O presente trabalho trata-se de um recorte de uma pesquisa guarda-chuva intitulada “O mal estar no laço social e a busca pelo bem viver”, a qual cria um espaço para expressão do processo de sofrimento e de estratégias adotadas por discentes da Universidade Federal do Pará e de usuários atendidos nas redes de serviço de Belém do Pará. O objetivo estabelecido foi de proporcionar um espaço de reflexão, compartilhamento e pensar estratégias para enfrentamento do que produz mal estar cotidiano. Para o desenvolvimento desta pesquisa, considerando sua natureza, foi utilizada a etnografia por se adequar pela sua característica de observação sistemática das situações reais, do espaço onde acontecem e possibilita o pesquisador ter um contato mais próximo do campo e das pessoas que se dispuseram a participar e compartilhar suas experiências. Com base nesta abordagem foram formados os grupos com a proposta de desenvolver quatro encontros no formato de rodas de conversa sobre os sofrimentos, as estratégias de enfrentamento de sofrimento, a rede de apoio e uma devolutiva aos participantes ao final dos encontros. Utilizamos para compilar o material da investigação os diários de campo dos pesquisadores, com suas observações e percepções, mas também os materiais e as narrativas produzidas nas rodas pelos informantes. Cabe destacar que os participantes tinham espaço para falar abertamente sobre suas experiências e, principalmente, quais suas estratégias para lidar com o sofrimento. Nos encontros utilizamos diferentes dinâmicas para auxiliar no processo de abertura do grupo para falar/escutar as argumentações dos envolvidos. Neste trabalho vamos destacar a experiência da realização do grupo piloto com os discentes da Universidade Federal do Pará, dando ênfase aos resultados encontrados, destacando as relações familiares e rede de apoio como estratégia prioritária. Neste ponto é importante contextualizar que a maioria dos participantes da roda de conversa não eram naturais de Belém: são jovens que tiveram que sair do interior, dos seus lares para prosseguimento dos estudos na capital. Interessante como durante os relatos dos participantes os aspectos familiares e rede de apoio foram um dos pontos prioritários. O que mostra que apesar de nas últimas décadas a sociedade passar por constantes transformações, dentre elas a constituição familiar, ela ainda é um alicerce para os jovens, para o sentimento de pertencimento e apoio: um vínculo estabelecido durante toda uma vida, apesar do conflitos que ocorrem, ainda sempre presentes nos discursos. Cabe destacar ainda os vínculos afetivos que de forma geral apareceram nos relatos como rede de apoio tais como: grupos de amigos da própria universidade, namorados e relações que promovem bem estar e representam conforto. Sendo assim, a partir dessas perspectivas todas essas redes citadas aparecem como elementos importantes para apoio emocional dos participantes que estão com o cotidiano repleto de demandas, novas responsabilidades no meio acadêmico, sendo que a maioria muitos desses jovens moram sozinhos na capital e, em muitos casos, são os primeiros da família a entrar no ensino superior. Essas questões trazem mistos de sentimentos como orgulho, responsabilidade, mas também sofrimento, cobranças e angústias. A educação é tida como um meio de acesso à um futuro com melhores possibilidades e condições para um bom emprego e futuro profissional. Nesse sentido, o ingresso desses jovens na universidade pública representa muito para si e para a família. Destacamos ainda que a entrada de muitos se dá por meio das vagas de ações afirmativas, que têm um papel importante de oportunizar e transformar a realidade destas pessoas. O apoio e a participação parental apareceram como muito importantes nesse processo. As escolhas são carregadas de afetos, esperança, mas também verificamos que pode ocorrer medo e insegurança na trajetória que está sendo traçada, até pelo medo de não responder as expectativas. E a família é combustível que mesmo à distância fornece suporte não só financeiro mas emocional e encorajamento para seguir em frente. O suporte se dá no alívio da saudade, da tristeza, com o contato por meio de ligações, mensagens, visitas, coisas simples, mas que amenizam o sofrimento de estar longe de casa. Os discentes que participaram das rodas relataram que os amigos conquistados no ambiente acadêmico se tornam também companhia e suporte. Muitos também são oriundos de outras cidades e acontece o compartilhamento das experiências, tanto as boas como as ruins. É com eles que dividem suas angústias e questões, formam grupos e boas relações. Esses momentos proporcionam afago e acolhimento das questões que surgem quanto ao futuro profissional, as inseguranças em relação ao curso, ou a profissão escolhida. Desta forma os amigos aparecem também como estratégia e rede de apoio para enfrentar os desafios e sofrimentos do cotidiano acadêmico, muitas vezes ocupando o lugar de família ampliada. A implementação destas rodas nos permite algumas considerações interessantes sobre o impacto da família e da rede de apoio. Um deles é o amadurecimento do discente após saída do lar familiar para buscar novas oportunidades de estudo e profissional. Outro aspecto a ser destacado é a ampliação do uso de estratégias, incluindo o autocuidado, mas em especial a constituição de núcleos de amigos para amenizar sofrimentos causados pela sensação de solidão. Por enfrentarem cotidianos semelhantes, os discente experimentam nas relações e amizade um sentimento de pertencimento e de empatia. Por serem estudantes de graduação, os compromissos e receios pelo o que está por vir do futuro profissional e toda a insegurança que gera, é fundamental que a universidade se preocupe com essa demanda que apareceu como coletiva e crie estratégias para acolhimento dessas fragilidades. Nesse sentido, os resultados preliminares indicam que é importante investir de forma mais efetiva no amparo desses jovens ofertando espaços para que possam constituir redes de apoio que sustentem as adversidades e as conquistas do espaço acadêmico para além da casa familiar. Não somente a família, mas a instituição de ensino superior devem estar atentos ao cotidiano e as vivências dos discentes. Partindo justamente da pesquisa foi notório que criar, divulgar, indicar serviços e projetos que contribuem para o bem estar, ofertar espaço de conversas, discussão dos sentimentos e expectativas é importante. As primeiras rodadas da pesquisa nos sinalizam que verbalizar ou exteriorizar emoções é fundamental, assim como compartilhar não somente as tristezas, mas também as alegrias das novas oportunidades que estão sendo vivenciadas. Desta forma, também é imprescindível ressaltar a importância desta pesquisa que contribui para que haja intervenções nas demandas coletivas de sofrimento dentro da universidade. Abrir um diálogo coletivo envolvendo a comunidade universitária como um todo, pois este é apenas um recorte de uma parte da pesquisa com alguns discentes, mas em todos os cursos podem existir demandas semelhante. Considerar este estudo é importante para emergir as falas dos discentes, que possibilita escutas das questões genuínas dos participantes e, a partir delas, descobrir formas de se fazer pesquisa e ciência de maneira mais empática. A pesquisa é rotina dentro da universidade, por outro lado as relações tem um espaço significativo nesse ambiente podendo ser acolhedor. Desta forma, fazer pesquisas participativas, escutando e compondo com os estudantes talvez também possa operar como rede de apoio ampliada aos discentes.