Introdução:
As violências praticadas contra as mulheres no mundo, e especificamente no Brasil, aumentam de forma assustadora. A violência doméstica tomou proporções inaceitáveis, 35 mulheres são agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil, de acordo com a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha (2022). As mulheres negras são a maioria das vítimas dos casos de violência, de acordo com pesquisa intitulada “Visível e Invisível”, realizada pelo Instituto Datafolha (2022). Com a pandemia da COVID-19 e o isolamento social como medida de contenção da contaminação pelo vírus em 2020, o número de casos sofreu aumento expressivo. Em 2022, ainda em situação pandêmica, as consequências alarmam a sociedade, refletem diretamente nas crianças, como vítimas de maus tratos, tragicamente seguidos de morte em alguns casos. As diversas violências perpetradas contra mulheres em geral, e contra mulheres negras, especificamente, constituem-se como importante caso de saúde pública (Carrijo; Martins, 2020).
A cidade de Alvorada, situada na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, não está imune aos casos de violência. Nos bairros considerados periféricos, o aumento dos casos de violência contra mulheres e crianças e casos de feminicídio contribuem para aumentar as estatísticas. Essas estatísticas e outras vivenciadas dentro das suas comunidades despertaram em uma das autoras o desejo de realizar alguma ação. Desse desejo de tomar alguma atitude que pudesse transformar essa situação, nasce o Coletivo AMOR. O projeto nasce em 2019, quando essa mulher começou a ter a consciência das dores de ser mulher e mãe solo. A reflexão sobre o quanto isso se torna um fardo a ser carregado pelas mulheres que enfrentam diversas violências, inclusive a doméstica, exclusões sociais exacerbadas pelos transtornos causados pela dependência química e do alcoolismo de seus filhos e familiares, fortaleceram o desejo de elaborar o projeto. Esse projeto se une à trajetória de outra mulher negra, poeta, ativista social e Produtora Cultural, empreendedora, colunista e integrante do Programa Afro Gueto Urbano, que há 6 anos participando de diversas atividades de enfrentamentos ao preconceito racial e às diversas manifestações de racismo.
Metodologia:
Com apoio incondicional de amigas de lutas, o coletivo iniciou os manifestos em praças, escolas, espaços públicos e privados e em algumas escolas de nossa cidade de Alvorada, com performances que perpassam as artes cênicas, palestras, poesias e literatura. Criamos um conceito de conscientização e provocações à sociedade, sobre tais tragédias sociais e familiares, instigando primeiramente a sociedade como um todo, para posteriormente, chegar aos gestores dos poderes legislativo, executivo e judiciário. O objetivo geral do projeto é colaborar na recuperação da autoestima de mulheres que sofreram violências, crianças, jovens e pessoas LGBTQIAP+, muitas vezes em situação de vulnerabilidade. Como objetivos específicos, incentivar a cultura afrodescendente e a troca de saberes realizando oficinas com escritoras, poetas, palestrantes convidados e profissionais da saúde; provocar e expandir a consciência das pessoas que acessarem nosso projeto por meio das performances e palestras, na área da cultura, educação cidadã e meio ambiente; colaborar na consolidação dos saberes ancestrais e dar voz a essas comunidades que a sociedade insiste em torná-las invisíveis.
O Coletivo AMOR vem lutando e se posicionando fortemente contra as violências perpetradas contra todas as pessoas, em específico, contra determinadas populações. Nossa primeira manifestação representativa foi com poesias e artes cênicas no dia 12 de março de 2023, quando realizamos a performance PAREM DE NOS MATAR! PAREM DE MATAR NOSSAS CRIANÇAS! na Praça da 48, localizada no centro de Alvorada, cidade sede do coletivo e morada de suas participantes. Realizamos performances vivenciais, estreitando as relações afetivas com os moradores e com quem mais desejasse participar das ações.
Nas diversas atuações do coletivo, procuramos proporcionar às mães informações sobre as leis vigentes, seus direitos à proteção, acolhimento e respeito. Entendemos que se faz importante alertá-las para permanecerem atentas as suas crianças, aos gestos e atitudes dessas, na tentativa de evidenciar possíveis casos de abusos e violência doméstica. Também como atuações do projeto, realizamos oficinas com o objetivo de proporcionar o empoderamento dessas mulheres. Essas oficinas favorecem acesso à literatura, às performances artísticas, com a realização de palestras experimentais e reflexivas. Também contribuem para o conhecimento sobre políticas públicas e estratégias para acesso aos direitos garantidos por lei, nos diversos casos de violência praticadas contra mulheres e crianças. Realizamos parceria com a Educação, cultura, saúde e saberes vivenciais e com essas ações, possibilitamos a expansão de conhecimentos, crescimento pessoal dos indivíduos que inseridos no projeto ou com desejo de participar das ações.
Buscamos justiça, consciência, assistência, acolhimento e amparo, segurança e respeito às mulheres, crianças, jovens em situação de vulnerabilidade, com enfrentamentos à violência, a drogadição entre outras pautas, sempre na luta contra o racismo estrutural, fomentando a Cultura afro-brasileira e dos Povos Originários. Precisamos que essas mulheres e crianças, vítimas de violências, possam ser acolhidas nas instituições de saúde, embora saibamos que muitos profissionais das equipes ainda carregam estigmas e preconceitos e culpabilização da vítima (UFJF, 2023). É urgente a implementação de educação permanente visando mudança de atitude desses profissionais. Lutamos para que essas mulheres e crianças vítimas de violência tenham lugar seguro para protegê-las do agressor, que na maioria das vezes, convive no mesmo espaço.
Realizamos também atividades em parceria com outros grupos que como o nosso, luta por cidadania. Algumas dessas atividades foram: Dias de luta; Agosto Lilás, Dia da Mulher, Dia das Mães, Dia da Mulher Latino e Caribenha, Novembro Negro. Em nossa trajetória já temos 3 livros que são bases para abrirmos diálogos, os solos de Cristina Ribeiro “Pela liberdade de nos construirmos negras e Falas Racistas” e o coletivo “Vozes Alvoradenses”. Proporcionamos por meio da literatura introduzir de forma poética temáticas de dores geracionais. Entendemos que também é um incentivo à leitura e a escrita, como nos diz Conceição Evaristo (2017), libertar nossas Escrevivências.
Em março de 2024 estendemos nossa ação a Porto Alegre/RS, no ponto de cultura Fora da Asa. Também como ações do coletivo amor, trabalhamos com homens que praticam violência contra mulheres e meninas.
Em maio de 2024 recebemos o Fórum Social das Periferias em nossa sede no Jardim Aparecida, mais um importante espaço de visibilidade e fortalecimentos do nosso coletivo junto à comunidade.
Considerações:
Temos a necessidade, de manter o projeto e expandir as ações já que as demandas são gigantescas e de proporções alarmantes, como a violência e o risco de morte, precisamos de recursos emergenciais. Assim, o coletivo segue com suas ações, buscando apoio financeiro em editais de fomento à cultura, projetos sociais, bem como apoio de instituições privadas.
Enquanto Coletivo acreditamos na possibilidade de um mundo melhor com ideais de acolhimento, assistência, respeito e amor ao próximo, através de educação, cultura e assistência profissional. Juntas nos fortalecemos e nos empoderamos no Amor literalmente. O amor passa a ser um ato político, como nos fortalece bell hooks (2021). Com a prática das ações do coletivo, buscamos proteção, justiça, direitos, respeito, segurança e acolhimento, visibilidade, mudanças e equidade.