A questão da saúde mental vem sendo pauta constante de discussões nas universidades brasileiras, considerando-se o elevado número de situações de adoecimento mental encontrado em pesquisas sobre os estudantes universitários e aumento de quadros de suicídio e autolesões entre jovens. Neste sentido, políticas de atenção à saúde integral aos universitários vêm sendo discutidas e implementadas para dar conta dessa realidade que impacta no desempenho acadêmico e na permanência desse estudante na Universidade. A assistência estudantil é uma política educacional que veio a contribuir para a permanência dos estudantes no ensino superior. Trata-se de um programa que para além de disponibilizar auxílios financeiros a discentes em situação de vulnerabilidade social, conta com outros serviços de atenção e apoio ao discente, contribuindo para a permanência desse estudante na Universidade, bem-estar com vistas a melhoria do rendimento acadêmico e a diminuição das evasões. Neste relato de experiência apresenta-se como e que serviços são disponibilizados pela assistência estudantil da Universidade Federal do Pará (UFPA), correlacionando as experiencias no campus de Belém e de Castanhal, fazendo uma relação com o papel da psicologia nesse campo de atuação no acolhimento psicoeducacional, durante o período de 2018 a 2024.
A política de cotas nas universidades foi um grande avanço no acesso dos estudantes em condição de vulnerabilidade social ao ensino superior. Assim como o Programa de Assistência Estudantil criado em 2007, ao final do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, na perspectiva diminuir as evasões no ensino superior brasileiro. Na UFPA este programa é de responsabilidade da Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST), que está dividido em quatro coordenadorias, cabendo à Coordenadoria de Integração Estudantil (CIE) o desenvolvimento de um trabalho voltado aos atendimentos de apoio na atenção biopsicossocial dos discentes. Na perspectiva da saúde mental, conta com projetos de extensão desenvolvidos por parceiros que oferecem atendimento psicológico, sejam individuais ou grupais, mas que se concentram principalmente no campus de Belém. Nos campi do interior do Estado, as ações desenvolvidas pela assistência estudantil, são pelas Divisões de Assistência Estudantil (DAEST). A experiencia de atuação aqui proposta apresenta como referência os campi de Belém e Castanhal nos quais os atendimentos ocorriam em sua maior parte nos acolhimentos psicoeducacionais, individuais, e em formatos de roda de conversa conforme solicitação de alunos, professores ou proposta pela faculdade ou curso.
Ações em saúde mental nos espaços universitários são demandadas continuamente pela comunidade acadêmica, pois deparam-se com situações que não se sentem preparados para lidar do âmbito do sofrimento e comportamento humano. Os acolhimentos psicoeducacionais destacam-se como dispositivo de atendimento fundamental para escuta e identificação de que tipo de apoio e encaminhamentos o discente pode vir a buscar ou ser direcionado. Evidencia-se nesses momentos de escuta que parte significativa dos que buscam o acolhimento, já vinham de processos de sofrimento psíquico mesmo antes de entrar na Universidade, porém esses jovens, postergavam a busca por ajuda e/ou tinham dificuldade de acesso. Quadros de insônia e ansiedade são os mais recorrentes e a literatura aponta que tais queixas tem sido presentes em boa parte das pesquisas realizadas entre universitários. Refletindo em baixo rendimento acadêmico e situações de postergação e negativas em apresentar trabalhos visto elevado grau de ansiedade e estresse gerado nesses momentos. Importante ressaltar quadros de recorrentes tentativas e/ou ideações suicidas que acabam sendo expressas por esses estudantes no acolhimento, em que se sentem seguros emocionalmente para falar de algo tão doloroso e íntimo, quase sempre carregados de sentimentos de culpa e vergonha.
Todos os achados em relação aos atendimentos e compartilhamento da vivência nos campi vão ao encontro com dados de investigação que apontam as dificuldades emocionais e em saúde mental dos estudantes universitários como apontado na pesquisa Nacional de perfil Socioeconômico e Cultural dos/as Graduandos/as das IFES – 2018, onde 63,5% dos estudantes disseram conhecer alguma dificuldade emocional; tristeza persistente (22%); timidez excessiva (16,2%); medo/pânico (13,5%); insônia e alterações do sono (32,7%); desemparo e desespero (28,2%); desânimo e desmotivação (45.6%); solidão (23,5%); ideia de morte (10,8%) e pensamento suicida (8,5%). Aponta-se para a preocupação com a questão do suicídio pois é considerado a segundo causa de morte entre estudantes universitários. Vale ressaltar que em 2020 os efeitos da epidemia da COVID foram agravantes na saúde mental da população, e em especial entre jovens.
As questões sociais são relevantes no aspecto que implicam em sofrimento psíquico. A realidade de grande parte dos jovens paraenses, que não tem em seus municípios campi universitários é terem que deslocar-se de suas comunidades e vilarejos para cursarem um curso superior na cidade mais próxima onde existe um campi, em geral indo residir com parentes ou em aluguéis compartilhados. Nos campi dos municípios também se observa que a oferta de cursos é menor, o que faz que adequem a escolha somente para fins de realizar o projeto de um curso superior ou, se tendo apoio familiar, conseguem buscar o curso que desejam na cidade de Belém. Essas questões projetam-se como experiencias de sofrimentos nesses jovens, ao confrontarem-se, muitas vezes pela primeira vez, no afastamento do convívio familiar, preocupações com sua manutenção financeira, e nem sempre se sentindo confortáveis em suas escolhas de curso, mas o fizeram pela oportunidade de ter uma graduação superior e projeções de melhores expectativas de trabalho. Em seus municípios de origem as oportunidades de trabalho também são restritas, pelo pouco desenvolvimento urbano. Em tais perspectivas, muitos são assistidos pelos programas da assistência estudantil e acompanhados quando solicitam por profissionais da pedagogia, serviço social e psicologia.
Uma diferenciação que já se pode perceber entre um campi de interior e da capital, é sem dúvida a rede de acesso para encaminhamentos em saúde mental. A cidade de Castanhal, conta com dois Centros de Atenção Psicossocial, mas não é a realidade de muitas cidades. Nos casos mais severos de crise em saúde mental, a hospitalização ocorre no Hospital de Clínicas Gaspar Viana, em Belém. Nos relatos, quando a ocorrência se dá durante vivencias em sala de aula, como crises de pânico e visível sofrimento psíquico, as Unidades de Pronto Atendimento tem sido o socorro onde professores e técnicos e colegas encaminham o aluno, pois às vezes a falta de familiar na cidade dificulta esse amparo mais imediato.
No contexto universitário ainda são grandes os desafios para desenvolver estratégias para minimizar os efeitos do sofrimento emocional dos estudantes. Alia-se a isso as perspectivas atuais ainda encontradas nos munícipios de pouco desenvolvimento e suporte em saúde mental. Desenvolver potenciais de criatividade e expressão, diminuir os efeitos da estigmatização que ainda sofrem estudantes que estão necessitando de suporte emocional são ainda parte dos desafios enfrentados. Os espaços de escuta e acolhimento, assim como projetos que visem a troca de experiencias e que oportunizem as expressões de afetos e solidariedade podem contribuir para o bem-estar desses jovens. Com o alargamento de casos de piora de saúde mental dos jovens evidencia-se que se precisa ampliar as discursões sobre ações mais efetivas que atinjam o jovem e sua rede de apoio e que assim possa chegar a enfrentar percurso de um acompanhamento psicoterápico, assim como estudos que tragam também reflexões sobre o que vem ocorrendo em nossa sociedade, na dinâmica social, das relações e afetos, de sofrimento e que podemos trabalhar em prol de saúde mental.