O uso do território líquido pelos usuários da calha do Alto Rio Solimões no acesso à saúde

  • Author
  • Letícia Santos de Souza
  • Co-authors
  • Michele Rocha de Araújo El Kadri , Marluce Mineiro Pereira , Júlio Cesar Schweickardt , Henrique Araújo da Silva , Helen Carvalho Silva , Marcos Vinícius Santos Batista Silva , Sônia Maria Lemos
  • Abstract
  • Apresentação: O objetivo deste trabalho é caracterizar o uso do território líquido da Amazônia, a partir do perfil do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), do Alto Solimões. A região do Alto Solimões é composta pelos municípios de Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Fonte Boa, Jutaí, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Tonantins. Possuem em comum um território líquido, fluido e que se refere ao movimento e a energia produzida pelos ciclos das águas. Por ser uma região de tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, apresenta particularidades que interferem diretamente no fluxo de atendimento dos serviços. Ocorre tanto de usuários do território que buscam atendimento especializado nos países adjacentes, quanto de estrangeiros que buscam atendimento no sistema de saúde brasileiro. 

    Desenvolvimento: Trata-se de uma pesquisa de campo realizada nos municípios de Amaturá, Fonte Boa, São Paulo de Olivença e Tabatinga. O estudo faz parte do projeto "O acesso à rede de saúde em uma Região de Tríplice Fronteira", financiado pelo Programa INOVA FIOCRUZ. A primeira autora é bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) do Programa de Iniciação Científica do Instituto Leônidas e Maria Deane - PIC/ILMD/FIOCRUZ AMAZÔNIA. Foram realizadas entrevistas estruturadas no REDCap para o levantamento de informações sociodemográficas e entrevistas com roteiro semiestruturado para compreender como o uso do território condiciona o acesso aos serviços. As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas com o auxílio do software MaxQDA. 

    Resultados: A partir do uso do REDCap, foi possível caracterizar o perfil dos usuários dos quatro municípios. Dos entrevistados, 18% eram de Amaturá, 12% de Fonte Boa, 49,33% de São Paulo de Olivença e 20,67% de Tabatinga. Apenas 2% dos entrevistados residiam na Zona Rural enquanto 98% residiam na zona urbana. Quanto à atividade econômica, 14,66% estão desempregados, 21,33% realizam apenas atividades domésticas, 40% atuam no serviço público, 12% possuem trabalho informal, 3,33% trabalham na pesca e 8,66% desempenham outras atividades. Os que possuem renda familiar menor que R$ 1.320,00 representam 42%, os que recebem entre R$ 1.320,00 a R$ 2.600,00 são 46%, entre R$ 2.600,00 a R$ 5.280,00 são 10% e apenas 2% recebem acima de R$ 5.280,00. 31,33% dos entrevistados disseram não receber benefícios e 68,66% afirmaram receber. Destes, 73,78% são beneficiários do programa Bolsa Família, 20,38% recebem aposentadoria, 1,94% recebem BPC e 2,91% recebem outro tipo de benefício. Quanto ao número de pessoas que residem no mesmo domicílio, 42% informaram que residem de 1 a 4 pessoas, 54% de 5 a 9 pessoas e mais de 9 pessoas foram 4,66%. Sobre o fornecimento de água, 29,43% informaram ter abastecimento de água encanada 24H, 55,33% recebem abastecimento de água encanada por menos de 24H, já os que possuem abastecimento por meio de poço artesiano são 11,33%, os que coletam água diretamente do rio são 2,66% e os que não possuem água encanada representam, também, 2,66%. Aqueles que coletam água diretamente do rio, informaram fazer o tratamento com o hipoclorito para torná-la potável. Das instalações sanitárias, 63,33% possuem fossa séptica, 19,33% possuem rede de esgoto e 14% possuem outro tipo de manejo dos dejetos, sendo 75% descartado diretamente no igarapé/rio e 25% utilizam casinha. Quanto a coleta de lixo, 26,66% afirmam ter coleta de lixo diariamente, 56% têm coleta de 1 a 3 vezes na semana, 1,33% disseram jogar no córrego, 3,33% disseram não ter coleta e 12,66% fazem a queima do lixo. A respeito da comunicação, 83,33% informaram utilizar telefone móvel, 54% possuem acesso à Internet e 16,66% não utilizam nenhuma das alternativas. O acesso à Internet é feito através da conexão Wi-Fi por 10,66% dos entrevistados, 66,66% através dos dados móveis, 0,66% acessam na escola e 1,33% acessam no trabalho. Em relação ao deslocamento para acessar os serviços, foi possível descrever 4 categorias:  municípios de deslocamento, meio de acesso, tempo de deslocamento e regulação. 48,66% se deslocaram para Manaus, 16,66% para Tabatinga, 6% para cidades colombianas, 4,66% para Santo Antônio do Içá, 2,66% para Tefé e 32% não precisaram se deslocar em nenhum momento. Sobre os meios de acesso, 60% dos entrevistados utilizam barco (recreio) como transporte, 46,66% utilizam lancha, 10,66% utilizam baleeira e apenas 6% utilizam catraia. Os três municípios referenciam para Tabatinga e Manaus, o tempo de deslocamento varia com a sazonalidade e o tipo de transporte que se está utilizando. Sobre a regulação, 18% acessaram o serviço por conta própria, 16% tiveram o apoio da secretaria municipal de saúde, 10% foram encaminhados pelo Sistema de Regulação (SISREG), 7,33% tiveram o apoio da prefeitura e 46,66% não precisaram ser encaminhados. Em relação à rede de saúde, Amaturá possui 1 unidade de atenção hospitalar, com capacidade de ocupação de 30 leitos, 2 unidades básicas de saúde na zona urbana e 1 unidade básica de saúde na zona rural. Fonte Boa possui 1 unidade de atenção hospitalar, com capacidade de ocupação de 58 leitos, 4 unidades básicas de saúde e 1 unidade básica de saúde fluvial. São Paulo de Olivença possui 1 unidade de atenção hospitalar, com capacidade de ocupação de 46 leitos, 6 unidades básicas de saúde e 1 unidade básica de saúde fluvial. Tabatinga, por sua vez, possui 1 unidade de atenção hospitalar, com capacidade de ocupação de 15 leitos, 1 maternidade, 8 unidades básicas de saúde na zona urbana e 1 unidade básica de saúde fluvial. 

    Durante o período de cheia do rio, o tempo de deslocamento se torna menor, tendo em vista que há maior fluidez na navegação, entretanto, em casos de urgência para atendimento, os usuários optam por utilizar a lancha como meio de transporte, já que sua estrutura torna ainda mais rápida a chegada ao município de destino, do que através de barco. Durante a estiagem do rio, torna-se complexo o deslocamento entre os municípios, já que a logística difere totalmente do período de cheia. Percursos que levam, geralmente, 30 minutos na cheia, se transformam em 1 hora e 30 minutos. Tal relação impacta diretamente nas questões financeiras do usuário, que opta por meios que possuem um itinerário maior, porém com um custo inferior, principalmente usuários que não possuem incentivo por parte da prefeitura e secretaria de saúde de seu município e se deslocam para o município de referência utilizando recursos próprios. O processo de regulação também é  um fator que interfere neste fluxo, já que, quando não há o serviço disponível no município de origem, é necessário que o usuário aguarde a inserção no sistema de regulação do Sistema Único de Saúde (SUS). Geralmente são referenciados para Manaus, por possuir múltiplos serviços especializados e maior capacidade de acolhimento aos usuários, porém com extensa fila de espera, para alguns procedimentos. A partir disso, o usuário precisará permanecer um período de tempo para realização de exames, por exemplo. 

    Considerações finais: As particularidades do território refletem diretamente no cotidiano dos usuários, principalmente no fluxo de deslocamento e acesso aos serviços em outros municípios. Compreender tais questões é de suma importância para a construção de políticas públicas que voltem o olhar para as necessidades do contexto amazônico, que corroborem para a promoção do cuidado mais equitativo e que proporcionem melhores condições de acesso a todos, colocando em prática os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS).

     

  • Keywords
  • Território líquido, Acesso à Saúde, Amazônia
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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