Apresentação: O câncer é um importante problema de saúde pública visto a sua extensão epidemiológica, social e econômica. A Organização Mundial da Saúde e a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, preveem em seu relatório global, aumento de 60% dos casos de câncer nas próximas duas décadas, com maior índice, cerca de 81%, em países de baixa e média renda. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer são esperados 704 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano do triênio de 2023 a 2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência. No que tange ao cenário rural, as pessoas com câncer podem estar em maior desvantagem quanto às suas condições de saúde, o que se associa com falta de oportunidades e dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Muitas vezes, essa população vive isolada no seu domicílio com pouca relação interpessoal, possui baixa escolaridade e menor acesso à informação e ainda são delimitadas por políticas públicas voltadas à população urbana, que não condizem com o contexto no qual estão inseridas. No Brasil, apesar de existir uma Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta e das Águas, na prática, por vezes não há articulação com a Política Nacional de Atenção Básica, havendo descontinuidade no cuidado em saúde quando se trata de territórios rurais. A diferente caracterização do território rural brasileiro reforça a necessidade de estudos que abarquem essa diversidade de ruralidades. Portanto, estudos locais e regionais devem ser desenvolvidos para que se possa interpretar e propor estratégias para o planejamento e organização do espaço, bem como compreender as relações socioculturais presentes no território, que não são observadas nas classificações territoriais. Para tanto, este estudo teve como objetivo compreender as experiências das pessoas com câncer residentes no contexto rural em municípios rurais adjascentes que integram a 15ª Coordenadoria Regional da Saúde do Rio Grande do Sul. Desenvolvimento: pesquisa qualitativa, exploratório-descritiva. O campo do estudo foram 11 municípios que compõem a 15ª Coordenadoria Regional da Saúde do RS classificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística como rurais adjacentes. Consideram-se municípios rurais adjacentes àqueles que estão a uma distância próxima de centros urbanos com maior complexidade de oferta de bens e serviços e são unidades populacionais que possuem entre 3.000 e 10.000 habitantes em área de ocupação densa, com grau de urbanização inferior a 75%. Para a seleção dos participantes seguiram-se os seguintes critérios de inclusão: possuir um diagnóstico de câncer, bem como o conhecimento do mesmo; possuir idade igual ou maior que 18 anos; residir em território rural; ter vínculo com o serviço de atenção primária à saúde e consentir que o processo de coleta de dados ocorra no seu domicílio. Como critério de exclusão elencou-se pessoas que não apresentassem condições cognitivas e/ou clínicas para participar da entrevista. A coleta de dados deu-se no segundo semestre de 2023, a partir da entrevista semiestruturada nos domicílios das pessoas com câncer. A coleta dos dados obedeceu ao critério de saturação temática e para a apreciação dos dados obtidos utilizou-se a Análise de Conteúdo do Tipo Temática. Os resultados da análise dos depoimentos dos participantes foram organizados em quatro categorias temáticas, as quais destacam as experiências de pessoas com câncer que residem no contexto rural, sendo elas: “A vida e o trabalho antes do adoecimento”, “O impacto do diagnóstico”, “A importância da família, espiritualidade e rede de apoio” e “Aspectos positivos e dificuldades de viver no contexto rural”. Resultados: Os discursos construídos através das experiências das pessoas com câncer possibilitam compreender que o trabalho no meio rural é predominantemente braçal, com exposição a fatores de risco ao adoecimento. Percebe-se, também, que a aceitação da doença, o impacto do diagnóstico, as incertezas do tratamento e a associação do câncer com a morte foram os efeitos mais prevalentes ao diagnóstico. As experiências das pessoas com câncer sinalizam aspectos positivos em residir no meio rural, como sentimentos de pertencimento àquele espaço; fortalecimento de laços familiares, sociais e culturais; cultivo de alimentos possibilitando um estílo de vida mais saudável comparado com a população urbana; saúde mental atrelada à possibilidade de conexão com a natureza. No entanto, identificaram-se vivências que denotam sofrimento em residir no contexto rural, relacionadas às condições de trabalho, limitações decorrentes do adoecimento, distância geográfica e deslocamento para acessar os serviços de saúde. Os dados sinalizam que a presença da família, a espiritualidade e a rede de apoio destacam-se como fatores que auxiliaram grandemente no enfrentamento da experiência vivida, potencializando os tratamentos exigidos pelo adoecimento por câncer. Esta pesquisa apresenta resultados que podem contribuir com a organização do processo de cuidado na Atenção Primária à Saúde em municípios rurais adjacentes. Diante disso, constata-se a necessidade de reavaliar as assimetrias do processo de cuidado ao paciente oncológico, instituir protocolos norteadores, definir as atribuições profissionais e fortalecer a formação continuada para proporcionar um cuidado seguro e de qualidade. De modo geral, foi possível identificar que as vulnerabilidades na qual se encontram as pessoas com câncer nos territórios rurais no campo do estudo não são acentuadas, visto que se trata de uma população que vive em municípios rurais adjacentes, ou seja, localizados a uma distância próxima de centros urbanos com maior complexidade de oferta de bens e serviços, resultado que, por exemplo, poderia ser diferente em uma população que vive em territórios rurais remotos. As vulnerabilidades podem se acentuar menos ou mais de acordo com cada território, o que sinaliza a importância de estudos loco-regionais que identifiquem a realidade e as necessidades de saúde particulares. Considerações finais: Considerando a atribuição da Atenção Primária à Saúde como porta de entrada preferencial nos cenários investigados, evidencia-se que a mesma exerce um papel central no cuidado às pessoas com câncer, sendo essencial a articulação em rede para viabilizar a universalidade do acesso aos outros níveis de atenção. Sendo assim, é fundamental que os profissionais que atuam na Atenção Primária, reconheçam a dimensão que o câncer vem ocupando na esfera da saúde e a importância do seu papel como gestor, principalmente, em territórios que fogem do alcance das políticas públicas de saúde. Somado a isso, é necessário uma aproximação e relação estreita com o território, além de um cuidado cultural, singular e integral. Realizar a coleta de dados no domicílio das pessoas com câncer permitiu uma maior aproximação com o território, o ambiente, a cultura, alguns hábitos, interações sociais, família e redes de apoio, sendo possível a visualização de potencialidades e/ou dificuldades para a efetivação do cuidado. Este estudo apresenta a limitação de ter sido realizado em uma área rural específica, com foco em municípios rurais adjacentes, não sendo possível sua generalização, haja vista a diversidade de ruralidades no território brasileiro. No entanto, sugerem-se novos estudos em diferentes cenários rurais, considerando a extensão territorial do país, as diferentes formas de organização da APS em cada município e as especificidades que mudam de acordo com o contexto que impactam o estado de saúde da pessoa com câncer.