tecer alternativas mais comunitárias de lidar com os problemas enfrentados. É papel da universidade formar com excelência para a cidadania, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, mais humana e mais sustentável na busca pelo bem viver de todos.