A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) é um encontro de partilha de experiências que visa o fortalecimento pessoal e comunitário entre os participantes. Foi criada na comunidade de Pirambu em Fortaleza (CE) no ano de 1987 pelo professor Adalberto Barreto, médico psiquiatra da Universidade Federal do Ceará (UFC), tendo como objetivo oferecer escuta e acolhimento para demandas relacionadas à saúde mental. Ao longo dos anos a TCI teve projeção nacional que repercutiu na oferta de capacitação para a formação de terapeutas comunitários em todo o país em parceria com o Ministério da Saúde. No ano de 2017 a TCI foi inclusa na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde (PNPIC/SUS).
A formação em TCI possui uma metodologia teórica-prática-vivencial organizada em cinco eixos: Pensamento Sistêmico; Resiliência; Pedagogia de Paulo Freire; Teoria da Comunicação e Antropologia Cultural. O curso possui carga horária mínima de 240 horas/aula (h/a), sendo divididas em 50 h/a destinadas aos módulos teóricos, 50 h/a para as vivências terapêuticas, 80 h/a para as intervisões e 60 h/a de estágio prático, referente à condução de 30 rodas de TCI. O curso também é ofertado em formato híbrido. A prática da TCI é realizada exclusivamente por terapeutas comunitários formados por polos formadores credenciados pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária.
Considerando o processo de ensino aprendizagem no campo da TCI, tomamos como base a noção de conceitos estruturantes de Raúl Gagliard que consiste na construção de um sentido ou ideia sobre determinado assunto, veiculando informações que estabelecem conexões entre si gerando a aquisição de novos conhecimentos. Com base na leitura do livro “Terapia Comunitária passo a passo”, que subsidia a formação em TCI, vamos discutir sobre três conceitos estruturantes para o campo da TCI, o cuidado, a resiliência e a empatia, sob as perspectivas teóricas de Paulo Freire e Pierre Bourdieu.
O cuidado é o alicerce das relações na formação e na atuação em TCI e está inserido em diversos contexto no campo da prática, podendo ser entendido sob três esferas, o cuidado de si; o cuidado com o outro e o cuidado com a coletividade. O cuidado de si refere-se ao autoconhecimento e à busca pela compreensão e ressignificação da história de vida, correlacionando-se ao campo das políticas de saúde mental, psicologia, enfermagem e práticas integrativas e complementares por estar associado a uma nova consciência de si e promoção da saúde mental dos sujeitos. O cuidado com o outro enfatiza a troca e a reciprocidade nas relações, baseando-se no respeito e na horizontalidade e perpassa pela saberes e práticas dos profissionais da saúde. O cuidado com a coletividade remete ao bem-estar comum, atingindo ações governamentais e mobilizações da sociedade civil em média e grande escala em prol da saúde da população e do planeta.
Nos reportando à Freire, entendemos que o conceito de cuidado é trabalhado nas formações e na atuação em TCI a partir de uma perspectiva dialógica que estimula os estudantes à reflexão crítica acerca do cuidar e ser cuidado que se relacionam as suas experiências e história de vida e podem transcender à prática em si. Seguindo a lógica da teoria de Bourdieu, as práticas de cuidado incorporadas pelos sujeitos no processo de socialização e por sua posição social referem-se ao habitus e se relacionam a sua rede de contatos (capital social) e aos recursos culturais disponíveis (capital cultural), sendo que na TCI o aprendizado sobre cuidado será influenciado pelo contexto e história de vida.
A empatia está relacionada à compassividade e à solidariedade gerada na relação entre os envolvidos com a TCI, para que se tornem capazes de se colocar no lugar do outro, se sensibilizando com o sofrimento e a dor alheia. O acolhimento e a escuta ativa são elementos importantes para a aprendizagem no campo da TCI, favorecendo os sentimentos de aceitação e de pertencimento presentes na área da Pedagogia, além de estimular o respeito mútuo e a posse da fala, questão essencial para a expressão das classes minoritárias, conforme discussões no campo da Educação Popular. Considerando Freire, a TCI desenvolve-se por meio de uma visão ampla do formador ao levar em conta no conteúdo programático as experiências dos estudantes e as relações de desigualdades e de opressão existentes na sociedade, visando a conscientização e a mudança social. Nesse sentido, no método compreensivo bourdieano as relações de assimetria decorrem das diferentes posições que os agentes ocupam no campo, sendo que através da reflexividade eles tornam-se capazes de refletir criticamente sobre si mesmos e a posição ocupada e observarem as influências da distribuição desigual de capital social e cultural na vida em sociedade. Partindo dessa perspectiva, no campo da TCI as relações entre formador/estudante e terapeuta comunitário/comunidade serão pautadas pelo exercício crítico que envolve compreender a singularidade dos dramas da existência humana e empreender uma autoanálise que os converta a uma pluralidade de pontos de vista sobre as circunstâncias comuns da vida.
No campo da física, a resiliência refere-se à propriedade de um corpo de retornar ao seu estado original sem deformações. A psicologia toma emprestado esse conceito para defini-la como a capacidade humana de enfrentamento às adversidades sem esmorecer pelas intempéries da vida. No campo da TCI, além do incentivo ao reconhecimento do potencial humano e comunitário, vislumbra-se a promoção da autoestima e da qualidade das relações interpessoais, além do sentimento de autoconfiança para maior capacidade responsiva de resolução dos problemas. A dialética do oprimido e opressor existente em nossa sociedade, como postulado por Paulo Freire, reproduz sistemas de dominação e exploração resulta na diminuição dessa capacidade humana, e por consequência, em um sentimento frequente de menos-valia entre as classes populares. Com o processo de conscientização, a classes oprimida reumaniza à si e à classe opressora, possibilitando movimentos libertadores que minimizam os esquemas segregadores e excludentes societários, provocando em todos os envolvidos o questionamento permanente sobre a sua condição existencial. As ideias de Freire, reforçam a discussão de Bourdieu sobre a hierarquização das estruturas sociais e da distribuição desigual de capital social e cultural entre os agentes no campo. Nesse sentido, conhecer esses aspectos na formação e atuação em TCI torna-se essencial para a ruptura dos paradigmas dominantes, apontando para novas possibilidades de transformação social.
Consideramos que o cuidado, a empatia e a resiliência estão intrinsecamente ligados aos campos das ciências sociais e humanas, assim como das ciências naturais, inclusive ao das políticas públicas de saúde. Esses conceitos demonstram uma forte interligação entre si, o que enriquece o repertório de conhecimentos adquiridos na formação em TCI e facilita a assimilação de novas temáticas, estimulando a pesquisa em áreas relacionadas à TCI e a outros campos do conhecimento. No contexto da atuação em TCI, destacamos a importância da construção do conhecimento com base nos conceitos estruturantes apresentados, uma vez que não apenas contribuem para o aprendizado dos terapeutas comunitários, mas também influenciam positivamente na relação entre eles e a comunidade assistida. Essa dinâmica de aprendizado contínuo promove o engajamento e a autonomia, beneficiando tanto os profissionais quanto os indivíduos envolvidos com o campo da TCI.