O projeto do livro “Falas racistas” e o combate ao Racismo Estrutural: uma experiência na cidade de Alvorada/RS

  • Author
  • Rosemar Silva da Silva
  • Co-authors
  • Cristina Ribeiro , Rose Mari Ferreira
  • Abstract
  • Introdução:

    Alvorada é uma cidade situada na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, estado brasileiro que tem a maior proporção de pessoas autodeclaradas brancas, 78,4%, conforme dados do Censo 2022. A cidade tem população de aproximadamente 187.000 habitantes, de acordo com o Censo de 2022 (IBGE,2024).

    Racismo é uma ideologia e como nos diz o antropólogo congolês Kabengele Munanga (2003), o conceito de ideologia esconde, escamoteia uma relação de poder e de dominação. Silvo Almeida (2019, p.32) aponta que o “racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento”. As ações praticadas, conscientes ou não, determinarão privilégios ou desvantagens, dependendo do grupo racial aos quais os indivíduos serão classificados (Almeida, 2019). A saúde mental das pessoas negras é fortemente afetada pelo racismo estrutural, formador das relações sociais em nossa sociedade. Pessoas negras têm como ação cotidiana a luta antirracista e a intensidade e necessidade de manter-se constantemente em prontidão, leva ao adoecimento mental. O racismo adoece!

    A escola se constitui como primeiro contato, o primeiro lugar onde as crianças sofrerão racismo que poderá se manifestar de forma velada ou escancarada. Ações que como os chamados “bullying”, xingamentos, ofensas, que humilham e produzem traumas nas crianças negras são praticadas nas escolas e pouco frequentemente, trabalhadas sob a ótica antirracista. Educadores/as tendem a colocar-se em posição de neutralidade, alegando tratar-se de episódios isolados e não atribuem o racismo como causa das violências praticadas (Pinheiro, 2023). A educação permanente com base na luta antirracista se faz necessária e urgente nos espaços escolares. O racismo cotidiano na escola leva ao adoecimento mental de crianças, jovens e adultos.

    O racismo recreativo, termo cunhado pelo jurista Adilson Moreira (2019), é uma política cultural em que pessoas brancas formulam narrativas específicas usando termos humorísticos para ridicularizar pessoas negras. Crianças negras sofrem agressões desde a mais tenra idade escolar e muitas dessas violências têm relação com a estética corporal.

    Dessa forma, o objetivo geral do projeto do livro Falas Racistas, idealizado por uma mulher negra atuantes em Alvorada/RS é combater o racismo estrutural que cotidianamente afeta a população negra. Como objetivos específicos fortalecer a autoestima e o empoderamento de jovens negros e negras estudantes das escolas estaduais, apresentando pessoas que são referência para o povo negro; provocar os adolescentes a terem empatia com os colegas, funcionários, professores e que essa empatia se estenda ao ambiente familiar, diante das situações de racismo e preconceito. Nesse texto, narramos parte da nossa experiência em trabalhar com o projeto.

     

    Metodologia:

    Realizamos mais de um encontro em escolas na periferia da cidade. Conseguimos atingir nosso público principal, as crianças e adolescentes, estudantes de duas escolas da rede estadual de Educação de Alvorada.  Também contamos com a presença de educadores e trabalhadores de outras áreas da Educação. Na noite de lançamento do livro, mesmo com uma forte chuva de outono tivemos a participação de um público seleto, mas que aceitou a provocação de Jorge Cruz, griô e educador popular que juntamente com Cristina Ribeiro abriram a roda de conversa. Na qual, emergiu muito debate e desabafos de familiares, amigos e público no geral relatando os diversos tipos de racismos geracionais dialogando com o livro Falas Racistas que trata da tipologia do racismo com a expertise de abrir falas em vários espaços de nossa sociedade.

    Nosso projeto ainda se encontra em ação. Como parte de nossa programação, realizaremos oficinas com convidados/as que tenham atuação na área de direitos humanos, na saúde e na educação, em escolas ou outros espaços não formais de educação. Serão realizadas oficinas mensais e pretende-se que nas primeiras possamos ter como atividade leituras de poesias antirracistas e conversas reflexivas. Na segunda oficina, serão escritas, de forma livre, vivências sobre racismo. Na terceira, quarta e quinta oficinas, militantes serão convidados para ampliar o debate sobre o racismo; no decorrer das oficinas, será proposto que as pessoas que desejarem, escrevam poesias ou contos livres. Na última será realizada uma produção textual e serão selecionados dez textos com a ajuda dos palestrantes   e esses entrarão como capítulo especial de um próximo livro da autora. Serão promovidos eventos literários que discutem os impactos provocados pelo racismo na saúde mental das pessoas negras. As escolas serão incentivadas à criação de bibliotecas com acervo literário de autoras e autores negros, disponíveis aos estudantes e à comunidade.

    Resultados: 

    Foram trabalhados os conceitos de racismo estrutural, institucional e recreativo e estratégias para identificar práticas racistas perpetradas cotidianamente contra a população negra. Realizamos uma roda de conversa e discutimos  temas do cotidiano, as práticas naturalizadas de racismo como a relação com o cabelo e a estética do povo negro, as expressões racistas já ouvidas pelas crianças e pelos adolescentes que participavam da conversa e trabalhamos com possibilidades estratégicas para lidar com essas violências. Um dos pontos importantes de nosso encontro foi trazer a importância dos mais velhos como referência de memórias e resistência de nossa história. Queremos instigar o imagético dos estudantes, professores e demais pessoas envolvidas na luta antirracista. Sensibilizar os profissionais da Educação para o desenvolvimento de uma consciência antirracista e como ferramenta, pretendemos usar a escrita para a construção do capítulo de um próximo livro.

    Considerações finais:

    O racismo pode se apresentar de diversas maneiras e nem sempre a escola identifica as agressões praticadas como atos racistas. Um dos tentáculos do racismo é a manifestação sutil, de forma velada, daí a importância de atuações no âmbito pedagógico, já nos traz Bárbara Pinheiro ( 2023). Para combater o racismo é preciso nomeá-lo. É necessário que sejam trabalhados os conceitos de racismo e as maneiras de identificar práticas racistas. A importância de identificar a escola como o local em que as crianças terão contato com práticas racistas e promover estratégias para combatê-las, evidencia a importância da luta antirracista.

    As pessoas brancas têm a responsabilidade de combater o racismo, uma vez que são beneficiárias dos privilégios construídos com base na expropriação das populações negras ao longo de quase 400 anos. Espera-se que as pessoas envolvidas no projeto sejam multiplicadores conscientes das práticas antirracistas.

  • Keywords
  • Racismo, educação, consciência, literatura, dores geracionais
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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