Apresentação: O Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentado nos seus princípios, representa a concretização do direito fundamental do ser humano à saúde, o Estado deve proporcionar as condições necessárias para seu pleno exercício, conforme é estabelecido na lei n°8080/1990. Fundamentado num projeto territorial descentralizado, hierarquizado e integrado através das Redes de Atenção à Saúde (RAS), o SUS tem na Atenção Primária à Saúde (APS) a base presente em todo o território nacional que funciona como porta de entrada do usuário e centro de comunicação da RAS, atuando ainda na promoção de saúde, ordenação do cuidado e coordenação das ações e serviços disponibilizados na rede. Devido à complexidade, surge a necessidade de uma legislação arquitetada corretamente, para que o SUS funcione para toda a população, e ao alcançar uma dimensão social ele adota um conceito ampliado de saúde, especialmente quando admite que os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país. A partir do alcance dessa dimensão social, manifesta-se a necessidade do aprofundamento da discussão racial dentro do SUS, com a oportunidade de aprofundar as ferramentas de trabalho a partir de suas diretrizes e princípios. Tais reflexões e inquietações surgiram a partir do processo de territorialização realizado dentro da UBS 17 da Ceilândia como parte do componente teórico do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Fiocruz Brasília (PRMAB Fiocruz Brasília) e da oportunidade de integrar as oficinas do comitê de implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) na Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). Desenvolvimento do trabalho: O território em questão está localizado no setor PSul (QNP 16/20), atende parte da Região Administrativa da Ceilândia (RA IX) e o Setor Habitacional Pôr do Sol (SHPS) que compreende a mais recente Região Administrativa Sol Nascente/Pôr do Sol (RA XXXII) que em 2022 tornou-se a maior favela do Brasil, segundo dados do IBGE. Com o processo de territorialização promovido pelo PRMAB Fiocruz Brasília foi possível perceber que assim como os trabalhadores/as, a população adstrita que reside na área de abrangência do cenário de prática não possui ou tem um irrisória perspectiva sobre o preenchimento do quesito raça/cor, devido ao processo de autodeclaração realizado durante o cadastramento, possibilitando a subnotificação dos dados informacionais dos/as pacientes, provocando seguinte questionamento: De que forma tem sido realizado o preenchimento do quesito raça/cor no cadastro de pacientes dentro do SUS? E com isso, surgiu a construção do projeto de pesquisa do Trabalho de Conclusão de Residência (TCR) com a possibilidade de ajudar a reorganizar as práticas individuais e coletivas dos profissionais da APS, valorizando a população negra e promovendo políticas públicas específicas. A população tem acesso aos níveis de cuidado através da APS, que estão presentes em todo o território nacional e nas pactuações intermunicipais e dos sistemas regionais. A questão de como planejado territorialmente a APS do SUS aconteceu desde a década de 1990, pois a população e os serviços tinham uma relação de vinculação e pertencimento. Contudo, os contextos político-ideológicos e os processos econômico-institucionais impossibilitaram até recentemente a reorientação para um modelo assistencial territorializado. Nota-se que os profissionais não criticam as questões raciais e suas consequências para a saúde, refletindo o racismo institucional e a exclusão do aspecto racializado das relações profissional-profissional e profissional-usuário. A literatura destaca a estreita relação entre raça e iniquidades em saúde e representa o racismo como um obstáculo para obter serviços e políticas de saúde. O reconhecimento das desigualdades étnico-raciais como determinante social da saúde é demonstrado por meio da incorporação do quesito raça/cor nos sistemas de informação, da instituição da PNSIPN. No entanto, os indicadores de saúde dessas populações diferem significativamente dos da população branca, e essas iniciativas legislativas ainda enfrentam desafios na implementação e consolidação. Resultados: Tendo em vista esse contexto que a população negra vive, a expansão da APS tem como objetivo melhorar o acesso da população para diminuir as desigualdades raciais em saúde e a mortalidade evitável. Para isso, as equipes multiprofissionais ajudam a entender as necessidades da população, observando as particularidades locais e as necessidades da população em que estão inseridas. Para pensar sobre o fazer em saúde de acordo com as necessidades das pessoas que recebem cuidado, é essencial compreendê-las. Com isso, a discriminação racial deve ser enfrentada e desconstruída por meio do reconhecimento dessas desigualdades. Isso pode ser feito estimulando e incentivando os movimentos sociais negros, que têm o poder de influenciar a formulação de políticas públicas em prol de um letramento racial, e por meio de pesquisas acadêmicas que reiterem essa necessidade e ajudem a reorganizar a APS e fornecer assistência adequada à população negra. Autores afirmam que o preenchimento do quesito de raça/cor está intrinsecamente relacionado ao contexto escravocrata no brasileiro. A maneira como os dados são coletados em relação a esses requisitos tem sua origem na segregação e na maneira como as informações são conduzidas de acordo com os interesses políticos e econômicos do país ao longo da história e essa dinâmica persiste até hoje devido à falta de dados sobre o tópico em foco e à falta de compreensão dos profissionais de saúde de sua importância. Portanto, a PNSIPN estabeleceu esta diretriz para melhorar os sistemas de informação em saúde incorporando o quesito raça/cor em todos os instrumentos de coleta de dados usados pelos serviços públicos, conveniados ou contratados com o SUS. Ao obter esses dados, é possível demonstrar a vulnerabilidade do grupo social do paciente e relacioná-lo com os agravos e determinantes sociais que afetam seu cotidiano e perspectiva de vida. Isso está relacionado às inúmeras consequências sociais, psicológicas e econômicas do racismo estrutural. Considerações finais: A responsabilidade dos negros e a desresponsabilização dos brancos são as duas facetas da mesma discussão. Eles formam o cenário que tenta reduzir o problema do racismo a uma consequência do passado; além disso, a responsabilização dos negros pelos fatores que os prejudicam cria o ambiente de conforto racial onde a branquitude se encontra. A partir disso, surge a questão dos efeitos raciais, principalmente como os profissionais de saúde, que na sua maioria são lidos como brancos, não percebem expressões do racismo na saúde. Sabe-se que os profissionais não questionam as questões raciais e suas consequências para a saúde, refletindo o racismo institucional e a negação do aspecto racializado das relações profissional-profissional e profissional-usuário provocando a necessidade de formação continuada para os trabalhadores do SUS, assim como a necessidade da implementação da PNSIPN no Distrito Federal. O racismo é um componente da manutenção das estruturas de poder em nossa sociedade (e não apenas no Brasil, mas em todo o mundo) e, como discutido anteriormente, nenhuma dessas estruturas permanece passiva ou inalterada. A partir disso, acredita-se que seja possível um aprofundamento reflexivo na realidade desses trabalhadores/as sob de que ao longo dos anos, a população negra resistiu e lutou para sobreviver de várias maneiras, e que isso se expressa em suas ferramentas de trabalho, como a importância do quesito raça/cor.