Apresentação: O Programa de Extensão “Multicampi Saúde da Criança”, financiado pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde, e apoio da Secretaria de Saúde do município de Belém, oferta estágios para alunos/bolsistas de diferentes cursos da área da saúde em unidades de saúde na atenção primária. O programa nasce sob a égide dos princípios organizacionais da Universidade Federal do Pará (UFPA), e propõe o fortalecimento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, da integração ensino-serviço, da educação permanente, e a qualificação da formação profissional dos graduandos de 10 (dez) cursos da área da saúde da instituição de ensino proponente. No referido estágio, os discentes têm a oportunidade de atuar em equipe multiprofissional e participar de diversas atividades, como visitas domiciliares/orientação familiar, educação em saúde, acompanhamento dos programas prioritários, consultas especializadas, entre outras. Dentre essas ações ressalta-se a visita domiciliar, como ferramenta de trabalho, que possibilita ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento, com garantia da continuidade do cuidado integrada a rede de atenção, fortalecendo assim, os princípios de universalidade, de integralidade da atenção, de qualidade dos serviços e de garantia de acesso aos usuários que realmente necessitam de atendimento. Objetivo: Relatar a experiência discente na elaboração de um plano de cuidados multiprofissional a uma usuária do Sistema Único de Saúde diagnosticada com Hanseníase e Diabetes Mellitus, atendida em visita domiciliar. Desenvolvimento: Este relato descreve as vivências no programa de extensão ‘Multicampi Saúde da Criança’ sob o olhar de um grupo de estudantes (estagiários) dos cursos de psicologia, fisioterapia, enfermagem e nutrição, sob supervisão no serviço da enfermeira (preceptora) e de docente (tutora) da instituição de ensino, desenvolvidas na Unidade de Saúde – ESF Condor, na cidade de Belém-Pará, em fevereiro de 2024. Durante o período de estágio, os alunos acompanharam a rotina da unidade e da preceptora do programa, que alternava entre consultas e visitas domiciliares, as quais eram acompanhadas dos agentes comunitários de saúde. Em uma dessas visitas, conheceram uma jovem adulta, 30 anos, diagnosticada com Diabetes Mellitus e Hanseníase, que apresentava humor rebaixado, prejuízo na autoestima e histórico de três internações recentes devido à imunodeficiência ainda não diagnosticada, além de várias queixas de saúde. Nesse primeiro contato da equipe com a paciente, a preceptora e a discente de enfermagem conduziram a consulta e a discente de fisioterapia observou as alterações físicas e biomecânicas da jovem. Além disso, após a chegada da mãe da paciente durante a visita domiciliar, a discente de nutrição interrogou sobre a alimentação da casa, com foco no controle da glicemia, e o discente de psicologia realizou uma escuta especializada em conjunto com a enfermeira. Também se percebeu a resistência da paciente em relação à equipe de saúde e sua baixa adesão ao tratamento já proposto anteriormente, ambos possivelmente associados a seu estado mental. Com isso, foram realizadas breves orientações acerca da condição clínica e importância da mudança de alguns hábitos de vida da paciente. Assim, como parte das atividades do estágio, ficou decidido que a equipe retornaria e faria uma nova visita com a família após elaborar um plano de cuidados multiprofissionais, devido à complexidade e quantidade dos cuidados necessários para intervir na qualidade de vida da usuária. Resultados: De acordo com os problemas ativos encontrados durante a escuta e avaliação, foi possível realizar os possíveis diagnósticos: ingestão alimentar alterada (relacionado a diabetes), uso inadequado da insulina (só realizava a aplicação se a glicemia estivesse bastante elevada), solidão (relacionado às horas que passa sozinha), autoestima prejudicada, alterações biomecânicas e fisionômicas causadas pela Hanseníase, como a mão em garra; e diminuição da flexibilidade e da amplitude dos movimentos devido ao longo tempo na posição de decúbito durante o dia. Nesse sentido, possíveis intervenções foram debatidas entre os discentes, onde cada um pôde contribuir de forma significativa com o seu saber, sobre o cuidado a ser prescrito no contexto da clínica ampliada. Após análise interprofissional definiram-se as seguintes intervenções e orientações: 1. Nutricional: promover e apoiar uma alimentação saudável ressaltando alimentos ricos em vitaminas e minerais: portanto, evitar o consumo de açúcar e dar preferência a adoçantes; considerar alimentos com designação diet, light ou zero, que podem ser indicados no contexto do plano alimentar, mas não de maneira exclusiva; fazer de cinco a seis refeições ao dia, sendo 3 principais e duas de lanches; consumir alimentos integrais, legumes, frutas e leites com baixo teor de lipídeo (que são os desnatados ou semidesnatados); 2. Psicossocial: proporcionar escuta ativa com os profissionais da ESF (enfermeira, psicólogo, assistente social); acolher a usuária conforme suas necessidades; encaminhar para atendimento psicológico e/ou grupo de apoio/terapêutico; estimular a prática de atividades física e de lazer; incentivar e promover a socialização (atividades na usina da paz, etc.); 3. Cuidado especializado: verificar a glicemia regularmente; fazer o rodízio de aplicação da insulina no corpo e aplicar somente as doses prescritas pelo médico; sempre observar as lesões que aparecem no corpo e as atrofias nos membros; tomar as medicações corretamente até finalizar o tratamento; por conta do ressecamento dos olhos, usar óculos escuros ao sair e hidratação dos olhos com soro fisiológico; cuidado ao mexer com o fogão, panelas quentes e ferro elétrico devido a diminuição da sensibilidade característica da doença; hidratar bastante a pele devido o ressecamento; exercícios para melhorar a integridade dos dedos das mão; incentivo a caminhar para que haja melhora da circulação sanguínea e prevenção do imobilismo; e alongamentos diários para melhorar a flexibilidade e amplitude de movimento das articulações. O período de estágio (um mês) permitiu o feedback das orientações à família, onde foram entregues impressas com ilustrações para auxiliar em sua compreensão, visando envolver todos os membros do grupo familiar. Além disso, a agente comunitária de saúde agendou uma consulta com a médica da unidade para verificar a eficácia das intervenções e orientações, bem como, a evolução do quadro clínico da paciente. Destaca-se neste relato, a importância da visita domiciliar na formação de profissionais humanizados, devido a experiência direta, a qual proporciona uma abordagem integral, que considera, além do quadro clínico, as vulnerabilidades do ambiente e contexto no qual a paciente está inserida e promove um cuidado integral e holístico, capaz de trazer benefícios à mesma. A experiência mostrou-se válida diante da oportunidade de interação e intervenção terapêutica dos acadêmicos de psicologia, fisioterapia, enfermagem e nutrição com a paciente, familiares e equipe, apresentando um olhar amplo acerca das condições biopsicossociais que influenciam diretamente na qualidade de vida, incluindo a saúde individual e da população. Considerações finais: O estágio no Programa Multicampi Saúde, proporcionou atuação multiprofissional e prática interdisciplinar, o que determinou uma abordagem ampla da paciente assistida, promovendo intervenções abrangentes que contemplaram os diferentes fatores causadores de prejuízos a sua qualidade de vida. Outrossim, as atividades de extensão realizadas, abrangeram também ensino e pesquisa, como uma das poucas oportunidades de prática integrada e colaborativa entre os acadêmicos, os atores locais do serviço e da comunidade, resultando em proposta de intervenção, ações de promoção e construção de materiais para educação em saúde. Por fim, enfatiza-se que a relação ensino-serviço possibilitou novos olhares sobre o aprendizado e a formação dos alunos.