A Organização Mundial da Saúde decretou o fim da pandemia da COVID-19 como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em maio de 2023, contudo muitos indivíduos ainda apresentam sequelas da doença. A presença de sintomas persistentes, após 12 semanas do início da doença, que não são atribuíveis a diagnósticos alternativos, caracterizam a Síndrome Pós-COVID-19. Segundo a literatura, 80% dos pacientes têm mais de dois sintomas, podendo ser relatado até mais de 10 sintomas persistentes da COVID-19. Os mais prevalentes são fadiga, dispneia, tosse, cefaleia, insônia, entre tantos outros mencionados, sendo observado que a presença de cinco sintomas durante a primeira semana da doença está associada a manifestação da Síndrome Pós-COVID-19. Estudos sugerem que mecanismos causais múltiplos podem estar subjacentes à Síndrome Pós-COVID-19, e que fatores genéticos, lesões pré-existentes à infecção, fatores desconhecidos ou mal definidos, e a própria insuficiência aguda decorrente da doença podem contribuir para as manifestações sistêmicas. Além disso, as mulheres, os indivíduos com idade avançada e aqueles que apresentaram maior gravidade na fase aguda da doença parecem ser mais suscetíveis aos sintomas persistentes. Ademais, foi observado a relação dos sintomas com comprometimentos cardiopulmonares, musculoesqueléticos e neurológicos e que impactaram na qualidade de vida dos acometidos. Diante do contexto de muitos indivíduos com Síndrome Pós-COVID-19, estratégias de reabilitação precisaram ser implementadas. Num primeiro momento, dada a dimensão vivenciada pela pandemia, o maior esforço de pesquisa foi direcionado ao tratamento da fase aguda da doença. Entretanto, ainda não existe um tratamento específico para o manejo de pacientes com Síndrome Pós-COVID-19. A assistência ambulatorial hospitalar para a gestão da demanda de pacientes Pós-COVID-19 moderada a grave apresentada, ainda no primeiro ano da pandemia, foi fundamentada no efeito modulador do exercício físico, com evidências bem estabelecidas para as manifestações clínicas e prognósticos no manejo de doenças crônicas cardíacas e pulmonares. As evidências científicas dos programas de reabilitação cardiopulmonar foram a base para a implementação dos programas de reabilitação Pós-COVID-19. Os eixos norteadores desse programa foram a biogênese mitocondrial, uma vez que o exercício leva ao aumento da capacidade oxidativa muscular em função do aumento na quantidade de mitocôndrias; e a resposta crônica a sucessivas sessões de exercício, caracterizada pela produção de proteínas específicas, que contribuem para a alteração no fenótipo, e consequente melhora no desempenho físico à medida que as células se adaptam às sobrecargas de esforço físico imposto no programa de reabilitação. Além disso, como benefícios do exercício no sistema respiratório e muscular, pode ser observado a dessensibilização da dispneia, aumento na captação de oxigênio e melhora no estresse oxidativo e função pulmonar, aumento da massa e força muscular, melhor coordenação motora e resistência. Por fim, o exercício proporciona aumento da imunidade que pode ser atribuído ao aumento das respostas anti-inflamatórias, diminuição das citocinas pró-inflamatórias e imunosenescência. Nessa comunicação, relatamos nossa experiência na implementação do Ambulatório Multiprofissional de Reabilitação Pós-COVID-19 no Hospital da Universidade Federal de Santa Maria, RS (HUSM/UFSM). O HUSM é referência em saúde para a região Centro-oeste do Rio Grande do Sul, com uma abrangência de 45 municípios, atendendo 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O HUSM é um hospital de alta complexidade que recebe pacientes de 12 municípios da 10ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) e o principal hospital para os municípios da abrangência da 4ª CRS. Desde 2013, tem a certificação pelo Ministério de Saúde e Ministério de Educação como Hospital de Ensino. Assim, configura como o maior hospital de ensino do interior do estado do Rio Grande do Sul, atuando no campo do ensino, da pesquisa e da extensão. Em outubro de 2020, uma comissão de profissionais do HUSM e professores dos cursos de fisioterapia, fonoaudiologia e medicina da universidade elaboraram e desenvolveram o projeto da criação do Ambulatório de Reabilitação Pós-COVID-19, mediante a demanda clínica do número de altas do hospital universitário. Alguns dados hospitalares das primeiras internações em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) COVID-19 do HUSM demonstraram um montante de 164 pacientes, destes 112 eram homens e 51 eram mulheres com média de idade de 57,19±16,46 anos. O tempo de internação em UTI foi de 13,5 (1 -54) dias e o tempo total de internação hospitalar variou de 1 a 117 dias. Os principais sintomas relatados foram a dispneia, tosse, fraqueza, mal-estar geral, anosmia, ageusia, náuseas. Em janeiro de 2021 implementou-se as atividades do Ambulatório de Reabilitação Pós-COVID-19 com o intuito de proporcionar ao paciente uma proposta de reabilitação integral, com atenção multidisciplinar à saúde. Até 2023 cerca de 150 pacientes foram encaminhados ao programa de reabilitação Pós-COVID-19, e 94 indivíduos foram avaliados, totalizando 870 atendimentos, distribuídos em sessões de avaliações, reavaliações e tratamento. O programa de reabilitação Pós-COVID-19 foi organizado para atender as demandas específicas individuais. Para tanto, uma triagem inicial abordando aspectos funcionais, nutricionais, psicológicos e de qualidade de vida, foi realizada por equipe multiprofissional do ambulatório. Um período mínimo de 12 semanas foi considerado na reabilitação e decorrido esse prazo, reavaliações sistemáticas foram realizadas a fim de monitorar as sequelas da COVID-19. Conjuntamente com a assistência, estudos foram desenvolvidos nos Programas de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana e Ciências do Movimento e Reabilitação da UFSM, com objetivo de contribuir com evidências científicas sobre a temática. Nossos principais achados foram publicados em revistas nacionais e internacionais e podemos destacar: Uma ou mais comorbidades prévias foram observadas, predominando as respiratórias e cardiovasculares; pacientes com Síndrome Pós-Covid-19, quando estratificados conforme o índice de massa muscular esquelética apendicular, apresentaram risco de desnutrição e obesidade. Destaca-se a persistência de fadiga, fraqueza, mialgia e artralgia após seis meses da alta hospitalar; pacientes que demandaram ventilação invasiva, apresentaram maior tempo de internação hospitalar e níveis elevados de D-dímeros, o tempo máximo de fonação diminuiu e a maior fadiga vocal foi relatada. Em destaque para o achado de que um tempo máximo de fonação inferior a 10,60 segundos ou contagem numérica até o número 13 pode indicar um comprometimento na capacidade vital forçada da função pulmonar. E Por fim, encontramos que a mobilidade funcional, qualidade muscular do vasto intermédio, tempo de internação e sexo feminino influenciam a pontuação na Escala de Estado Funcional no Pós-Covid-19, com a mobilidade funcional sendo um preditor independente. O HUSM, por meio das ações implementadas no Ambulatório Pós-COVID-19, está cumprindo com a sua função social, disponibilizando a Unidade de Reabilitação para a comunidade regional. Paralelamente, o HUSM também está exercendo seu compromisso com o ensino, assim como com a formação qualificada, embasada sobretudo na ciência, ao integrar docentes, servidores e pós-graduandos aos saberes dos núcleos atuantes no Ambulatório Pós-COVID-19. Diante do exposto, a implementação do ambulatório possibilitou o acompanhamento dos indivíduos que estiveram internados, proporcionando o conhecimento e tratamento das sequelas da doença. Além disso, as ações implementadas no Ambulatório Pós-COVID-19, estão em consonância com as premissas do SUS e reafirmam o compromisso com o ensino e a formação qualificada integrando os saberes multiprofissionais.