Apresentação: As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são abordagens terapêuticas que visam a prevenção, promoção e recuperação de saúde por meio de saberes tradicionais, trazendo uma visão integral e holística do indivíduo. Elas estão inseridas principalmente na Atenção Básica à Saúde e são ferramentas complementares ao tratamento convencional. No ano de 2006, foi consolidada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), que visa incentivar o uso de mecanismos naturais para prevenção de agravos e recuperação da saúde através de tecnologias eficazes e seguras, escuta qualificada e vínculo terapêutico e integração com o meio ambiente e sociedade. A disseminação dessa regulamentação abrangeu diversos municípios e estados, incluindo a notável implementação da Política Municipal de PICS em Vitória/ES (PMPICS) em 2016. Entre os 29 procedimentos oferecidos gratuitamente pelo SUS, conforme estabelecido pela regulamentação, destaca-se a fitoterapia. Nesse contexto, o município de Vitória/ES, por meio da Política Municipal de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos, definiu o jardim terapêutico como espaço de troca de saberes e respeito ao conhecimento tradicional das plantas medicinais. O uso das PICS é estimulado pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia e por meio do Parecer CFFa n. 45 de fevereiro de 2020 dispõe que o fonoaudiólogo deve implementar o uso das PICS desde que tenha formação necessária e utilize no contexto de atenção e cuidado à saúde das pessoas. Portanto, visando o olhar holístico à saúde dos indivíduos e essa integração com as práticas tradicionais, as plantas medicinais do Jardim da Saúde da Unidade de Saúde Forte São João foram utilizadas enquanto recurso terapêutico para estimulação/reabilitação de linguagem oral em crianças em terapia fonoaudiológica.
Desenvolvimento do trabalho: A experiência ocorreu no Jardim Saúde da Unidade Básica de Saúde da Família (USF) Dr. Bolivar de Abreu, localizado no Forte São João, em Vitória, ES. Dezessete crianças, com idades entre dois e nove anos, que estavam sob os cuidados da fonoaudióloga residente em Saúde da Família na Unidade de Saúde, participaram junto com seus respectivos familiares e responsáveis. Durante o horário agendado para atendimento fonoaudiológico, os pacientes foram conduzidos ao espaço do jardim, onde tiveram a oportunidade de explorar e aprender sobre as plantas medicinais ali cultivadas. Como estratégia terapêutica para intervenção de linguagem oral, foi realizada a confecção de “Pulseiras da Natureza”, com a coleta de plantas aromáticas do jardim (Erva-doce, Poejo e Erva-cidreira). Outras tarefas foram a coleta de elementos (folhas, flores, frutos) para a confecção de desenhos e a plantação de sementes de chia juntamente com os familiares. A terapia fonoaudiológica seguiu a perspectiva Interacionista, que compreende o sujeito como ativo e produtor de sentidos, onde o pensamento é construído com base na relação do sujeito com seu tempo histórico e relações sociais e culturais. Essas estratégias objetivaram trabalhar a ampliação de repertório e interação verbal, compreensão de comandos verbais e identificação/reconhecimento de palavras, além de propiciar o vínculo entre os familiares e as crianças, bem como promover a educação ambiental para os pacientes e seus responsáveis. Ademais, foi realizada uma conversa visando a educação em saúde das famílias, elucidando as possibilidades de uso das plantas medicinais, como chás, xaropes e ervas aromáticas para culinária. Os responsáveis foram convidados a participarem das oficinas sobre PICS que ocorrem mensalmente, com outros profissionais na USF. Além disso, foram dadas orientações sobre o cuidado com a chia e foi estimulado que a família e a criança realizassem os cuidados em conjunto.
Resultados: Todas as crianças atendidas relataram a experiência como positiva e maioria dos pacientes referiu não ter experiência prévia com atividades em ambiente de jardim e com uso de plantas, o que ressalta a originalidade dessa abordagem terapêutica. Foi possível observar maior interesse e participação nas atividades propostas durante a terapia, indicando uma resposta promissora ao ambiente do Jardim da Saúde, indicando que esse espaço pode servir como um estímulo eficaz para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e interativas das crianças.
Observou-se ainda, que a maioria dos familiares das crianças não possuía conhecimento prévio sobre as propriedades terapêuticas das plantas medicinais. No entanto, após a participação das crianças nas atividades do jardim, a maioria expressou interesse em explorar o potencial terapêutico dessas plantas e demonstrou disposição em utilizá-las como recurso complementar ao tratamento de saúde de seus filhos. Além disso, a interação no jardim proporcionou um ambiente propício para fortalecer os vínculos familiares, promovendo momentos de qualidade e colaboração entre familiares e pacientes. Essa conexão emocional entre familiares pode ter um impacto positivo não apenas no bem-estar das crianças, mas também na dinâmica familiar como um todo.
A fonoaudióloga avaliou a experiência como positiva, uma vez que o Jardim da Saúde se mostrou um ambiente rico em estímulos que permitiram o desenvolvimento de atividades dialógicas entre a criança e o meio, o que, de acordo com a perspectiva Interacionista, é indispensável para produção de linguagem.
Ademais, muitos familiares manifestaram interesse em participar das oficinas sobre Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) realizadas na USF, evidenciando um desejo crescente de envolvimento e aprendizado contínuo sobre abordagens terapêuticas alternativas. Esse conhecimento adicional sobre as PICS pode desempenhar um papel crucial na redução da dependência excessiva de medicamentos e na promoção de abordagens de cuidados de saúde mais holísticas e integrativas.
Considerações finais: A experiência revelou que a integração do Jardim da Saúde como parte do contexto terapêutico resultou em benefícios significativos. O ambiente proporcionou não apenas um aumento no interesse e engajamento das crianças nas atividades propostas, mas também facilitou a eficácia das intervenções terapêuticas, otimizando a aquisição das habilidades linguísticas e interativas almejadas.
O sucesso dessa abordagem também se reflete no interesse demonstrado pelas famílias em participar das oficinas sobre PICS, evidenciando uma crescente demanda por aprendizado contínuo e uma disposição para explorar abordagens terapêuticas alternativas.
Em suma, a integração do Jardim da Saúde como recurso terapêutico revelou-se uma estratégia eficaz e promissora, não apenas no contexto da terapia fonoaudiológica, mas também na promoção de uma abordagem mais holística e integrativa à saúde, estimulando hábitos saudáveis e fortalecendo os laços familiares.