Apresentação
Este trabalho se insere no contexto do projeto “Estudo Brasileiro: Inquérito nacional sobre o perfil educacional e profisisonal de enfermeiros(as) de saúde integrativa e práticas tradicionais – ENFPICS”, que visa analisar o perfil educacional e profissiogra?fico de enfermeiros(as) brasileiros(as) que realizaram formac?a?o em PICS. Considerando as significativas diferenças socioeconômicas entre as diferentes regiões do país, propõe-se aqui uma análise de dados relativos à Região Norte, focando na identificação do perfil de formação e atuação profissional de enfermeiros(as), especialmente daqueles que realizaram formação em PICS. Por meio da combinação de dados quantitativos e qualitativos, amplia-se a análise para considerar as motivações que levam os profissionais a buscarem essa formação e suas implicações na maneira como os profissionais concebem e realizam seu trabalho de enfermeiros.
Desenvolvimento
A pesquisa foi realizada entre julho de 2021 e junho de 2022, por meio de duas etapas de coleta de dados. Inicialmente, foi realizado um levantamento quantitativo, com questionário eletrônico amplamente divulgado, com critério de participação sendo ter graduação em Enfermagem. O formulário incluiu questões sobre perfil demográfico dos participantes, suas trajetórias de formação e vínculo profissional. Aos responderam positivamente sobre terem formação em PICS, abria-se um conjunto de questões sobre as características dessa formação, os usos que fazem dessas práticas e perguntas abertas sobre potencialidades e desafios das mesmas. Posteriormente, foram realizadas entrevistas em profundidade com profissionais participantes da primeira etapa que declararam ter formação em PICS e se disponibilizaram a participar. A entrevista semiestruturada foi realizada por meio de plataforma virtual destinada a webconferência, com gravação e transcrição do conteúdo na íntegra. A média de tempo das entrevistas foi de 60 minutos, abrangendo perguntas sobre as motivações para trabalhar com PICS, a organização do processo de trabalho e as percepções sobre a presença desse conteúdo na formação de enfermeiros. Na Região Norte, foco deste estudo, houve 21 respondentes na primeira etapa, onze deles com formação em PICS, dos quais cinco foram entrevistados na segunda etapa.
A análise dos dados quantitativos foi realizada com caráter descritivo, traçando um perfil sociodemográfico e profissiográfico dos participantes; os dados qualitativos foram tratados por meio de análise textual discursiva, utilizando o software NVivo para codificar as entrevistas conforme as categorias de análise previstas nos objetivos iniciais do estudo e ampliando para aspectos significativos apresentados pelos próprios entrevistados.
Resultados
Os resultados da etapa quantitativa contaram com 21 respondentes, em maior quantidade do Pará e Amazonas; e em menor quantidade participantes dos demais estados da região. Os participantes da pesquisa têm idades bastante diversas e distribuídas ao longo das etapas de vida e de carreira; são em sua maioria do sexo feminino (71,5%) e autodeclarados pardos (66,7%); todos são brasileiros, e a maior parte oriundos dos estados da própria Região Norte. Prevalece servidores públicos (71,4%) e o serviço público como situação de trabalho, com carga horária entre 40 e 44 horas semanais. Aproximadamente metade dos participantes afirmou ter como renda até quatro salários mínimos. O nível de escolaridade de pós-graduados foi expressivo, sendo a especialização/residência o nível mais prevalente.
Dos 21 respondentes, 11 declararam ter formação em PICS. Todos consideraram que essas formações foram muito importantes em sua vida profissional e declararam realizar atividades com PICS na rotina de trabalho. A maioria (82%) afirma ter tido contato com estes conhecimentos após o início de sua prática profissional, e todos consideram que a atuação e formação em PICS teve repercussão positiva na percepção e promoção de sua própria saúde, e 90,5% consideram que gerou aumento de sua autonomia como enfermeiros. Dos cinco entrevistados da etapa qualitativa, atuantes em diferentes setores - oncologia ambulatorial, atenção básica, gestão de políticas, atenção privada e docência -, todos relatam buscar estratégias que lhes permitam priorizar a inserção das PICS em sua rotina de trabalho. Apenas três das onze pessoas com formação em PICS as mencionaram como área de especialização em pós-graduação, duas pessoas em medicina chinesa, e outra em medicina integrativa e yoga restaurativa. As demais áreas de estudo em pós-graduação foram variadas, incluindo psicologia, gestão em saúde, segurança do paciente, enfermagem dermatológica, urgência e emergência, oncologia, terapia intensiva, saúde da família, feridas, enfermagem obstétrica e neonatal, saúde da mulher. Todas as pessoas entrevistadas tinham formação e atuação em mais de uma PICS, passando por reflexologia podal, massoterapia, reiki, acupuntura, auriculoterapia, shantala, terapia comunitária integrativa, musicoterapia e cromoterapia.
A partir das entrevistas, é possível considerar que se encontra na região profissionais com trajetórias que envolvem conhecimentos transmitidos familiarmente, apontando para a influência que a proximidade com a floresta e as práticas populares tiveram em seu percurso. Percebe-se também uma motivação para trabalhar com PICS decorrente de experiências pessoais como usuários, e da percepção subjetiva do potencial destas abordagens frente a lacunas percebidas nos recursos para o cuidado existentes na formação e atuação convencional da enfermagem.
Os resultados apontam para modificações nas concepções de saúde dos profissionais, a partir da formação em PICS, que contribui para o autocuidado dos próprios profissionais e sua inserção em cuidados com as equipes de trabalho das quais fazem parte. Os entrevistados apontam que as PICS têm potencial de aumentar a autonomia na atuação profissional da enfermagem, na medida em que complementam os recursos de cuidado em pontos chave onde o saber biomédico chega a limites em seu alcance. Nesse sentido, relatos dos entrevistados sugerem que seu uso reduz a sobrecarga profissional, ao estimular o bem-estar e respostas terapêuticas que repercutem em menor demanda de intervenções convencionais.
Os principais desafios apontados pelos participantes da pesquisa são o desconhecimento sobre as PICS por parte de gestores e demais profissionais da saúde, somada à limitação de recursos financeiros destinados ao tema e à fragilidade da regulamentação de seus usos na prática profissional.
Considerações finais
Conclui-se que é possível perceber uma relação direta entre a visão integral de saúde, que a formação em PICS gera sobre as ações de cuidado, e um interesse dos profissionais em aprofundar esta abordagem em suas rotinas de trabalho. Este movimento tende a acontecer por iniciativa e comprometimento dos próprios profissionais para expandir o alcance das práticas, apesar dos entraves institucionais. No entanto, ainda persistem desafios importantes, como a ausência das PICS nas graduações, o desconhecimento por outros profissionais e o insuficiente aparato legal que ampara as práticas.